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Minicurso de Análise Fundamentalista Parte 4: As ferramentas

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Por André Massaro*

Neste artigo (que é a quarta e penúltima parte de nosso minicurso) vamos ver um pouco da “caixa de ferramentas” de um analista ou investidor adepto da análise fundamentalista.

E é importante ressaltar que esse “um pouco” (da caixa de ferramentas) é porque, potencialmente, essa caixa pode ser infinita.

No artigo anterior, vimos que existem informações quantitativas e qualitativas. E, a rigor, QUALQUER informação pode virar uma informação fundamentalista qualitativa. Até a reclamação de um cliente em um fórum ou rede social pode fornecer, ao analista, insights sobre o que pode estar acontecendo em uma empresa.

Mas, neste artigo, vamos ver duas das ferramentas mais importantes: o “valuation” e os indicadores financeiros (ou “múltiplos”).

Vamos ver, também, um pouco sobre análise comparativa e sobre como as ferramentas podem ser aplicadas.

Valuation 

O “famoso” valuation não é, exatamente, uma ferramenta — mas sim um conjunto de técnicas que são usadas com a mesma finalidade: definir o valor (não necessariamente o preço — atenção a esse detalhe importante) presente ou futuro de uma ação.

Existem várias formas de fazer o valuation (termo em Inglês que seria equivalente a “avaliação” ou “valoração”) de uma ação. No mundo dos investimentos em bolsa, as formas mais usadas são através do desconto de fluxos financeiros futuros e através do uso dos indicadores financeiros (que veremos mais adiante).

No mundo das finanças, tem uma frase famosa, mencionada por Warren Buffett (fazendo referência a John Burr Williams), que diz:

“O valor de qualquer ação, título de renda fixa ou empresa é determinado pelas saídas e entradas de caixa, descontadas a uma taxa de juros adequada, que se espera que ocorram durante a vida de um ativo.”

Essa frase traduz a essência do valuation através do desconto de fluxos.

“Fluxos”, no jargão, representam os saldos líquidos gerados pela empresa em determinado intervalo de tempo (mensal, anual etc.).

Os fluxos mais utilizados para se fazer valuation são o fluxo de caixa livre (que é aquilo que “sobra” da operação da empresa — que pode ser reinvestido ou distribuído aos acionistas) ou o fluxo de dividendos (que é o dinheiro efetivamente distribuído aos acionistas).

E aí está a grande “pegadinha” desse tipo de valuation. É preciso descontar (trazer a valor presente) fluxos financeiros FUTUROS.

Mas como saber quais serão os resultados da empresa no futuro?

Como você deve imaginar, não tem como saber. Esses fluxos precisam ser estimados, e aí entra uma boa dose de subjetividade do analista…

E, para piorar as coisas, também é preciso definir uma taxa de desconto (veja que na frase citada anteriormente, o autor fala em “taxa adequada”, deixando grande margem para interpretação).

É aí que mora a grande fragilidade desse tipo de valuation. As fórmulas de matemática financeira para se fazer os descontos são “exatas”, mas as premissas (fluxos futuros e taxa de desconto) não são. São valores estimados.

Por conta disso, diferentes analistas podem chegar a diferentes resultados analisando uma mesma ação.

Porém, a despeito dessa fragilidade, o desconto de fluxos futuros é, provavelmente, o tipo de valuation mais usado pelos analistas profissionais, por dar uma leitura mais “completa” da empresa.

O modelo de fluxo de caixa descontado é, também, conhecido pela sigla FCD (ou pelo original em Inglês DCF – Discounted Cash Flow). Já o desconto de dividendos é conhecido pela sigla em Inglês DDM (Dividend Discount Model).

Os indicadores financeiros

Os indicadores financeiros fundamentalistas são fórmulas matemáticas que nos dão informações sobre uma empresa. São baseados em informações que estão nos demonstrativos contábeis (Balanço Patrimonial, Demonstração do Resultado do Exercício e outras) e/ou nos preços de mercado das ações.

Esses indicadores são conhecidos, também, como “múltiplos financeiros”, pois praticamente todos eles são “alguma coisa dividida por outra coisa”.

Os indicadores financeiros são informações, quanto à sua forma, quantitativas. São expressos em números precisos, que podem ser medidos, comparados etc.

Os indicadores costumam ser agrupados em categorias, conforme sua função.

Essas categorias podem variar de autor para autor, mas eu gosto de separar em cinco categorias:

1 – Indicadores de valor de mercado (ou de valuation) 

No tópico anterior (sobre valuation), havia dito que iria mencionar o valuation através de indicadores financeiros um pouco adiante. Pois, então, chegou a hora…

Os indicadores de valuation são aqueles que tentam atribuir um valor à ação da empresa, de forma que tenhamos uma ideia se ela está “cara” ou barata”.

Os mais famosos indicadores de valor são P/L (ou “Índice Preço/Lucro”, talvez o mais conhecido e popular dos indicadores), o Lucro Por Ação (LPA ou EPS – Earnings Per Share em Inglês), o EV/EBITDA e o Dividend Yield.

2 – Indicadores de lucratividade

São os indicadores que mostram o desempenho geral da empresa e sua capacidade de gerar retornos financeiros.

Um dos mais populares indicadores de lucratividade é o ROE (Return On Equity), que mostra o lucro gerado pela empresa em relação ao seu patrimônio líquido.

3 – Indicadores de atividade

São indicadores que mostram o grau de eficiência com o qual a empresa opera.

Num contexto de finanças, “eficiência” pode ser interpretado com a capacidade de produzir, vender e receber o dinheiro das vendas rapidamente. Quanto mais rápido por esse ciclo, mais eficiente a empresa será.

4 – Indicadores de liquidez

São indicadores que mostram a capacidade de solvência da empresa no curto prazo.

Existem variações de índices de liquidez (geral, seco, imediato e corrente) que informam quantos reais a empresa tem disponíveis para pagar cada real de dívidas de curto prazo.

Um número acima de UM indica grande capacidade de solvência – a empresa tem mais dinheiro disponível do que ela necessita para liquidar suas dívidas de curto prazo.

Números abaixo de UM mostram que a empresa tem menos de um real disponível para pagar cada real de dívida. Esta não é uma situação, necessariamente, ruim — mas também não é boa…

5 – Indicadores de endividamento

São indicadores que mostram a composição do capital da empresa (as proporções entre capital próprio e capital de terceiros).

Podemos dizer que são indicadores que mostram o grau de alavancagem geral da empresa no longo prazo.

Análise comparativa de ações 

Uma forma de se analisar ações é fazendo comparações. Podemos comparar uma empresa com outra empresa similar, com todas as empresas de um mesmo segmento ou com empresas de mesmo segmento em outros países.

Podemos, também, comparar a empresa com ela mesma, em diferentes momentos do tempo.

Para esse tipo de análise, os indicadores financeiros são imbatíveis. Como eles nos dão resultados numéricos, fica fácil fazer comparações entre diferentes empresas.

Porém, nem todos os analistas ficam felizes e confortáveis com análises comparativas. Alguns analistas preferem fazer análises que não prescindam de dados de outras empresas — que deem um valor absoluto, “puro”, sem estar “contaminado” por outras informações.

Neste caso, se deve usar o desconto de fluxos futuros, pois seus resultados não são “relativos a alguma coisa” — eles têm significado por si só.

Já as análises com indicadores sempre são comparativas. Se você não comparar os números de uma empresa com outra, acabará tendo que comparar com algum número arbitrário para que represente um nível adequado para aquele indicador.

Por exemplo, se você definir que uma empresa será “barata” se o P/L for inferior a 15, esse “15” é um número arbitrário que será usado como base de comparação.

Como aplicar as ferramentas 

Como é de costume, no mundo dos investimentos, não há regras rígidas e nem “receitas de bolo”. Cada investidor ou analista usa as ferramentas que quiser, na ordem que preferir.

Porém, o modelo de aplicação mais comum (e que é, particularmente, aquele que eu uso) é COMEÇAR PELO VALUATION.

Então, se começa determinado o valor da empresa (pelo método que preferir — seja desconto de fluxos ou indicadores) para ver se a ação está “cara” ou “barata”.

O conceito de “caro” é “barato” é exatamente subjetivo, mas podemos dizer que essa definição está associada à relação entre preço e valor. Algo que tem preço acima do valor é caro, enquanto algo que custa menos do que vale é barato.

Mas, enfim, se a ação se qualificar no quesito “valor”, aí se avança com a análise para outros fatores, como liquidez, endividamento e lucratividade.

Eu gosto de comparar este processo de análise com a compra de um imóvel, por exemplo.

Imagine que você vai comprar uma casa ou um apartamento. A primeira coisa que você vai ver são as características gerais do imóvel e o preço, para saber se é um “bom negócio”.

Se passar nesse primeiro “filtro”, você vai ver outras questões. Vai ver se a documentação está em ordem, se não têm problemas com vazamentos, infiltrações, mofo… Vai ver a qualidade da vizinhança e outras coisas.

Se o imóvel estiver “zoado”, o barato pode acabar saindo caro…

Com uma ação, é a mesma coisa: Se começa com o valor e, se estiver adequado, você vai ver endividamento, lucratividade, liquidez e qualquer outro fator que julgar relevante.

Se a ação se qualificar, aí é “compra”.

E estamos chegando na reta final do nosso minicurso!

Neste artigo, vimos um pouco sobre a aplicabilidade de ferramentas de análise fundamentalista. No próximo (e último) artigo do minicurso, falaremos um pouco mais sobre o uso prático da análise fundamentalista em seus investimentos.
 

*André Massaro é autor, consultor e professor de finanças, investimentos e mercados financeiros. Saiba mais em andremassaro.com.br

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