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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

Governo sem rumo, país sem futuro

Sem programa, sem prioridades e sem agenda, o governo se move pela vontade ou pelo interesse pessoal e eleitoral do Presidente da República

30 setembro 2020 - 13h56
Governo sem rumo, país sem futuro

“O governo de Jair Bolsonaro empenha-se mais em políticas de controle social do que na construção de um país moderno, que priorize o desenvolvimento em todas as suas vertentes. Falta uma linha de ação sólida e coerente, que equilibre o liberalismo de Paulo Guedes com a responsabilidade histórica e premente de reparar séculos de desigualdades e injustiças.” 


Definitivamente, o atual Presidente da República e sua equipe não têm um programa de governo. Nunca tiveram. Bolsonaro não o apresentou durante a campanha eleitoral e sequer o esboçou ou o mencionou em seus rotineiros pronunciamentos, seja em reuniões do ministério, em suas andanças pelo país, ou nos encontros com sua claque no cercadinho do Planalto. Quando muito, pode se falar numa pauta, ou seja, uma desconexa e instável lista de intenções, a maior parte delas focada em questões de costumes e de moral.

Sem programa, sem prioridades e sem agenda, o governo se move pela vontade ou pelo interesse pessoal e político-eleitoral do Presidente da República. Não há coordenação entre os ministérios. Convivem na Esplanada convictos liberais e fanáticos estatizantes, austeros fiscalistas e alegres monetaristas, economistas ortodoxos e gerentes heterodoxos, assessores moderados e asseclas radicais, todos eles à mercê de um ser político indefinível e indecifrável. A não ser a notória predileção pela nomeação de colegas de caserna e o apego aos amigos da família, não se conhece uma única ideia de Jair Bolsonaro que vá ao encontro da boa gestão e do interesse público.

O dono do Posto Ipiranga

Temos, no Ministério da Economia, um liberal de carteirinha, com passagens por Chicago e pela Faria Lima. Começou falando grosso. Que se cuidassem os eternos “mamadores nas tetas” do Estado; que se acautelassem os preguiçosos e incompetentes do serviço público; e que tomassem juízo os políticos irresponsáveis criadores de despesas. Não a novos impostos; sim aos cortes de gastos e ao respeito ao Orçamento. Zerar o déficit primário no primeiro ano, e, principalmente, as celebradas e inadiáveis reformas.

Paulo Guedes e a maioria do eleitorado acreditaram na estória do Posto Ipiranga. JB também. Deixaria alguém cuidando da lojinha e sairia por aí, fagueiro, destruindo o meio ambiente, perseguindo os diferentes, armando os aliados, colocando em seu devido lugar a Arte e a Ciência, contando umas mentirinhas na ONU, bajulando Trump e recebendo aplausos e ovações. Um “Mito”. Apenas esperando 2022 e, antes ou depois, uma oportunidade para chutar o pau da barraca, derrubando juntas a democracia e a Constituição cidadã. 

Não funcionou. Logo se descobriu que é o movimento da lojinha que paga todas as contas. E que, conforme diziam nossos avós, é o olho do dono que engorda o gado. O gerente, por melhor ou pior que seja, não pode deixar de ouvir e obedecer à opinião e à vontade do dono. Mesmo que o dono não entenda nada do ramo, o que é, infelizmente, o caso. 

Inoperância crônica

Há neste governo, desde seu início, uma gritante dificuldade em formular as políticas mais importantes e transformá-las em projetos de lei. O primeiro sinal veio na Previdência. O governo atrasou o quanto pôde o envio de sua reforma ao Congresso e só o fez quando o Congresso ameaçou votar e aprovar a dele. Ainda assim, uma reforma bastante aquém da pretendida por Guedes, uma vez que o chefe, entre outras matreirices, mandou excluir os colegas de farda e não se empenhou nem um pouco em aprovar o próprio projeto. Sem Rodrigo Maia, a reforma não sairia.

Repetiu-se o enredo na definição e apresentação, pelo governo, das reformas tributária e administrativa. Tanto demoraram em serem encaminhadas, e tão tímidas se mostraram, que já não há mais ninguém interessado — Executivo, Legislativo, Mercado e Empresas em batalhar pela aprovação nos quarenta e poucos dias que faltam para o início das campanhas municipais. De novo, JB atuou para minimizar o alcance e eficácia das novas medidas. De um lado, não se entende com sua equipe sobre a criação de um novo imposto. De outro, aliviou qualquer encargo que tivesse que ser suportado pelos atuais servidores públicos. Mesmo os mais escandalosos, como a promoção por tempo de serviço.

Mas a maior lambança ainda está por vir. Depois de confirmar, abjurar, negacear e retomar a discussão sobre o programa substituto, complementar ou alternativo ao Bolsa Família, o governo inventou uma “solução” prá lá de perigosa. Perigosa para o país e para JB. Usar recursos dos precatórios e do FUNDEB, recém-aprovado, para financiar esse programa está mais próximo de uma “pedalada” do que os empréstimos que Dona Dilma pegou de bancos públicos para o Tesouro e que lhe custaram o mandato. Sorte desse governo é que nada disso passará no Congresso. Em compensação, de forma negativa, ficarão paralisadas as discussões e votações das demais medidas (inclusive as reformas) que poderiam dar alento à Economia para os anos seguintes.

Incertezas até 2022

Por enquanto, JB está tranquilo. Quarenta por cento de aprovação são suficientes não apenas para levá-lo ao segundo turno em 2022: mantido esse patamar, ele será reeleito. 

O problema é que outubro de 2022 está longe. Até lá, alguns vão se dar conta de que suas vidas não melhoram por conta de poder ter uma arma, de seu filho não correr risco de se tornar gay, do achaque nas licitações ter baixado de 10% para 2% e do caixa dois agora comprar apartamentos, em dinheiro vivo, na Pavuna, e não mais no Guarujá. 

Estão, ainda, à espreita as “rachadinhas”, os cheques do Fabrício Queiroz, as fake news, a pressão da Europa, uma eventual derrota de Trump e a proximidade das milícias. Tudo isso desaparece se a lojinha começar a funcionar e dar lucros. JB vai precisar mais de juízo do que de sorte. Já o Brasil, de muita, mas muita sorte.

A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.

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