Entrevista

"Empresas de educação precisam desenvolver ecossistemas e apoiar alunos", diz diretor da Ser (SEER3)

Rodrigo Alves, diretor de Relações com Investidores da Ser Educacional, revela como a empresa driblou os efeitos da pandemia de Covid-19 nos últimos dois anos, os planos de retomada gradual em curso e perspectivas para o futuro da companhia

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A pandemia de Covid-19 mudou a configuração do ensino superior no Brasil, tanto na esfera pública quanto privada. Com a implementação de medidas sanitárias de isolamento social ainda em março de 2020, não houve alternativa senão adotar o modelo de ensino à distância (EaD).

Para instituições que não tinham a menor estrutura para o formato, foi preciso se adequar com urgência ao que o momento exigia. Mas para a Ser Educacional (SEER3), que já oferecia essa alternativa de ensino, a saída foi aprimorar os serviços e ampliar uma gama maior de possibilidades aos alunos.

Rodrigo Alves, diretor de Relações com Investidores (RI) da Ser Educacional, revela em entrevista para a SpaceMoney como a empresa se preparou para driblar os efeitos da pandemia de coronavírus, o impacto vivido pelo setor da educação no país, os planos de retomada gradual em curso e as perspectivas para a companhia no futuro. Veja a seguir:

SpaceMoney: A captação de alunos pela Ser Educacional cresceu 25,4% no chamado ensino híbrido (alternância entre modo presencial e remoto ou digital). Como a empresa avalia esse movimento e o que espera desse formato de ensino? Ele veio para ficar? A Ser também apurou um avanço de 43,5% no modelo de ensino 100% digital. A empresa consegue avaliar em que medida esse formato foi aprimorado durante a pandemia de Covid-19 e traça planos para o modelo no futuro?

Rodrigo Alves: Pelo o que a gente pesquisa, esse modelo de ensino [o híbrido] é até preferido pelos alunos – o modelo anterior era 80% presencial e 20% digital. E existe uma razão para isso. Você traz três vantagens para o aluno: a primeira, você não precisa ir todos os dias para o campus, ou seja, ganha um pouco mais de modalidade; a segunda, do ponto de vista educacional mesmo, como nem sempre mais as pessoas precisam estar no local de trabalho para trabalhar, o mesmo vale para estudar. Por fim, o ensino híbrido permite mais alcance. 

Eventualmente, se você for um aluno que mora mais longe, consegue acessar cursos e disciplinas que anteriormente não poderia, teria que abrir mão. Nós temos um ensino híbrido de verdade, onde as pessoas têm educação por competências e não por obrigar as pessoas a estudarem um percentual online e outro presencial. Muitas vezes, as pessoas nem percebem que estão, de fato, inseridas no ensino híbrido porque ele se adapta àquilo que vai ser a melhor forma para o aluno aprender.

E aí a gente liga os resultados. Eu entendo que a retomada de crescimento da captação de alunos nesse segmento tem a ver com a redução do impacto que a pandemia de Covid-19 traz no dia-a-dia das pessoas. As pessoas retomam agora naturalmente os seus planos. Isso faz parte de um processo que ainda não se completou, inclusive. Boa parte da captação desse verão decorre de um cenário em que a pandemia era ainda mais presente.

Ainda lá no primeiro semestre, lançamos o nosso modelo acadêmico que tem o princípio da ubiquidade, o Ubíqua. Com ele misturamos as atividades presenciais com o formato on-line. Nós trouxemos, por exemplo, o Dr. Bactéria.

Então, um aluno lá do interior do Brasil pode acessar uma aula ao vivo com uma pessoa super influente no mundo da educação. A gente chama isso de “educação onipresente”, onde você traz para a aula remota uma experiência completamente diferente e a combinação de formatos – se você estiver num ônibus e acompanhar pelo celular, por exemplo. Isso trouxe uma flexibilidade muito grande e fez com que as pessoas desejassem estudar nesse modelo.

E nós fizemos outras coisas que nos ajudaram bastante: fizemos reformas de prédios tanto quanto de conteúdos. Os alunos chegam aos câmpus e veem, por exemplo, o ambiente com mais salas, reformadas, adaptadas também para aulas em grupo que chamamos de “aula invertida" – numa situação em que eles fazem os trabalhos e debatem com o professor. 

A pandemia de Covid-19 e mesmo os cortes de gastos com programas educacionais como o FIES impactaram o panorama do ensino superior no Brasil, tanto para universidades públicas quanto privadas. Qual foi o impacto desses dois eventos para a Ser em seus resultados financeiros? Como a empresa lidou para driblar essas dificuldades? Como a Covid-19 ainda impacta a companhia e o que a Ser aprendeu com essa crise?

Rodrigo Alves: Talvez o maior impacto que o setor tenha sentido não tenha sido necessariamente ligado aos cortes, mas ao efeito combinado entre eles e os índices de desemprego, além do pouquíssimo crescimento de renda nos últimos anos. A população tem uma clareza de que a educação possibilita retorno. Do ponto de vista de investimento e de desenvolvimento da própria pessoa. Quando ela investe em se profissionalizar mais, se qualificar mais, ela vê com clareza um retorno sobre isso. 

Como ficamos em um processo econômico muito combalido desde 2015, e fomos abatidos pela pandemia de Covid-19 depois de ensaiar uma recuperação com muitas expectativas no fim de 2019, a insegurança entre a população aumentou. E a educação não significa apenas entrar num curso de quatro, cinco ou mais anos. Se trata de um projeto de longo prazo. Então, a crise de Covid-19 nos exigiu uma adaptação condizente à realidade. 

A Ser entrou no mercado digital em 2017. Conseguimos bastante nesse segmento, investimos muito em aquisições com foco no conceito de ecossistema – que acreditamos que vai florescer muito daqui para frente. Ou seja, a mesma estrutura que temos, que achamos muito boa, foi criada originalmente para apoiar o ensino presencial, mas ela foi gradualmente direcionada para investir no que chamamos de “educação continuada”.

Passamos por um período difícil, mas a gente vê melhorias em captação outra vez, retorno ao crescimento da base de alunos total. Se trata do início de um processo de recuperação.

Nós vamos desenvolver mais e mais esse ecossistema por entender que o perfil do aluno também está em transformação. Ele não estuda mais apenas uma vez na vida. Durante uma carreira de 20, 25, 30 ou 40 anos, ele pausa e retorna aos estudos. As empresas de educação precisam entender a mudança desse mercado e se adaptar. Ficou nítido para nós que a educação regulada não tende a crescer, mas sim a “não regulada” – que são os cursos livres.

Nos últimos anos, a Ser passou a investir em edtechs – startups dedicadas à educação digital – como a Starline, que detém a marca Prova Fácil, e a Delinea, que possui um dos maiores acervos de cursos de ensino superior independente do Brasil. Como a Ser avalia a importância das aquisições e há outras edtechs no radar da empresa?

Rodrigo Alves: Nós passamos por um processo muito importante de aquisições e a gente vai continuar de olho nisso porque faz parte do nosso negócio. Mas eu diria que a nossa prioridade hoje seria consolidá-las. A gente precisa transformar as aquisições que fizemos em empresas que vão ganhar mais escala ao longo do tempo e fazer uma oferta mais combinada dentro do nosso ecossistema. Tem aquisições a serem feitas, mas o nosso foco é fazer com que a gente se transforme e que tudo caminhe organicamente. Talvez as aquisições sejam mais pontuais e o processo focado em transformação.

Algumas aquisições da empresa sugerem que os planos da Ser estão cada vez mais voltados à necessidade de integrar todos os serviços que um estudante universitário precisa. Nesse sentido, o b.Uni foi criado. Como funciona e como tem sido a recepção da fintech entre os alunos? 

Rodrigo Alves: A gente trabalha agora no b.Uni, temos um software open feito agora no fim do ano. Há mais ou menos 10 mil contas abertas. Ainda não foi lançado para a base de alunos porque a gente precisa esperar a aprovação do Banco Central (BC) para transformá-lo. Ele opera hoje como um BaaS (Bank as a Service), ou seja, pagamos uma prestadora de serviços para fazer o trabalho de um banco. Nós aguardamos o BC para que ele seja disponível como fintech.

A gente quer combinar momentos de aquisição com crescimento orgânico para uma maneira de estar mais próximo dos nossos alunos. Nesse mundo de ecossistema e educação continuada, isso nos parece muito claro que os alunos vão estudar mais de uma vez ao longo da carreira. Então, a fintech quer manter vivo o relacionamento da empresa com o aluno enquanto ele estiver ou não em estudo pela Ser.

A plataforma Peixe30 também atua dentro da órbita da Ser, mas em uma frente mais ligada à empregabilidade. Quais são os planos para a plataforma no futuro? Algumas de suas funções lembram muito o LinkedIn, pela conexão entre profissionais e empresas, e o TikTok, pelos vídeos de apresentação em vídeos de 30 segundos…

Rodrigo Alves: Isso! Trata-se de uma RHTech dedicada a ajudar as pessoas com empregabilidade, trabalhabilidade. Na nossa visão, as empresas de educação de sucesso vão precisar desenvolver os seus ecossistemas para poderem ser de fato um ponto de apoio na carreira dos alunos. A gente deve lançá-lo ainda neste semestre. Além de uma mistura de LinkedIn e TikTok, vamos oferecer algo bem interessante: a gente proporciona para os usuários uma análise de perfil psicológico – o softskills. Pela ferramenta de busca, vai ser possível combinar a busca de um profissional tradicional com o softskill. A gente está na programação final para lançá–lo no mercado, tanto para pessoas como para os profissionais liberais e empresas que buscam por esses trabalhadores e encontram dificuldades.

O ensino em medicina, geralmente, tem sido foco maior de investimentos dos grandes grupos de educação no país. Na comparação entre os anos de 2020 e 2021, os cursos de medicina dobraram sua participação na receita total da companhia, de 8% para 16%. Quais são os planos da Ser para o curso neste e nos próximos anos?

Rodrigo Alves: O investimento em cursos de saúde ilustram um pouco da nossa estratégia. A Ser tem focado em possuir bons ativos no setor de educação, mas, por outro lado, não queremos que nosso negócio seja dependente de um nicho de mercado. Gostamos de medicina, compramos algumas instituições da área nos últimos anos e aí a participação passou a ser mais representativa.

Nós transformamos o mesmo no digital, com a incorporação da FAEL. Fizemos com o objetivo de que o ensino digital também apresentasse uma fatia maior nos resultados totais, de forma que a empresa não ficasse totalmente dependente do ensino presencial e do híbrido. Criamos novas fontes de geração de receita para que a Ser ficasse mais balanceada com um uso melhor de seus ativos educacionais.

A medicina traz reputação para as marcas, bom retorno sobre os investimentos, mas achamos também que outros segmentos como o ensino híbrido e o digital também precisam ter seu espaço e boa participação nos resultados – algo que temos hoje.

A empresa tem se destacado com a agenda ESG. A XP aponta que a empresa, no pilar “G” – de governança – se sobressai, por exemplo, por sua gestão de sua força de trabalho, com a menor taxa de rotatividade dentre as empresas do setor, mas há pontos sensíveis. Por exemplo, no conselho de administração, ocupado por 6 membros, 3 são independentes, mas não há mulheres entre os assentos. Como a empresa avalia isso e como atua para sempre avançar nos outros pontos “E” e “S”?

Rodrigo Alves: Por natureza, o setor de educação tem uma força muito grande em ESG. No dia-a-dia, temos um atendimento social muito forte. Por exemplo, as clínicas de saúde, muitas vezes, atendem uma população negligenciada pelas prefeituras dos municípios que operam na área obrigatoriamente, mas não atende a todos.

Então o ESG cria uma reputação para as marcas, a forma com que a população vê o suporte. Muitas vezes, chegamos em algumas cidades e representamos a maior parcela de atendimentos públicos em odontologia, fisioterapia, medicina veterinária, entre outros casos. No ano passado, investimos também R$ 5 milhões em energia solar.

Temos focado também na questão do consumo racional de água nas nossas unidades. Cá entre nós, algo bastante variável de unidade para unidade – a depender dos tamanhos dos prédios.

Do ponto de vista de governança, não temos mulheres no conselho, mas na gestão, na diretoria executiva existe uma representatividade muito grande. Curioso porque a empresa foi, na prática, formado por três irmãos. Mas na diretoria estatutária há mais alunas, mais de 60% dos estudantes da Ser são mulheres.

Eu espero que, um dia, isso mude tanto a ponto de atingir a cadeia acima. Nós temos essa preocupação, mas não foi algo pensado a ausência de mulheres no conselho. Neste ano, já estamos em avaliação sobre quais serão os temas de evolução nas áreas de ESG.

Quase 3,5 milhões de alunos evadiram de universidades privadas no Brasil em 2021, segundo dados do Semesp. Percentualmente, o índice chega a 36,6%. O número só ficou atrás do registrado em 2020, quando cerca de 3,78 milhões de alunos deixaram as instituições. Qual foi o percentual de alunos que a Ser viu deixar a instituição? Que medidas tomou para evitar que esse número fosse ainda maior? Houve algum plano para facilitar financeiramente a situação para que esses alunos voltassem?

Rodrigo Alves: Bastante foi feito. Isso foi um quadro difícil. Em 2020, não necessariamente houve uma evasão por algo que já acontecia, mas pelo temor do que poderia acontecer. Como conversamos mais cedo, a educação se trata de um projeto de longo prazo.

Seria muito difícil alguém continuar com os estudos enquanto está com medo de perder o emprego e a renda ou, de fato, já está sem trabalho. Mas especialmente no início da pandemia, isso era o que víamos. Com o passar do tempo, as coisas mudaram.

O governo criou auxílios que ajudaram a estabilização econômica. Agora, os índices de desemprego continuam altos. Mesmo em período pré-pandemia, em lugares como a Região Nordeste a taxa de desocupação chegava a 15% ou 16%. Isso impacta diretamente na evasão de alunos.

Fizemos três coisas: Muito trabalho social. Apesar de não impedir a evasão, aumenta muito o sentimento de pertencimento dos docentes e dos alunos. Ajudamos também nos processos de rematrícula, estendemos prazos de pagamento de acordo com a necessidade. Isso impacta, inclusive, nos resultados como o aumento da provisão para perdas. Em 2019, 46 mil alunos evadiram a Ser. Em 2020, esse número saltou para 61 mil. Já no ano passado, o número caiu para o patamar próximo a 2019, de 47 mil.

Na cultura da Ser trazemos o equilíbrio. A gente sempre tem que criar um padrão de que todo mundo tem a sua maneira de garantir algum retorno. Hoje, vemos que não sofremos tanto assim com a pandemia e ainda trouxemos uma contribuição à sociedade nesse período.

Ao analisar o cenário macroeconômico, nós vemos uma realidade muito difícil em que a inflação e os juros seguem em alta e alguns dados podem prejudicar tanto a renda quanto a estabilidade do emprego de milhares de jovens, que estão em idade ativa e muitas vezes financiam seus próprios estudos. Como a Ser observa esse movimento fraco da nossa economia e como a empresa se prepara para gerar lucros mesmo nesse cenário e caso ele se deteriore?

Rodrigo Alves: Se você tem um índice de desemprego alto e uma renda disponível reduzida pelo processo inflacionário, isso acarreta em um impacto negativo para a população – o que também pode atrapalhar o nosso desenvolvimento. Mas, por outro lado, nós vimos também uma demanda reprimida. Então, o que vemos com clareza: dois desses pólos vão sobressair e a gente quer investir muito no nosso ecossistema para estarmos preparados. Com oferta de cursos de qualidade, com diferenciais que são a nossa marca.

O ensino superior no Brasil, hoje, registra cerca de nove milhões de estudantes. Isso dentro de uma população economicamente ativa de noventa milhões. Ou seja, temos um mercado com potencial ainda não plenamente explorado e que pode ser ocupado rapidamente por empresas que souberem aproveitar. Tudo isso à medida que a população percebe o valor da educação.

Você precisa adaptar o preço, a qualidade e o retorno pelos investimentos educacionais. Daí vemos uma oportunidade de nos destacar.
 

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