O espetáculo Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindos do Mar estreia em Brasília na próxima semana, percorrendo emoções dos seres humanos. Tendo como base 14 cenas escritas pelo dramaturgo romeno Matéi Visniec em momentos distintos, a montagem, dirigida por Rodrigo Spina, se propõe a trazer à tona temas que subjazem o texto original e que podem ser percebidos no Brasil de hoje, como o conceito de pátria, a automação da sociedade, os direitos humanos e o pesar.
“Ele [Visniec] é romeno, só que já foram feitas muitas montagens [adaptadas de seus textos], e a maneira como fala das coisas é muito parecido com o Brasil. É um diálogo muito aproximado”, diz o diretor. “Na nossa peça há, em uma das cenas, uma mãe tentando atravessar a fronteira com seu filho. Ela se depara com uma sentinela, que é uma máquina, que não consegue reconhecer seu discurso. A mãe fala que ela é livre como o vento e a neve e indaga: ‘Então, que direito você tem de me barrar?’. A máquina quer o documento válido para deixá-la passar. Há o máximo da liberdade, a natureza, e a máquina, criada pelo homem. Ele [Visniec] brinca muito com isso.”
Spina conta que voltou sua atenção às criações de Visniec por acaso, quando buscava, em um esforço conjunto de membros da companhia Os Barulhentos, ventilar ideias que trouxessem uma nova inspiração. Nascido na Romênia em 1956, desde criança, Visniec se dedicou a escritos, tendo apreço por autores como Franz Kafka, Edgar Allan Poe e Fiódor Dostoiévski. Depois de ter obras censuradas nos palcos – embora continuassem presentes nos círculos literários – o dramaturgo, em 1987, teve seu pedido por asilo político aceito pelo governo da França, onde encena diversas peças de sua autoria e vive até hoje.
“A gente [eu e Visniec] já se conheceu pessoalmente. Ele é muito carinhoso e disse: ‘Obrigado por dizer as minhas palavras'”, comenta Spina. “Começou com [a comédia] Muito Barulho por Nada e a gente foi atrás de um segundo texto para montar a peça. Queria algo mais contemporâneo, inédito no país, e descobri a obra dele numa livraria. Li alguns textos e fiquei fascinado. Na época, ia montar A mulher-alvo e seus dez amantes. Me deparei também com a coletânea Cuidado com as velhinhas carentes e solitárias e, quando levei para o grupo, decidimos, na hora, mudar, por ser mais plural o alcance. As discussões, as cenas sobre relacionamento a dois. Tem uma cena em que soldados discutem querendo voltar para a pátria depois da guerra. Há questões da macropolítica e do microssocial, da relação entre as pessoas. É mais interessante.”
Segundo Spina, a companhia alinhava toda a estrutura da peça em torno do que chama de realismo deslocado, adotando recursos cenográficos, cromáticos e de figurino que realçam sentimentos como a consternação e o vazio, uma das marcas da peça, vencedora do prêmio Melhor Espetáculo 2015 pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). “O cenário da peça é real. Você tem uma cena de garçonete no balcão e tem um liquidificador, uma cama de casal. Só que queria que tudo gerasse um certo estranhamento. Então, a gente fez tudo em cinza. No cinema, você [enquanto espectador] nota que há um filtro na câmera. No teatro, você duvida da sua visão”, pontua o diretor, formado em audiovisual.
Responsável também pela sonoplastia, em parceria com Maria Claudia Mesquita, Spina credita aos efeitos sonoros grande importância quanto ao influxo emocional que a peça visa transmitir. “A gente fez uma pesquisa de algo as músicas são de tribos africanas, músicas americanas dos anos 1950. Tirando a Dream a Little Dream of Me, que a gente usa em uma cena com soldados, elas são de qualquer lugar. A gente quis buscar uma universalidade.”
A peça, que teve a estreia em 2015, após um ano de processo de criação, já teve temporadas em São Paulo – interior e capital -, Rio de Janeiro e Curitiba. A partir de 2016, após uma apresentação em Campinas, a companhia Os Barulhentos decidiu incorporar um serviço de audiodescrição, oferecendo, desde então, acesso às pessoas com deficiência visual.
Serviço
Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindos do Mar
Data: 24 a 27 de janeiro
Horário: Quinta-feira a sábado, às 20h, e domingo, às 19h
Local: Caixa Cultural – Teatro da Caixa (SBS Quadra 4 – Lotes 3/4 – Asa Sul)
Duração: 110 minutos
Classificação: 14 anos
Capacidade: 406 lugares (8 para cadeirantes)
Acesso para pessoas com deficiência e assentos especiais
*A sessão de sábado (26) contará com audiodescrição e visita sensorial guiada para pessoas com deficiência visual
Venda de ingressos a partir do próximo sábado (19), na bilheteria da Caixa Cultural (funcionamento de terça a sexta-feira e domingo, das 13h às 21h e sábado, das 9h às 21h)
R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada para estudantes, professores, funcionários e clientes Caixa, pessoas acima de 60 anos e para quem doar um livro)