Todos concordamos que a situação fiscal do Brasil está fragilizada e que precisamos endereçar esse problema rapidamente. Isso implica que não conseguimos estimular nossa demanda interna como fizemos no ano passado.
Por outro lado, a situação social ainda é dramática. A taxa de desemprego oficial encerrou o ano passado em 14,7%, com ajuste sazonal. Existem cerca de 6 milhões de pessoas que perderam a ocupação nessa crise e não procuraram emprego recentemente e, assim, não são consideradas desempregadas pela metodologia oficial. Se incluirmos essas vidas, a taxa de desemprego estaria em 20%.
Assim, o governo e os parlamentares estão discutindo a extensão do auxílio emergencial para os próximos quatro meses, totalizando gasto entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões.
Esse montante ainda será muito menor do que os R$ 322 bilhões gastos no ano passado. Assim, mesmo considerando uma recuperação gradual do mercado de trabalho ao longo dos próximos trimestres, o poder de compra das famílias deverá recuar em torno de 2% nesse ano. Por isso, estimamos retração da atividade econômica nesse semestre.
Isso evidencia que uma expansão do consumo das famílias dependerá da concessão de crédito para pessoa física e, especialmente, da redução da taxa de poupança.
Durante o auge da pandemia, a necessidade de isolamento social levou as famílias a reduzirem o consumo de serviços, como restaurantes e lazer. Parte importante dos recursos que não foram utilizados nesses segmentos acabaram sendo poupados.
A vacinação, que poderá ganhar mais força no segundo semestre, estimulará esses setores mais sensíveis ao isolamento social e ajudará na recuperação do consumo das famílias. Enfim, nossa projeção de recuperação da atividade na segunda parte do ano está intrinsecamente ligada à contenção da epidemia.
A aprovação de um novo auxílio emergencial no montante discutido acima, com contrapartidas incluídas na versão inicial da PEC Emergencial, não prejudica nossa solvência fiscal.
Inflação de commodities x inflação estrutural
A inflação continua elevada no curto prazo, com forte pressão das commodities no mercado internacional e da desvalorização cambial do ano passado. Assim, aumentamos nossa expectativa de inflação de alimentação no domicílio para 6,0% e preços administrados (devido combustíveis) para 5,1% esse ano.
Por outro lado, reduzimos nossa projeção de inflação de serviços para apenas 2,3%, historicamente muito baixa. O resultado líquido será IPCA 2021 em 3,8%, próxima do centro da meta.
Essa discrepância entre inflação de commodities maior e inflação estrutural menor é crucial para estimar a inflação de 2022.
Entendemos que parte relevante da inflação de commodities é um ajuste temporário de preços relativos, pois:
• a OPEP ainda possui muita capacidade ociosa, o que poderá levá-la a aumentar sua produção e estabilizar o preço do petróleo nos próximos meses;
• a seca causada pela La Niña está prejudicando a oferta de grãos ao redor do mundo desde o ano passado. Esse efeito climático poderá se dissipar durante o verão do hemisfério norte, o que ajudará a restabelecer a oferta de alimentação no próximo ano.
Quando esses efeitos temporários dissiparem, restará uma economia com imensa ociosidade no mercado de trabalho, elevada sensibilidade do consumidor aos preços e inflação de serviços contida. Dessa forma, projetamos IPCA 2022 em 3,5%.
Portanto, a atividade brasileira deverá retrair nesse semestre com o necessário ajuste fiscal. Isso está evitando a disseminação da inflação de commodities para o setor de serviços e deixará o IPCA em torno do centro da meta no horizonte relevante para a política monetária. Qual inflação você prefere enxergar?
Alta dos juros está próxima
Com o processo de vacinação em massa em curso no globo, analistas tentam entender como será a retomada da atividade econômica, inflação, política monetária e preço de ativos, a partir da normalização parcial da economia. Está claro que conviveremos com esse trauma por mais alguns anos, considerando que a imunidade global não deverá ser atingida até meados de 2023.
De qualquer maneira, com ampla variação de alternativas discutidas pelos analistas, é claro que o cenário mais provável é a volta da rotina econômica e de negócios a um novo normal que será determinado pela velocidade da vacinação, resiliência da atividade nas diferentes regiões e setores econômicos além da relevante coordenação e colaboração global. O cenário central é de que esse movimento será ordenado, mas pode não ser.
Nesse ambiente de incertezas, os preços das commodities continuaram subindo em 2021, tanto metálicas quanto agrícolas, impulsionando a inflação global.
Enquanto a volta de alguma inflação é bem-vinda, a rapidez desse processo é sempre perigosa e o comportamento dos mercados tem sinalizado juros mais altos no futuro, gerando uma revisão de preços dos ativos, assim como alta do custo de financiamento das empresas e governos.
Enquanto formuladores de política econômica nos EUA e Europa reafirmam a continuação dos respectivos estímulos monetários, juros longos ao redor do globo sobem à procura do equilíbrio entre muitas dessas instáveis variáveis.
No Brasil, o Copom talvez seja um dos primeiros BCs a subir a taxa básica de juro no pós-pandemia, antecipando o ciclo de alta e reduzindo o grau de estímulo monetário, visando estabilizar as expectativas de inflação.
Mantida a corrente gestão fiscal, o prêmio de risco deverá se manter no patamar atual. A alta do juro vem em um momento em que a atividade econômica brasileira dá sinais de fragilidade, com indicadores recentes como confiança e crédito sinalizando desempenho decepcionante.
Forte crescimento lá fora
A atividade mundial continua em forte expansão no início de 2021. O processo de vacinação e os estímulos fiscais e monetários estão impulsionando o consumo e a produção ao redor do globo.
O principal destaque é a economia americana. No final do ano passado, o Congresso aprovou um enorme pacote de estímulo fiscal de USD 900 bilhões (4% do PIB), que já começou a fazer efeito. A renda pessoal disponível saltou 11,4% em janeiro deste ano, o que ajudou a acelerar novamente o consumo das famílias.
O Congresso americano poderá aprovar ao longo deste mês mais um imenso pacote fiscal de USD 1,9 trilhão (cerca de 9% do PIB). Quais as consequências imediatas desse novo estímulo?
Em primeiro lugar, o PIB real deverá crescer 7,0% nesse ano. Isso significa que a atividade voltará para a sua tendência original entre o terceiro e quarto trimestre. Assim, estimamos que a ociosidade do mercado de trabalho encerrará no início de 2022, o que poderá levar o FED a antecipar o início da normalização da taxa de juros.
Em segundo lugar, o governo americano precisará financiar um déficit fiscal de quase USD 4 trilhões neste ano, superior ao déficit de USD 3,1 trilhões de 2020 e de USD 1,0 trilhão em 2019. Angariar esses recursos não é uma tarefa impossível para o Tesouro dos EUA, mas a cadeia de incentivos precisa funcionar.
Custo de oportunidade
Em períodos de crise, o setor privado aumenta sua poupança líquida com redução dos investimentos das empresas e aumento de poupança precaucional pelas famílias. Parte desses recursos compram títulos públicos e ajudam a financiar pacotes de estímulo fiscal.
Em períodos de expansão, o setor privado passa a demandar mais recursos financeiros para seus investimentos. Consequentemente, diminui a poupança destinada para financiar o setor público.
Se o governo for brigar por financiamento com o setor privado, precisará alterar os incentivos através de uma taxa de juros mais atraente nos seus títulos. Enfim, a taxa de juros dos títulos públicos precisa subir para atrair maior volume de recursos internos e externos.
O aumento da curva de juros americana tem implicações para todo o mundo, afinal, em tese, é a taxa livre de risco. Os países emergentes com maior necessidade de financiamento devem ser os mais prejudicados por esse novo ambiente.
Portanto, o imenso estímulo fiscal possibilitará forte crescimento americano neste ano. O efeito colateral é o aumento do custo de oportunidade para todos os demais países e, em especial, para aqueles que necessitam de capital internacional para financiar seus déficits fiscais e externos.
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