Entrevista

Agentes autônomos têm a obrigação de dar educação financeira a investidores, diz presidente da ABAAI

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O agente autônomo de investimentos, ou AAI, é o responsável pela intermediação entre os investidores e o mercado financeiro. O profissional, porém, não atua apenas na explicação dos produtos disponíveis nas corretoras de investimentos e repasse de ordens de negociação.

Para o presidente da ABAAI (Associação Brasileira dos Agentes Autônomos de Investimentos), o economista Diego Ramiro, o assessor tem um compromisso educativo com os investidores. “O agente autônomo que não se preocupa em educar financeiramente seu cliente não é diferente de uma plataforma de autoatendimento ou de um robô advisor, por exemplo”, afirma.

Ramiro conversou com a SpaceMoney sobre a atividade do agente autônomo de investimentos e comentou polêmicas no modelo de remuneração e mudanças previstas na instrução 497 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que rege a atuação desses profissionais.

À frente da ABAAI desde 2019, o economista indicou que, entre os principais pleitos da instituição, estão o fim da exclusividade entre AAIs e corretoras e a possibilidade de entrada de sócios capitalistas nos escritórios de investimentos. Confira a entrevista completa:

Qual é a importância no mercado, hoje, da figura do agente autônomo de investimentos? 

Em um cenário com a taxa básica de juros em um patamar baixo e com uma população que, em grande parte, nunca teve educação financeira, a figura do agente autônomo passou a ser fundamental na vida do brasileiro. Além disso, o assessor não atua apenas em grandes cidades, onde naturalmente já existe mais informação sobre o mercado. Temos muitos agentes autônomos com escritórios no interior do Brasil que levam informações sobre investimentos a locais esquecidos pelos bancos tradicionais e as grandes assets.

Para quais tipos de investidores esse tipo de assessoramento é indicado? E para quem não é?

O agente autônomo, para mim, é indicado a qualquer pessoa que queira fazer investimentos. Ele auxilia nas questões mais simples — o cliente que nunca investiu, por exemplo, precisa do assessor para indicar como funciona o mercado, o que são ações e mais — e, para aqueles que são um pouco mais qualificados, ajuda a entender melhor os tipos de produtos disponíveis e realiza o acompanhamento dos investimentos. O que eu vejo é que muita gente usa o assessor não só para explicações, mas também porque não tem tempo pra cuidar dos seus investimentos. Além disso, o brasileiro tem um relacionamento muito emocional com o dinheiro e, quando terceirizamos o cuidado com o patrimônio, garantimos decisões mais racionais.

Em quais aspectos essa atividade se difere da exercida pelos tradicionais gerentes de banco?

A grande diferença é que o assessor não é um funcionário da plataforma. O relacionamento com as corretoras é de sociedade e, portanto, não existem metas a serem cumpridas, diferentemente de um gerente de banco. Também há a concorrência, que é muito maior para os agentes autônomos e estimula o serviço prestado a ser mais qualificado. Enquanto temos, no Brasil, apenas cinco grandes instituições bancárias, há mais de duas mil assessorias de investimentos registradas na Ancord. Logo, se você não fizer um bom trabalho para o seu cliente, ele pode encontrar outra empresa com facilidade.

Uma pessoa que está começando a investir deve escolher um AAI de confiança ou dar mais importância à escolha de com qual corretora vai operar?

É muito mais importante focar em ter uma boa assessoria porque, hoje em dia, as plataformas de investimentos se tornaram parecidas com as commodities: é difícil que um produto disponível no BTG não exista na XP, por exemplo. Então, a corretora não faz muita diferença em termos de tecnologia, funcionalidade e produtos. Contudo, é preciso que o cliente se atente aos custos referentes à corretagem na plataforma à qual o agente está vinculado; isso, sim, pode variar um pouco. 

Quando falamos sobre o trabalho dos agentes autônomos, algumas das principais questões que surgem são sobre possíveis conflitos de interesses ligados ao modelo de remuneração dos profissionais. Qual é a sua visão sobre isso?

Quase todas as profissões com venda de serviços são conflituosas, não só a do agente autônomo. Quando você vai ao médico, por exemplo, e ele te pede um remédio, não há como ter certeza se ele está ou não recebendo o comissionamento de um laboratório. Hoje, já é sabido que o assessor de investimentos recebe uma comissão sobre todos os produtos que vende e para sair desse conflito é muito simples: basta abrir a remuneração e oferecer transparência ao consumidor. Mas não só a AAI: temos que conhecer também quanto os bancos, as corretoras e as gestoras faturam com as operações. Não faz sentido abrir só a ponta do assessor, pois dessa forma o cliente só saberia quanto paga para um agente, mas continuaria sem ciência de quanto a cadeia inteira fatura com seus investimentos.

Como um agente autônomo deve proceder para colocar os interesses dos seus clientes em primeiro lugar?

O assessor deve ter sempre em mente que o maior ativo que possui é o cliente conquistado. Se ele não fornecer um serviço transparente, confortável e uma relação que passe confiança para esse consumidor, o ativo não se mantém. Além disso, com a concorrência que já citei, é muito fácil para que o investidor ou a própria plataforma peçam para mudar entre as assessorias. 

Entre os modelos de remuneração mais difundidos (rebate ou remuneração fixa), algum deles poderia eliminar ou minimizar esse conflito? Essa ação seria benéfica aos clientes?

Depende muito. Tanto a remuneração por rebate quanto o aconselhamento são indicados conforme a necessidade de cada cliente. Há investidores que não movimentam muito seu portfólio e, portanto, não precisam da assessoria com tanta frequência e se enquadram melhor em um modelo de pagamento pontual. Porém, acima de tudo, penso que o que é combinado não sai caro. A partir do momento em que é dado ao investidor o poder de decisão entre as formas de remuneração, acabamos com qualquer tipo de conflito. 

Os agentes autônomos têm diversos limites para sua atuação junto aos clientes. Nesse sentido, qual o valor que eles efetivamente entregam para os investidores? O que justifica sua contratação na comparação com o autosserviço ou com o atendimento direto pelas corretoras?

O primeiro ponto é que, com o assessor de investimentos, você terá um profissional que, entendendo o seu perfil, buscará sempre os melhores produtos da plataforma para alocar seus recursos. No autoatendimento, muitas vezes o cliente não tem tempo para fazer isso. Enquanto ele está trabalhando e lidando com suas outras ocupações, o mercado financeiro está em movimento. E o segundo ponto é a racionalidade. Geralmente, o brasileiro, por falta de conhecimento e por ter uma relação muito emocional com o dinheiro, acaba entrando em algumas furadas financeiras. Então, um profissional com racionalidade e conhecimento — lembrando que todo agente autônomo tem que ser habilitado pela Ancord e conhecer muito bem os produtos que oferece — certamente vai cuidar melhor da sua carteira. 

O sr. citou, em outra entrevista, que nos Estados Unidos, onde não é obrigatória a exclusividade entre corretoras e agentes autônomos, 90% do mercado preferem trabalhar com acordos de exclusividade. Já aqui, onde a regra é válida, há um movimento para que essa obrigatoriedade seja extinta. Por que isso acontece?

Esse é um dado que a própria CVM citou em um estudo sobre o impacto de acabar com a exclusividade entre AAIs e corretoras. O que eu disse na entrevista é que acredito que aqui no Brasil não vai ser tão diferente do que acontece nos Estados Unidos. Com o fim da exclusividade, acredito que a maioria dos profissionais acabarão optando por trabalhar apenas com uma plataforma por questões comerciais e também pela facilidade no dia a dia. A CVM deve se manifestar no final de março deste ano sobre o assunto e o parecer provavelmente será favorável ao fim da exclusividade também.

Qual é o posicionamento da ABAAI sobre essa questão?

Nós somos totalmente favoráveis ao fim dessa regra. A nossa posição é de que a exclusividade deveria ser apenas contratual, ou seja, o agente autônomo trabalha dessa maneira apenas se assim desejar, e não da forma regulatória como funciona hoje.

Outra pauta defendida pela ABAAI é uma mudança nas regras que regem as sociedades nos escritórios de investimentos. Como funciona a regra atual e quais os pleitos nesse sentido?

O modelo societário do agente autônomo é uma sociedade simples, ou seja, nem mesmo em caso de falecimentos os herdeiros podem assumir a empresa sem que tenham a certificação de AAIs. E esse é um modelo em que dificilmente conseguimos aumentar o valor dos escritórios. A possibilidade de incluirmos profissionais de outras áreas ou os chamados sócios capitalistas para investir nos escritórios é algo que defendemos na ABAAI. 

Quais seriam as vantagens para agentes e consumidores com a entrada de outros tipos de sócios, como fundos e bancos, nos escritórios?

Com a entrada de sócios capitalistas, o agente autônomo terá mais recursos para investir em tecnologia e compliance. Para o consumidor, o resultado será um escritório com uma infraestrutura e serviços melhores. Ou seja, todo mundo ganha. 

Com a queda nos juros e a popularização das plataformas digitais, muitos novos investidores estão indo para a renda variável. Os AAIs estão orientando essas pessoas sobre os riscos associados a esses investimentos e respeitando os perfis de investidor?

Com certeza. A ABAAI defende que os novos investidores sejam cada vez mais bem informados e produz até mesmo peças publicitárias que vão no sentido de auxiliar o cliente a entender, de fato, se aquele mercado é adequado ou não ao seu perfil. Somos super ativos nisso porque não adianta o cliente entrar no mercado financeiro, perder dinheiro, acabar pensando que aquele tipo de operação não é para ele e voltar para as aplicações mais simples.

Na sua opinião, em que medida os AAIs têm a responsabilidade de educar financeiramente seus clientes?

Total. Dificilmente uma pessoa acorda de manhã e decide tornar-se cliente de um escritório de investimentos. Se não tivermos o trabalho de ensiná-lo, mostrar quais são os produtos e os cenários, ele não verá a necessidade de um assessor de investimentos em sua vida. Ao meu ver, essa questão é fundamental até para a existência da profissão. O agente autônomo que não se preocupa em educar financeiramente seu cliente não é diferente de uma plataforma de autoatendimento ou de um robô advisor, por exemplo.

O mercado de investimentos está em um momento de grandes mudanças. Como ele irá se consolidar e qual será o futuro dos AAIs?

Antigamente era difícil convencer um investidor a sair de um produto bancário que rendia 12%, 13% ao ano e diversificar a carteira com um assessor. Hoje, porém, com a taxa de juros a 2% ao ano, é preciso diversificar para conseguir, no mínimo, empatar com a inflação. Então, na atualidade, a profissão ganhou mais visibilidade e, apesar de ainda estar engatinhando, vai crescer muito nos próximos anos. O cenário do nosso país, no qual cerca de 90% do dinheiro dos brasileiros ainda está nos bancos tradicionais, indica que há muito recurso para entrar nas plataformas e, consequentemente, para impulsionar o crescimento dos agentes autônomos.
 

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