Dia da Consciência Negra

País precisa criar mecanismo para tirar população negra do modo sobrevivência, diz Jandaraci Araújo

Para cofundadora do "Conselheira 101", cenário exige comprometimento do setor público, privado e muito debate, que vai além do planejamento financeiro e atinge em cheio a questão do racismo estrutural

Jandaraci Araújo, cofundadora Conselheira 101 -
Jandaraci Araújo, cofundadora Conselheira 101 -

No momento em que a educação financeira é tema cada vez mais discutido e o número total de investidores pessoas físicas na B3, a bolsa brasileira, cresceu 43% no primeiro semestre deste ano, a maioria da população negra está de fora desse movimento por ainda viver em ‘modo sobrevivência’.

É isso o que afirma Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheira 101, programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração. 

“De forma geral, a população negra foi alijada deste momento em que se começa a debater mais formas de poupar e lidar melhor com o dinheiro porque muitos estavam em modo sobrevivência. E é importante deixar claro que isso acontece por conta de um contexto e não por decisão dos negros”, diz.

Jandaraci foi subsecretária de Empreendedorismo, Pequenas e Médias Empresas do Estado de São Paulo e diretora-executiva do Banco do Povo e tem seu dia preenchido por números, finanças e inovação. 

Por experiência própria, sabe que conhecimento e planejamento representam uma estrada mais rápida para a independência financeira e autonomia. Mas reconhece que essa não é a realidade de boa parte dos negros no Brasil, que ainda está longe de trilhar esse caminho. 

“As pessoas negras têm as mesmas oportunidades de renda? Não. E essa é uma questão estrutural. E se o dinheiro vai todo para subsistência, não tem como poupar. A pessoa só pode pensar em poupar ou investir quando todas as necessidades básicas são supridas”, pontua. 

Por isso, segundo ela, é importante falar de educação e planejamento financeiro com essa população, até como forma de combater o racismo. Mas, antes, é preciso garantir que eles tenham condições financeiras para poupar.

Jandaraci afirma que este cenário exige comprometimento do setor público, privado e muito debate, que vai além do planejamento financeiro e atinge em cheio a questão do racismo estrutural.

História

Mulher preta e nordestina, Jandaraci é caçula de seis irmãos. Chegou a consertar eixo de caminhão, teve uma pequena serralheria, mas foi quando vendia salgados nos trens do Rio de Janeiro que a vida lhe apresentou uma oportunidade importante. 

“Um professor que sempre comprava comigo um dia perguntou sobre minha história e conversamos. No dia seguinte, ele me deu seu cartão e pediu que procurasse uma de suas gerentes. Cinco dias depois, comecei a trabalhar em uma das maiores redes do varejo e, depois, fui transferida para São Paulo, em 2003", conta.

Mas, ao falar sobre sua própria trajetória, faz questão de frisar que ela não é exemplo para justificar meritocracia. “Cada um tem uma jornada diferente e eu tenho muito orgulho da minha trajetória. Mas, de forma geral, o sistema foi feito para nos excluir”.

E é para fazer frente a este sistema que Jandaraci afirma que é preciso combater o racismo estrutural e garantir mecanismos de geração de renda e mobilidade social para a população negra. Uma ferramenta importante, segundo ela, é o empreendedorismo.

Estrutura para empreender

Jandaraci lembra que, tradicionalmente, os negros sempre foram empreendedores. “As mulheres quituteiras, as baianas do acarajé, as costureiras. Todas gerando renda para si e para outras famílias”, exemplifica

Embora considere o empreendedorismo como alternativa para muitas famílias avançarem e crescerem socioeconomicamente, afirma que, para isso acontecer de forma efetiva e atingir o maior número de pessoas, é preciso estruturar diversas ações para ajudá-las.

“Acesso a crédito é fundamental, mas também informações sobre acesso a investidores e capacitações. Capacitá-los em relação à gestão de fluxo de caixa, precificação, organização de documentação”, enumera.

Pode parecer burocrático, admite Jandaraci, mas são ações fundamentais para garantir um negócio sólido.

“Hoje, são os micro e pequenos empreendedores que geram mais empregos no país. Quando você compra no mercadinho do bairro, você ajuda a geração de renda de uma rede, aquecendo a economia. E essa é a beleza: um ajuda o outro, que ajuda o outro, que ajuda o outro. Quando você ajuda um pequeno negócio, cria um ciclo virtuoso para todo país”.

Carreira formal

Apesar de encarar o empreendedorismo como uma arma importante para garantir renda, maior igualdade e ascensão para a população negra, Jandaraci afirma que nem todos têm perfil para empreender e é importante que essa luta também aconteça em outras frentes.

“Precisamos falar de igualdade salarial, pessoas negras no mercado formal, nas empresas, de jovens negros como trainees para conseguirem mudar uma estrutura familiar e também acessarem postos de tomada de decisão nas instituições”.

E, além de tudo isso, conforme ela, é preciso alimentar e garantir a vida dos meninos e meninas negros. 

Seja por convicção ou conveniência, Jandaraci acredita que a sociedade está no caminho certo, debatendo e encarando o problema de frente. Mas ainda é preciso lembrar que existe uma questão estrutural que é colocada à população negra, que limita o acesso a oportunidades e complica toda a situação, tornando o caminho ainda longo.

“Por isso, é urgente trabalharmos em várias frentes como políticas públicas para afroempreendedores, programas que garantam negros em postos de decisão nas empresas, além de garantia de alimentação, educação e um olhar especial às mulheres, muitas chefes de família. Só assim, é possível falar em oportunidades mais iguais de crescimento econômico para todos”.

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