1.800 entregas por dia

Favela Brasil Express entrega TVs, ventiladores, oportunidade e projeção para comunidades

Confira como funciona o dia a dia da startup que faz as encomendas de grandes e-commerces chegarem ao interior de Paraisópolis e outras seis comunidades do Brasil

A coleta de dados em campo e, posteriormente, a entrega de encomendas aos moradores, estão a cargo da Favela Brasil Xpress -
A coleta de dados em campo e, posteriormente, a entrega de encomendas aos moradores, estão a cargo da Favela Brasil Xpress -

“Está procurando favela? Aqui é Paraisópolis, filho”. A resposta à minha pergunta mal formulada (acompanhada de um olhar de estranhamento), dada por uma senhora que vende bolo e café em uma barraquinha em frente ao posto de saúde de uma das maiores comunidades de baixa renda do Brasil, tirou risadas de nós dois.

Eu não procurava a favela de Paraisópolis. Até porque, não precisa procurar. Vindo pelo Morumbi, ela surge de repente e inconfundível, com suas casas e comércios construídos de forma adaptada gerando enorme contraste visual com as mansões dos bairros abastados poucos quarteirões à frente. Eu não procurava a favela, mas a “Favela Brasil Xpress”, startup de serviço de entrega de mercadorias que nasceu no coração de Paraisópolis, voltado para quem mora lá.

Com a ajuda de uma funcionária do posto de saúde, encontrei o caminho. Meu destino estava 800 metros Paraisópolis adentro, percurso que fiz a pé, mas que na maioria dos bairros de São Paulo o motorista de aplicativo que me pegou na estação do Metrô teria percorrido normalmente. Lá, não é assim. Para entrar ou sair de Paraisópolis, os apps de transporte normalmente dão opções como se fossem “pontos de encontro”, fora dos limites da comunidade. Dali para dentro, cada um que dê o seu jeito, seja de ônibus ou caminhando, como eu fiz.

Mas o que essa historinha tem a ver com a “Favela Brasil Xpress”? 

Até o surgimento da startup, em abril do ano passado, quem morasse em Paraisópolis e quisesse comprar online tinha que dar seu jeito para receber a encomenda; isso porque os caminhões de empresas transportadoras ligadas aos grandes e-commerces do país, como Amazon (AMZO34), Americanas (AMER3) e Casas Bahia (parte do grupo Via – VIIA3), não chegavam à porta dos clientes. “Tinha que dar o endereço de outra pessoa ou de onde eu trabalhava. Eu ficava preocupada de incomodar as pessoas e nunca sabia quando os produtos iam chegar”, conta Bruna Tomaz, 35, auxiliar administrativa e moradora de Paraisópolis. Segundo ela, o transtorno era ainda pior quando a encomenda era um pouco maior, como uma TV. “Compras assim eu nem arriscava, porque ia ser mais difícil ainda de eu conseguir pegar”, conta. O jeito, disse, era recorrer a meios “tradicionais”: ir à loja, comprar e levar para casa na hora. 

Agora, a Bruna pode pedir uma TV, que vai chegar. Ela e os outros mais de 100 mil habitantes do bairro, que tem porte de cidade, além de moradores de outras seis comunidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Com entregas de segunda a sábado, o Favela Brasil Xpress leva até a porta dessas pessoas — seja em ruas estreitas ou vielas de difícil acesso, que são comuns em Paraisópolis — não só televisores, mas notebooks, air fryers, produtos de decoração e, talvez por influência dos dias de intenso calor em São Paulo, muitos ventiladores. 

E não são poucas entregas: em um dia, segundo a startup, o volume de pacotes pode chegar a 800, número que chegou a 5 mil na última black friday, em novembro de 2021, um verdadeiro desafio para a logística.  “A gente carregava carro, chegava caminhão, descarregava caminhão e chegava carro para carregar. Só da Americanas foram uns três caminhões”, conta Graziele. 

Segundo projeções da equipe, até abril de 2022, quando a Favela Brasil Xpress faz um ano, a startup terá entregue mais de meio milhão de pacotes entregues.

Para chegar (e ultrapassar) a essa meta, o trabalho no dia a dia é intenso.

Organização começa cedo

Às 6h a coordenadora Graziele Santos já está organizando as “bases”, como são chamados os locais onde ficam os pacotes que, dali, vão para os endereços dos clientes. É nesse horário também que os caminhões das transportadoras começam a chegar. “O da Total, se passar das 6h30 e não tiver chegado eu já estou ligando”, conta ela bem-humorada. A coordenadora se refere ao caminhão da Total Express, transportadora que presta serviço para grandes e-commerces, como a Amazon. Ao todo, Paraisópolis conta com duas bases: uma delas atendendo a Total e outras empresas e outra específica para a Casas Bahia, devido ao alto volume de pedidos. 

Graziele é a responsável por organizar a equipe, que tem como objetivo separar com agilidade os pedidos de acordo com as rotas de entrega. Apesar de carros terem maior capacidade de carga, a empresa também trabalha com motos e triciclos adaptados (espécie de moto com duas rodas e baú na parte de trás) para rotas que têm ruas mais estreitas. 

Digitalização para maior agilidade

Além do trabalho realizado pela equipe de logística, um aplicativo também é utilizado para formar uma rota inteligente que garanta que o trabalho de entrega seja realizado com eficiência. É ele que guia Suelen e Paulo Gomes, casal que começou a fazer entregas como temporários na black friday e depois foi “efetivado” em uma das rotas. 

Todos os dias, Paulo baixa o banco traseiro do seu Chevrolet Celta, liberando espaço para acomodar cuidadosamente os pacotes. Hoje, eles pegaram “apenas” 40 pacotes para entregar, mas contam que a média de entregas diária é acima de 100. “A gente faz umas 50, 60 paradas e em alguns endereços já conseguimos deixar cinco, seis pacotes de uma vez, o que dá entre 100 e 120 por dia”, explica Paulo. A organização no carro segue uma ordem inteligente, para que não seja necessário ficar procurando na hora de entregar. E, por irem em dois no carro, enquanto Paulo dirige Suelen desce para entregar os pacotes nas casas. Assim, conseguem cumprir a agenda com agilidade. “Como a gente tem uma rota fixa e moramos na região, já conhecemos muitos clientes e sabemos onde ficam as casas, o que agiliza”, conta Suelen.

Segundo o casal, um dia de trabalho “mais tranquilo”, como o de hoje, pode ser finalizado até por volta das 11h. Em dias mais atribulados, é normal que o casal fique na rua até 16h. Segundo Paulo, essa possibilidade de acabar o trabalho cedo ainda dá a algumas pessoas que precisam a oportunidade de obter outras fontes de renda no mesmo dia. “Tem gente que faz as entregas e ainda aproveita para fazer Uber fora”, explica. 

Mas não é o caso de Suelen e Paulo, que preferem aproveitar o tempo para cuidar das filhas pequenas e descansar, afinal, no outro dia tem mais. Nem mesmo os aumentos constantes nos combustíveis fez com que as entregas deixassem de valer a pena. “Coloco R$ 50 de álcool e, com essa quantidade, rodo dois dias nessa rota. Tirando entre R$ 250 e R$ 300 por dia ainda vale a pena”, afirma Paulo, que tem como objetivo trocar o Celta por uma Fiorino, picape que conta com baú traseiro e permitirá aumentar a capacidade de entrega que o casal consegue fazer diariamente.

Segundo a coordenadora do Favela Brasil Xpress, Graziele, há uma grande procura para a posição de novos entregadores. “Muita gente mandando no WhatsApp e a gente está avaliando, entrevistando”, conta. A entrada de novos motoristas ou motoboys depende, claro, do aumento da demanda. Porém, a evolução do negócio até agora mostra que há terreno para um grande crescimento da startup.

Confira no gráfico abaixo os números e metas da Favela Brasil Xpress

Favela Brasil Xpress além dos números

Os números e projeções dão conta de que a Favela Brasil Xpress é aquilo que todo investidor procura em uma startup de sucesso: uma ideia simples, que resolve um problema complexo, tem escalabilidade e ainda muita possibilidade de crescimento, por trabalhar com um “nicho” pouco explorado. Em entrevista à SpaceMoney, Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas (bloco econômico composto pelas dez maiores comunidades do Brasil), falou sobre o potencial econômico e empreendedor das favelas. Clique aqui e confira! 

Porém, ouvindo histórias como as acima, percebe-se que o sucesso do projeto da Favela Brasil Xpress vai além dos números. Para quem é de Paraisópolis e das outras favelas onde a startup está ou estará, essa não é apenas mais uma empresa. “Muito mais além de entregar pacotes e produtos, o nosso papel é levar dignidade e transformação na vida dos moradores”, afirma Givanildo "Giva" Pereira, empreendedor responsável pela criação da Favela Brasil Xpress. Com certeza, muitas outras Grazieles, Suelens, Paulos e Brunas concordam com ele.
 

Sair da versão mobile