Centrão ou Bicho Papão?

“Nem uma coisa, nem outra. O Centrão, para o bem ou para o mal, é fator de estabilidade e governabilidade. Domestica radicais de lado a lado, como mostrou em sua estreia oficial na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88. E cobra bem por seus serviços, em cargos ou em espécie. Pode não ser virtuoso, mas tem funcionado”.  

O grande Aristóteles, ao contrário de seu mestre Platão, baseava sua filosofia em questões concretas e objetivas, sujeitas a observações e experimentos, como decorrência das práticas dos homens na condução de suas vidas, em busca do que ele considerava o bem maior e objetivo final da existência humana: a felicidade. Seus estudos e escritos sobre Ética, Política e Virtude, transcorridos mais de dois mil anos, ainda servem como referência intelectual e moral para o exercício do poder e da representação política. Embora ele não tenha expressamente dito a célebre frase, é certo de que ela advém de seus ensinamentos. “Virtus in medium est”. Em bom português: a virtude está no meio.

É, também, obra de Aristóteles, a lista das doze virtudes éticas:  coragem, temperança, liberalidade, magnificência, magnanimidade, equanimidade, placidez, amabilidade, veracidade, jovialidade, pudor e justiça. Evidentemente, nem mesmo o mais crédulo dos homens acredita que haja alguém que carregue em si, durante uma existência, sequer a metade dessa lista de virtudes. No campo da Política, então, nem há o que se discutir. Raríssimos os homens públicos, no Brasil e no mundo inteiro, que contemplem ao menos três das virtudes aristotélicas. Aqui, em especial, se tiver duas já é considerado um cidadão acima de qualquer suspeita e elegível de síndico de condomínio a Presidente da República.

Entretanto, nem tudo está perdido. Se a virtude está no meio, digo, no centro, então o Brasil está alinhado com as melhores práticas. Embora Tomé de Sousa tivesse firmes convicções fascistas e salazaristas, bastou chegar a Salvador para ser cooptado pelo cacique Magalhães em nome da governabilidade. E tem sido assim desde então, para o bem e para o mal.  O recente retorno de Jair Bolsonaro ao seu ninho de origem é apenas um movimento rotineiro na política brasileira, que não deveria causar maiores sobressaltos, nem deverá trazer grandes novidades para a estratégia do governo, que não é outra senão a reeleição do chefe.

Agente de governabilidade

Essa aversão aos extremos, característica do eleitorado brasileiro, pode ser subvertida, em alguns momentos, nas eleições para cargos executivos. Entretanto, onde, efetivamente, as políticas são aprovadas, ou seja, no Parlamento, prevalecem a diversidade, a negociação e o equilíbrio de forças, ora pela quantidade, ora pelas artimanhas regimentais. Por isso, a demonização do Centrão precisa ser relativizada. O que é o Centrão? Uma gama de partidos de centro direita, conservadores, com capilaridade nacional, sem um cacique de expressão, composta de políticos da mesma cepa dos de outros partidos, sem compromissos férreos com nenhuma causa e abertos a qualquer negociação, desde que sejam preservados seus interesses paroquiais, por meio de cargos federais, que podem ser de chefes de postos de saúde até ministérios de grande alcance.

É um mal? Nem sempre. Governabilidade é o objetivo de qualquer presidente ou governador. E não há outro meio de obtê-la sem o exercício pleno da política. Cabe ao Executivo, se interessado, encaminhar suas pautas e negociar até a exaustão para vê-las aprovadas. Não há pauta fácil num país com tantos contrastes regionais e sociais como o Brasil. Se a inevitável negociação envolve concessões de cargos e princípios, cabe ao chefe do Executivo minimizar os danos. Por exemplo, a nenhum Presidente da República ocorreria entregar o Ministério da Fazenda ou da Economia ao Centrão. FHC foi mais além e os manteve afastados dos ministérios cheios de verbas, como o da Saúde e do Transportes (existente na época). Sempre haverá uma forma de saciá-los sem comprometer, em demasiado, os cofres e a decência.

Pior que um governo atrelado ao Congresso é um governo que despreze o exercício da política. Que faça sua a missão de desconhecer e desqualificar todas as forças que lhe são contrárias. Que entregue cargos de relevância e impacto na vida nacional a técnicos, civis ou militares, desligados da vida real do cidadão comum e que não são obrigados, a cada quatro anos, a prestar conta de seus feitos. Nenhum presidente brasileiro, em tempos democráticos, sobreviveu a confrontos importantes com o Parlamento. Goulart, Collor e Dilma são a prova disso. Itamar, Lula e FHC, também, pelo resultado oposto.  Precavido, Jair Bolsonaro, sem um partido para chamar de seu, não quer correr este risco.  

Fora da política não há salvação, que o diga o Centrão. 

A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.

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