Após uma longa espera

Haddad detalha R$ 70 bilhões em corte de gastos em rede nacional — veja pontos anunciados e análises

O pacote de medidas, que inclui ajustes fiscais e reformas em áreas estratégicas da economia, visa combater a inflação, reduzir a dívida pública e garantir a manutenção de uma política de juros mais baixos

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Fernando Haddad 3/8/2024 REUTERS/Adriano Machado

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP), divulgou nesta quarta-feira (27), em um pronunciamento oficial à nação pela cadeia de rádio e televisão, um conjunto de medidas econômicas com o objetivo de cortar gastos de R$ 70 bilhões nos anos de 2025 e 2026.

O pacote de medidas, que inclui ajustes fiscais e reformas em áreas estratégicas da economia, visa combater a inflação, reduzir a dívida pública e garantir a manutenção de uma política de juros mais baixos.

Sem o corte de gastos, o espaço para os gastos discricionários, como as políticas públicas essenciais, estaria comprometido”, alertou o ministro.

Com o arcabouço fiscal em risco, a equipe econômica considera essencial a contenção dos gastos obrigatórios, especialmente os que não são indexados diretamente ao crescimento da arrecadação.

Haddad reforça olhar humanista nas medidas

Em sua fala, Haddad enfatizou o compromisso do governo com um “olhar humanista sobre a economia”, e destacou que a atual administração se diferencia da anterior, o governo Jair Bolsonaro (PL), “por não fechar os olhos para as desigualdades sociais”.

Combater a inflação, reduzir o custo da dívida pública e ter juros mais baixos faz parte de nosso olhar humanista sobre a economia. Quem ganha mais deve contribuir mais, para que possamos investir em áreas que transformam a vida das pessoas”, declarou o ministro.

Ministro cita desafios políticos e o cumprimento do arcabouço fiscal

O anúncio das medidas ocorre após semanas de discussões sobre como garantir a viabilidade do arcabouço fiscal, uma regra aprovada no ano passado que limita o crescimento das despesas públicas.

Uma parte significativa das ações propostas exige a aprovação do Congresso Nacional e algumas já foram apresentadas para análise do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em reunião com o ministro Fernando Haddad e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta mesma data.

Medidas de corte de gastos trazem uma limitação ao crescimento do salário mínimo

Entre as principais medidas apresentadas, estão a limitação do crescimento do salário mínimo, a restrição do abono salarial e a revisão do teto de impostos para os chamados “super-ricos”.

A política de valorização do salário mínimo vai ser alterada, com a adoção pelo governo federal de uma estratégia de crescimento acima da inflação, mas dentro da nova regra fiscal. “O mínimo vai continuar acima da inflação, mas de forma sustentável e dentro da nova regra fiscal”, explicou o ministro.

No que diz respeito ao abono salarial, o governo propôs uma redução na faixa de rendimentos dos trabalhadores que têm direito ao benefício.

A proposta foi limitar o abono salarial a quem ganha até R$ 2.640, com a redução da faixa de elegibilidade, que atualmente contempla até dois salários mínimos, ou R$ 2.824.

O ministro afirmou que o valor vai ser corrigido pela inflação nos próximos anos e se tornar permanente “quando corresponder a um salário mínimo e meio”, disse Haddad.

Isenção de IR e aumento da tributação para os super-ricos

Outro ponto importante do pacote de medidas fiscais envolve a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000,00 mensais, uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.

Atualmente, a isenção fora concedida para quem recebe até R$ 2.824,00, o equivalente a dois salários mínimos.

Para compensar a redução de arrecadação com a isenção, o governo propôs o aumento da tributação para os super-ricos, ou seja, para quem tem uma renda superior a R$ 50 mil por mês.

Haddad garantiu que a nova medida não traz impacto fiscal, ou seja, não aumenta os gastos do governo federal, “porque quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês paga um pouco mais”.

De acordo com o ministro, “tudo sem excessos” e em respeito aos padrões internacionais consagrados.

Haddad relembra contexto global e a necessidade do protecionismo

Em seu pronunciamento, o ministro abordou o impacto do cenário econômico global na economia brasileira e destacou os desafios impostos por conflitos internacionais e crises econômicas.

Sabemos que persistem grandes desafios. Diante do cenário externo, com conflitos armados e guerras comerciais, precisamos cuidar ainda mais da nossa casa”, afirmou.

Ele reiterou a importância das medidas adotadas para proteger a economia brasileira e assegurar a estabilidade e o crescimento. “Com isso, garantiremos estabilidade e eficiência e asseguraremos que os avanços conquistados sejam protegidos e ampliados”, concluiu.

A novela das emendas parlamentares chegou ao fim?

Uma das propostas apresentadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê mudanças no sistema de emendas parlamentares, com um aumento no montante global, mas com um crescimento abaixo do limite estabelecido pelas regras fiscais.

Haddad anunciou que 50% das emendas das comissões do Congresso Nacional serão direcionadas para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), uma medida que visa aumentar os investimentos em saúde pública.

Ajustes necessários para a aposentadoria dos militares

Em relação à Previdência, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja ajustes na aposentadoria dos militares, categoria que ficou de fora da reforma previdenciária anterior.

Haddad explicou que as mudanças visam promover mais igualdade, com a implementação de uma idade mínima para a reserva, a limitação da transferência de pensões, além de outras correções necessárias.

Limitação de benefícios fiscais

Além disso, o pacote propõe a limitação da concessão de benefícios fiscais (isenção ou redução de impostos para setores específicos).

Em caso de déficit primário nas contas públicas, o governo não pode criar, ampliar ou prorrogar benefícios tributários, o que visa garantir que a situação fiscal não piore.

Quais são as primeiras reações ao anúncio?

Paula Zogbi, gerente de Research e head de conteúdo da Nomad, relembra que “as medidas ainda precisam ser aprovadas no Congresso, o que, além de poder significar que parte das discussões devem ficar apenas para o ano que vem, pode levar a uma desidratação, que significaria novas pressões sobre o dólar e sobre o mercado brasileiro”.

Do ponto de vista do investidor, Zogbi pontua que as movimentações desta quarta-feira (27), com o dólar acima de R$ 5,90 e uma queda de quase 2% do Ibovespa (IBOV), e a incerteza que ainda ronda o tema “reforçam a importância de manter uma parcela da carteira em dólares ou, ainda melhor, ativos dolarizados, de forma a minimizar impactos de movimentos como esse e proteger o patrimônio no longo prazo”.

A Warren Investimentos afirmou o ajuste anunciado seria insuficiente. “Apesar de bem direcionadas, as medidas não garantem um superávit primário adequado para as metas fiscais”, opinou a plataforma.

Entenda o arcabouço fiscal

O arcabouço fiscal, principal norma para o controle das contas públicas no Brasil e que substituiu a política de Teto de Gastos, prevê que o aumento de despesas seja atrelado ao crescimento da receita.

No entanto, algumas áreas, como aposentadorias vinculadas ao salário mínimo, emendas parlamentares e despesas em saúde e educação, possuem regras específicas que permitem crescimento além dos 2,50% ao ano permitidos para as despesas totais.

Caso o governo não corte gastos obrigatórios, existe o risco de que não haja mais espaço para políticas públicas fundamentais, como bolsas de estudo e programas de saúde.

Uma coletiva de imprensa com mais detalhes sobre as ações do governo foi prevista para ocorrer nesta quinta-feira (28).

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