Por Gustavo Gusmão*
Assim como no transporte de cargas, é consenso entre todos que o Brasil deveria investir mais no modal ferroviário de passageiros sobre trilhos.
Asfixiados pela política rodoviarista adotada pelo país a partir de meados do século passado, os trens de passageiros, essenciais para o transporte de pessoas e integração do território nacional desde os tempos do Império, foram gradativamente reduzidos, até serem praticamente extintos.
Hoje em dia, afora os sistemas urbanos e metropolitanos de transporte ferroviário, apenas uma linha regular de passageiros está em operação no país, ligando Vitória a Minas Gerais e que é mantida pela Vale (VALE3).
Há também algumas iniciativas pontuais de trens turísticos circulando em estados como São Paulo, Paraná e Minas Gerais.
É muito pouco para um país de dimensões continentais como o Brasil e com grandes centros urbanos importantes distantes centenas ou até milhares de quilômetros uns dos outros, obrigando as pessoas a se deslocar pelas estradas ou por via aérea.
Essa situação, porém, pode estar prestes a mudar para melhor.
Após décadas de discussões sobre o tema e sem grandes resultados práticos, o governo federal lançou, em dezembro do ano passado, uma consulta pública para fomentar o transporte ferroviário de passageiros no Brasil.
Não se trata de uma iniciativa simplória para “imitar” países desenvolvidos. O país se enquadra inquestionavelmente no perfil territorial para dispor de infraestrutura de transporte ferroviário de passageiros.
O objetivo da consulta é receber e analisar propostas dos mais diversos setores da sociedade civil para a construção de uma política nacional de transportes focada no desenvolvimento sustentável do transporte de passageiros, que prevê, entre outros pontos: criação de políticas públicas para desenvolvimento do setor; otimização da infraestrutura ferroviária existente e ampliação da malha; contribuir para a integração regional e nacional; e promover a integração intermodal e intramodal do transporte de passageiros no país.
A consulta pública deve resultar em um documento consolidado para a criação da nova Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros (PNTFP).
A expectativa do governo é a elaboração de um Projeto de Lei com as diretrizes do programa ferroviário nacional a ser enviado e aprovado pelo Congresso Nacional até o fim do ano.
Caso as projeções se concretizem, a nova PNTFP pode dar o mesmo impulso transformador que o Marco Legal do Saneamento deu ao setor de saneamento básico.
Dados da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) mostram o potencial do setor ferroviário, que pode gerar cerca de 65 mil empregos diretos e indiretos a cada mil quilômetros de ferrovias devidamente explorados e em funcionamento.
Em relação aos investimentos, apenas a construção de um ramal ligando São Paulo (SP) a Campinas (SP), de cerca de cem quilômetros de extensão, pode representar R$ 8 bilhões em investimentos.
Um dos pontos mais importantes do futuro programa é o incentivo aos investimentos privados para o desenvolvimento do transporte nacional de passageiros. Trata-se de uma medida extremamente importante para que os projetos ferroviários saiam do papel.
Experiências de parcerias público-privadas (PPPs) e concessões bem-sucedidas já são amplamente verificadas pelo país no setor de transportes, como são os casos das rodovias e aeroportos.
Planejar e executar uma Política Nacional de Transporte Ferroviário de Passageiros requer disciplina, resiliência e visão de longo prazo. Apesar da complexidade, é um desafio que precisa ser enfrentado e vencido.
Assim como no saneamento, não há mais tempo a perder. Que o país entre novamente nos trilhos, o mais rápido possível.
*Gustavo Gusmão, diretor-executivo da EY para o setor de Governo e Infraestrutura.