Estudos sobre saúde mental após desastres ambientais revelam desafios

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Diversos estudos realizados com populações atingidas por tragédias ambientais revelam um aumento de problemas relacionados com a saúde mental, tais como estresse, ansiedade e depressão. Em Brumadinho (MG) e nos demais municípios afetados pelo rompimento da barragem da Vale na Mina do Córrego do Feijão, esta questão deve receber atenção prioritária, na visão de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição científica vinculada ao Ministério da Saúde.

“Atenção especial deve ser voltada aos efeitos psíquicos gerados pelo desastre, como depressão e ansiedade. Estes impactos devem ser monitorados ao longo dos próximos meses e anos, visando detectar alterações no perfil de saúde da população de toda a região afetada”, registra o primeiro item de uma lista de recomendações divulgada hoje (5) pelos pesquisadores.

As recomendações foram listadas durante evento que a Fiocruz organizou para apresentar um diagnóstico preliminar sobre os impactos da tragédia de Brumadinho na saúde da população. Além de alertar para a possibilidade de agravamento de enfermidades crônicas, para os riscos de surtos infecciosos e para as chances de aumento dos problemas respiratórios, os pesquisadores também manifestaram preocupação com futuros diagnósticos de doenças mentais.

A instituição apresentou resultados de um estudo realizado em Barra Longa (MG). A cidade, vizinha à Mariana (MG), foi uma das mais afetadas em 2015 pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco. “Comparando os dados de saúde de 2014 com os de 2016, sete meses após o desastre, constatou-se a elevação de 25 vezes os registros de ansiedade”, disse Carlos Machado, pesquisador do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres (Cepedes) da Fiocruz. Os casos de ansiedade se multiplicaram, junto com casos de diabetes, dengue, dermatite, hipertensão e doenças respiratórias, acrescentou.

Pesquisador Carlos Machado de Freitas apresentou resultados de um estudo realizado em Barra Longa (MG) – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em abril do ano passado, uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou uma tendência semelhante em Mariana (MG). Passados mais de dois anos após o rompimento da barragem da Samarco, 28,9% dos atingidos sofriam com depressão. O percentual é cinco vezes superior ao constatado na população do país – segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2015, 5,8% dos brasileiros tinham depressão (11,5 milhões de pessoas. Também foi constatada a prevalência aumentada de ansiedade, estresse pós-traumático, risco de suicídio e transtornos relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas, como álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína.

Enchentes

Outro estudo, realizado pela própria Fiocruz, se debruçou sobre dados vinculados às enchentes e inundações ocorridas em diversos municípios no estado de Santa Catarina em 2008. Os pesquisadores notaram o crescimento de casos de leptospirose e doenças infeciosas, mas também de acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Na visão de Christovam Barcellos, pesquisador do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, a situação de estresse estaria entre os fatores possíveis de gerar esse quadro.

“Surpreendentemente houve um surto de AVC. Uma grande quantidade de derrames cerebrais devido à situação de estresse, à perda de bens materiais e dos vínculos com familiares e amigos, à desassistência e à falta de uso de medicamentos para hipertensão. Isso é uma questão de saúde seríssima, que pode acometer a população vários meses depois da tragédia”, alertou.

Atendimento

Para atender os atingidos em Brumadinho, a Vale disse ter mobilizado 400 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais que atuam em pontos de atendimentos estruturados no município. Segundo a mineradora, também foi criada uma estrutura no Instituto Médico Legal (IML) para oferecer conforto às famílias que se apresentam para reconhecer os corpos das vítimas. Até o momento, os dados da Defesa Civil de Minas Gerais apontam para 134 mortos e 199 pessoas desaparecidas.

De acordo com o governo de Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG) está coordenando o atendimento médico e multidisciplinar na região e a Defensoria Pública do estado também oferece suporte psicossocial aos sobreviventes. Psicólogas e assistentes sociais estão trabalhando no acolhimento das famílias e da comunidade, tanto em Brumadinho quanto em visitas técnicas à Academia de Polícia Civil (Acadepol), local onde é feito o cadastro com informações pessoais e dados dos desaparecidos.

Reparação

Para o pesquisador da Fiocruz Carlos Machado, dependendo de como for conduzido, o processo de reparação dos danos causados pode agravar o quadro. Ele cita exemplos da tragédia envolvendo a Samarco e dos deslizamento de terras que ocorreram em 2011 na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Neste último episódio, milhares de pessoas ficaram desabrigados em Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo e outros municípios.

“O que nós aprendemos com o desastre da região serrana é que a reconstrução de moradias em conjuntos habitacionais foi feita de forma absolutamente desrespeitosa com as necessidades da população, trazendo outros problemas de saúde. O que nós aprendemos com o desastre da Samarco, em Mariana, é que, três anos depois, concretamente, as pessoas não tiveram suas casas e suas vidas reconstruídas e esses processos têm impacto sobre a saúde”.

A conclusão das obras de reconstrução das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira, desvatadas na tragédia de Mariana, era prevista originalmente para este ano. No entanto, o início dos trabalhos atrasaram e a entrega não vai ocorrer antes de agosto de 2020. Há atingidos que recorreram à ajuda de psicólogos e alegaram dificuldade para retomar suas vidas enquanto não retornam à comunidade onde viviam. O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) ajuizou uma ação civil pública defendendo que as mineradoras devem indenizar os moradores pelos atrasos.

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