A Procuradoria Federal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinou que a corretora XP Investimentos se explique nos próximos dez dias a respeito de denúncias de que a instituição estaria desrespeitando o Acordo em Controle de Associações (ACC) que autorizou a associação com o Itaú Unibanco. Entre as denúncias, está a de tentar impedir agentes autônomos de mudar de corretora, feita pelo concorrente BTG Pactual e um grupo de corretoras e agentes. A denúncia do grupo foi acompanhada por outra, do “trustee”, empresa responsável por fiscalizar a atuação da XP no cumprimento do acordo com o Cade, também relacionada com os agentes autônomos.
Disputa pelos agentes e investidores
A denúncia faz parte de uma disputa mais ampla entre a XP e outras plataformas de investimentos em torno da exclusividade dos escritórios de agentes autônomos, profissionais que atendem os investidores e apresentam as opções de investimentos, mas que não são empregados das corretoras. Esses profissionais, muitos ex-gerentes de bancos, são hoje grandes captadores de clientes para essas instituições, trabalhando sozinhos ou em escritórios. A XP foi pioneira no Brasil em atrair agentes autônomos e usá-los para dar cursos e conquistar investidores, usando o exemplo de grandes corretoras americanas, como Charles Schwab e Fidelity. E foi um dos motivos que a tornaram a maior do mercado, concorrendo com grandes bancos na distribuição de investimentos.
Para isso, a XP desenvolveu contratos para impedir conflitos trabalhistas que antes limitavam o uso dos agentes e acabou por incentivar o mercado desses profissionais, que passou de 2.300 agentes em 2014 para os atuais 4.814. Desse total, 80%, ou 3.884 agentes são ligados à XP. A regulamentação da atividade pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que passou a exigir que o agente só possa ser associado a uma corretora e definiu punições para abusos e conflitos de interessses, também ajudou a ampliar o número de profissionais, que chegam a reunir em alguns escritórios bilhões de reais de investimentos de clientes.
A CVM exige que o agente autônomo que distribui ativos mobiliários, como ações, debêntures e títulos de empresas negociados no mercado seja vinculado a uma só corretora, que vai fiscalizar sua atuação e responder por eventuais irregularidades. Já para oferecer outros produtos que não são do mercado de capitais, como CDBs de bancos ou fundos, não há essa exclusividade e o agente poderia trabalhar para várias corretoras.
Cade levantou questão da exclusividade
Mas, agora, os concorrentes da XP querem ter acesso também a esses profissionais, e oferecem vantagens que vão desde serviços e mais opções de produtos para oferecer aos clientes até o pagamento de “luvas” pela migração, que depende, sempre, do aval do cliente. A questão da exclusividade dos agentes autônomos foi um dos pontos levantados pelo Cade para aprovar o negócio com o Itaú Unibanco, e o regulador deixou claro que a XP não poderia tentar impedir a saída dos profissionais.
A disputa se tornou mais acirrada em dezembro, quando a XP entrou na Justiça para impedir que o BTG Pactual procurasse seus escritórios de agentes autônomos. A ação ocorreu depois que o BTG tentou fechar um acordo com o escritório ONE, que tinha exclusividade com a XP, mas iria fechar um acordo de não exclusividade com o concorrente. A XP exigiu o cumprimento da exclusividade e, depois, rescindiu o contrato com o ONE, sem dar os 60 dias de prazo, alegando que o escritório havia quebrado o contrato.
Depois, a XP entrou na Justiça e conseguiu uma liminar que impede o BTG de negociar com os escritórios. A XP acusa o BTG de estar aliciando seus agentes autônomos e pagando “luvas” como espécie de “suborno” para que façam os clientes mudarem de corretora. Alega também que o BTG estaria quebrando sigilo dos clientes ao pedir informações ao negociar com os agentes.
Informações privilegiadas
Entre as acusações, a XP diz também que o BTG teria usado informações privilegiadas obtidas pela área de investimentos do banco quando este estava organizando a abertura de capital (IPO) da corretora, passando então a montar uma estratégia de agentes autônomos que não teria em sua plataforma de investimentos. A XP acabou desistindo do IPO após o Itaú Unibanco fazer uma oferta de R$ 5 bilhões por 49,9% do capital da XP. Já o BTG afirma que seu projeto de agentes autônomos saiu meses antes de a XP apresentar sua proposta de abertura de capital para os bancos.
BC acompanha a disputa
O assunto chegou ao Banco Central (BC), que questionou a XP sobre os procedimentos com os agentes. No início de fevereiro, a XP respondeu ao BC que, além de estimular a quebra dos contratos dos agentes, o BTG imporia aos escritórios durante a negociação a exigência de franquear o acesso à base de dados dos clientes, dando acesso a dados cobertos pelo sigilo bancário, incluindo dados de correspondência. Já o BTG nega as acusações. Diz que as informações que pede dos escritórios são gerais, do total de clientes, de ativos e perfil de investidor, nunca de maneira individual. E acusa a XP de tentar manter a concentração de mercado, ameaçando os agentes autônomos que pensam em sair com processos judiciais.
XP tem 80% dos agentes autônomos
Hoje, segundo dados da Associação Nacional das Corretoras (Ancord), a XP possui 555 escritórios com 3.885 agentes autônomos, ou 80% do total de 4.814 agentes que atuam no mercado. Uma concentração superior à dos grandes bancos de varejo, que possuem parcelas de mercado em torno de 30%. Em sua resposta ao BC, a XP alega que vem perdendo mercado, dando dados de crescimento dos concorrentes no segundo semestre do ano passado. A corretora com mais agentes depois da XP é a Guide, com 79 escritórios e 167 agentes. O BTG, que já atuava com agentes autônomos para distribuir fundos geridos por sua asset, possui 8 escritórios e 85 agentes.
Expulsão dos agentes infiéis
Na reclamação ao Cade, o BTG acusa a XP de adoção de “atos com o claro objetivo de impedir que AAIs migrem para outras plataformas e prejudicando o desenvolvimento dos concorrentes”. Segundo o processo, a “estratégia da XP se iniciou com práticas contratuais que visavam a incentivar a exclusividade entre XP e AAI e evoluiu para a expulsão de AAIs que negociem com concorrentes, chegando por fim a ações judiciais contra os próprios AAIs e contra o BTG Pactual na tentativa de criar mecanismos de efetiva ameaça para aqueles que pensarem em simplesmente negociar com outras plataformas”.
A estratégia, segundo a acusação, estaria baseada em (i) mecanismos e cláusulas contratuais para desincentivar a negociação com concorrentes e a migração para outras plataformas; (ii) criação de um ambiente de ameaças e retaliações contra quaisquer AAIs que se atrevam a negociar com concorrentes, e (iii) ações judiciais infundadas para causar danos de imagem e Impedir a migração de AAIs para concorrentes.
Assim, o BTG pede ao Cade a aplicação da pena prevista na cláusula 5.1 do Acordo de Concentração (ACC), eventual revisão da decisão de aprovação do ato de concentração, nos termos do artigo 91 da Lei n° 12.529/11, bem como a abertura de inquérito administrativo para apurar infrações à ordem econômica cometidas pela XP, nos termos dos arts. 36 e 66 da Lei n° 12.529/11″.
Cláusulas abusivas
Entre os argumentos do BTG, está o de que a XP estaria usando “um aditivo contratual, simultaneamente ao oferecimento do mútuo, com cláusulas exigindo que o AAI comunicasse à XP qualquer “pretensão” ou “intenção” de se vincular a concorrentes da XP – naturalmente em desacordo com eventuais cláusulas de confidencialidade firmadas pelo AAI com tais concorrentes”.
Essa pretensão, diz o BTG, por si só, já daria à XP o direito de entrar em contato com os clientes conectados com o agente para informá-los da pretensão de migração do agente e da opção de continuarem vinculados à XP.
As cláusulas do aditivo incluiriam ainda previsão que permitiria à XP, mediante qualquer pretensão do agente autônomo de se vincular a plataforma concorrente, rescindir o acesso a seus sistemas eletrônicos e se recusar a atender ordens de clientes, sem nenhum direito de contraditório por parte do agente, impedindo, assim, que eles possam exercer regularmente suas atividades pelo simples fato de cogitarem uma migração de plataforma.
Restrições mesmo sem exclusividade
O BTG cita ainda a rescisão de contratos pela XP com agentes autônomos quando negociavam com o concorrente produtos não sujeitos a exclusividade regulatória. E cita ainda uma ação na Justiça tentando impedir que a migração do agente para o BTG fosse efetiva, no sentido de levar os clientes deste agente para a nova plataforma.
O banco cita também a ação movida pela XP na Justiça de São Paulo requerendo medida liminar para impedir o BTG Pactual de, “por qualquer meio”, “abordar os agentes vinculados à XP, o que demonstraria “clara intenção anticompetitiva”.
Cade diz que não pode haver exigência de exclusividade
Em sua nota, a Procuradoria do Cade cita trechos do acordo fechado pela XP na negociação com o Itaú Unibanco. Entre elas, está a 2.3.1, que diz que a XP Investimentos “se compromete a não exigir exclusividade no relacionamento com os agentes autônomos de investimento com quem mantém ou venha a manter relação comercial, exceto conforme previsto em regulamentação aplicável, em especial pela Instrução da Comissão de Valores Mobiliários no 497 de 3 de junho de 2011, e alterações posteriores”. Isso porque a CVM exige que o agente autônomo que distribui ativos mobiliários, como ações, debêntures e títulos de empresas negociados no mercado sejam vinculados a uma só corretora, que vai fiscalizar sua atuação e responder por eventuais irregularidades. Já para oferecer outros produtos, como CDBs de bancos ou fundos, não há essa exclusividade e o agente poderia trabalhar para várias corretoras.
O acordo prevê também que a XP Investimentos se compromete ainda a não criar condições e/ou incentivos para que um agente mantenha exclusividade de fato com a corretora. E se compromete a não exigir dos agentes tempo mínimo de permanência e a não fazer uso de programas de incentivos/descontos não lineares que inviabilizem a saída de um determinado agente.
O Cade destaca ainda que a XP não pode exigir ou contratar com tais agentes obrigação de exclusividade, exceto conforme previsto em regulamentação aplicável, em especial pela Instrução da CVM.
Por fim, o Cade alerta que o descumprimento dessas cláusulas podem levar a multas e punições.
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