“Há séculos esperamos um futuro que nunca chega. O “país do futuro” saiu dos livros escolares e se tornou um fantasma, que assombra até mesmo os mais vividos. Mas como chegar a qualquer futuro se não conseguimos sequer formular um projeto da nação? Até quando continuaremos sacrificando gerações inteiras de jovens e crianças sem perspectiva e sem esperança?
Nas eleições presidenciais de 2018, um tema, mais do que todos, absorveu as atenções dos eleitores, jornalistas, marqueteiros e candidatos: a corrupção. As exceções foram Ciro Gomes, que, mal ou bem, gostem ou não, apresentava suas propostas; e o, presumivelmente, honesto e bem intencionado Haddad, que, por óbvias e partidárias razões, fugia do tema. Os demais candidatos prometiam zerar a corrupção e refundar a política nacional.
Estávamos no auge do prestígio da Lava Jato e de Sergio Moro, hoje caídos em desgraça. Dizia-se, nas redes sociais, que com os bilhões, ou trilhões, que se economizaria com o fim da corrupção, seria possível construir um Brasil novinho em folha. Só a abertura da caixa preta do BNDES daria para terminar de asfaltar a Transamazônica, colocar fibra ótica em toda sua extensão e dar um tablet, uma SmartTV e um smartphone para cada morador das cidades às margens de seus 4.230 quilômetros. Saneada a Petrobras, o gás de cozinha seria doado, mensalmente, a todas as famílias, necessitadas ou não, e a gasolina e o diesel seriam, em todo o país, trocados por álbuns de figurinhas nos postos.
Chegou 1º de Janeiro de 2019, a corrupção foi erradicada do país. Não sabemos se a caixa preta do BNDES foi aberta. Ninguém mais tocou no assunto. O gás de cozinha, a gasolina e o diesel estão pela “hora da morte” e, para a sorte dos governos, apareceu um vírus salvador. “Pau para toda obra”, o coronavírus justifica toda espécie de incompetência, má gestão, personalismos, marquetagem, sandices, desmandos, desvios de recursos, inversão de prioridades e tudo o mais que possibilite a um governante fugir de suas responsabilidades. A economia patina, a agenda de desenvolvimento está paralisada e não há dinheiro suficiente para socorrer pessoas e empresas. Nada muito diferente do Brasil no período 2014-2019, mas as pessoas continuam se iludindo.
A rigor, este mandato presidencial, em termos econômicos, já está comprometido. O máximo que almejamos são discretas recuperações em 2021 (a conferir) e 2022. Talvez em 2023 estejamos no nível de 2019, que já era muito inferior ao apogeu do período 2003-2010. Então não seria o momento de pensar diferente? Se a corrupção está eliminada, é hora de definirmos outro tema, de igual ou maior relevância, sobre o qual o Brasil inteiro políticos, trabalhadores públicos e privados, terceiro setor, profissionais liberais, intelectuais, imprensa, empresários grandes e pequenos, entre outros se debruce e trace planos e estratégias para enfrentá-lo.
O principal desafio
A distribuição mais igualitária e justa da renda nacional é, de longe, na opinião de boa parte das pessoas com visão de futuro, desprovidas de ranço ideológico, o maior problema brasileiro e deveria ser objeto de discussão em campanhas presidenciais desde a eleição de Prudente de Morais em 1894. No entanto, poucas vezes o tema teve presença central, seja em campanhas políticas ou em programas de governo.
As cenas que assistimos, com maior frequência, nas últimas semanas, de multidões de miseráveis em filas por uma cesta básica, pessoas, feito zumbis, jogadas na rua, vasculhando lixeiras em busca de sobras, casebres com geladeiras vazias e restos de madeira usados como gás e fogão não são e nunca foram novidades em inúmeros lugares do Brasil, nas pequenas e grandes cidades, no litoral e no sertão. A pandemia da Covid-19 apenas escancarou as mazelas, até mesmo para aqueles que se recusavam a vê-las ou a se importar com elas, desde 1549, quando da chegada do nosso primeiro gestor, Tomé de Souza.
Chama a atenção um governo que, ao longo de 27 meses de gestão, em nenhum documento, discurso, projeto de lei ou decreto, tenha sequer mencionado a distribuição de renda como objetivo nacional. Ao contrário, joga com o fantasma do socialismo e do comunismo, este último já morto e enterrado, para estigmatizar qualquer discussão que pretenda dar espaço aos menos favorecidos. Ainda que tenha mantido programas sociais das gestões anteriores e agido, razoavelmente, bem quanto aos programas emergenciais, não mostra o mínimo interesse em ampliá-los, aperfeiçoá-los e, principalmente, avançar no tema.
É de uma brutal ignorância confundir melhoria na igualdade de renda e de oportunidades com desapropriações, invasões de propriedades, distribuição forçada e outras medidas de caráter violento ou inconstitucional. Nossa Constituição garante o direito de propriedade e de livre iniciativa, não havendo qualquer projeto legislativo, em andamento, que busque sua supressão. A falácia de nos tornarmos Cuba ou Venezuela só existe na cabeça de aloprados e oportunistas.
A distribuição mais justa e igualitária da renda se fará por meio da abolição de privilégios, que subsistem na forma de incentivos e benefícios, quase todos voltados às classes mais favorecidas; da adequada divisão da tributação entre consumo, renda e patrimônio; e, principalmente, no grosso investimento em políticas de atenção aos mais pobres, que demandam, prioritariamente, educação, saúde e emprego.
É fato, também, que nenhum país do mundo pode abdicar de políticas assistencialistas. Há uma expressiva parcela da população brasileira que não pode erguer-se, ou sair da condição de indigência, por seu próprio esforço ou iniciativa. São séculos de ignorância e descaso, por seguidas gerações, que as conduziram até o atual estágio. Levantá-las, ensiná-las e dar-lhes condições de andar, por suas próprias pernas, são imperativos nacionais inadiáveis.
Tão importante quanto a extraordinária mobilização atual da sociedade civil (empresas e pessoas) nesse momento agudo de fome e miséria, é que esses mesmos atores forcem seus políticos a trazer o assunto ao palco principal das próximas campanhas políticas. Nada é mais urgente e importante que cuidar do futuro de nossos jovens e crianças, assegurar dignidade aos idosos e construir uma sociedade em que possamos conviver e compartilhar os mais elementares desejos da Humanidade: Paz e Justiça.
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