Começando aqui com uma pergunta: o que é a essência da cultura organizacional de uma empresa?
A resposta para mim que resume muito claramente essa definição é: essência é aquilo que nunca muda, mesmo que tudo ao redor esteja mudando. São os valores da companhia, suas crenças fundamentais, uma espécie de DNA da organização que molda a maneira como ela opera e se comporta ao longo do tempo. O que a torna única.
Pode-se mudar a estratégia, os produtos, a distribuição, a forma de se relacionar com o cliente, os processos e outra infinidade de coisas, afinal, as empresas precisam se adaptar e evoluir para se manterem relevantes em um ambiente em constante mudança, mas a essência deve permanecer lá, intacta, consistente, lembrando a todos no que aquela marca acredita e do que não abre mão.
Na maioria das vezes, essas crenças refletem os valores dos próprios fundadores. Natural, já que representam a visão original e os princípios fundamentais pelos quais a empresa foi criada, a base para sua idealização e a motivação de sua existência.
Ao longo dos anos, com as trocas de comando nas empresas, o distanciamento ou ausência dos fundadores nos conselhos de seus negócios, é preciso cuidar da essência, cultivá-la, reafirmá-la, explicitá-la, para que ela não se perca junto com a identidade da marca e seus diferenciais.
Recentemente, o caso da Tok&Stok, no qual a Ghislaine Dubrule, sua fundadora, reassumiu como CEO aos 73 anos, nos ensinou muito sobre a importância da essência.
Em um momento desafiador, marcado por dívidas e a maior crise da história da marca, Dubrule retornou com uma missão dificílima de recuperar a operação e retornar ao Ebitda positivo. Para tanto, entre as ações de corte de custos e reorientação dos negócios para o modelo de lojas físicas, ela vem colocando foco e esforço para recuperar a essência que dava identidade à marca e, então, reconquistar seus clientes.
A Tok&Stock nasceu para revolucionar o setor com design acessível, lúdico e atraente, com uma curadoria e seleção de peças que inspirassem sobre a arte de morar. Um modelo mais fluido, colorido, que não seguia padrões e incorporava diferenciais de entrega rápida e montagem descomplicada.
Esse foco no inspiracional era parte fundamental da essência da varejista, mas foi se perdendo ao longo do tempo. O retorno de Dubrule significou um meio de reacender a visão e a cultura original da empresa. Nesse sentido, fazem parte do plano dela aspectos como recuperar a memória afetiva de seus clientes e colocar ênfase na criação de ambientes nas lojas como espaços por onde as pessoas podem passear e sonhar.
Mas como isso se perdeu?
Claro que estratégias e decisões erradas e outros tantos fatores econômicos foram responsáveis pela dívida acumulada de R$ 350 milhões após a saída da executiva da liderança, mas é importante considerar também que nos seis anos em que ela esteve fora, entre 2017 e 2023, cinco CEOs passaram pela companhia.
Esse é um problema que temos visto repetidamente. As lideranças, pressionadas por entregarem resultados imediatos, avaliadas trimestralmente e substituídas em períodos tão curtos, dificilmente conseguem implantar uma visão estratégica de longo prazo, que privilegie a essência e consolide resultados sustentáveis.
E por que a essência é tão… essencial?
Porque, ao se afastar dela, a empresa corre o risco de perder sua identidade, sua vantagem competitiva e, em última análise, seu sucesso no mercado.
Os princípios fundadores, muitas vezes, são o que diferenciam uma empresa das outras no mercado. Se uma empresa se afasta desses princípios, ela pode perder sua identidade e se tornar indistinguível de seus concorrentes, o que reduz sua capacidade de competir efetivamente e atrair clientes.
Os clientes, ao não reconhecerem mais na marca a identidade que os atraía, deixam de ser leais e de comprá-la, impactando os resultados de vendas. Assim também com os funcionários, que muitas vezes são atraídos para uma empresa por seus valores. Quando percebem que a empresa está se afastando desses princípios, podem ficar desmotivados e insatisfeitos, afetando negativamente sua produtividade e desempenho.
Perder a essência pode ainda abalar a capacidade de inovação da companhia. Os princípios estão ligados à visão e à missão da empresa e servem como um catalisador para a inovação. Se uma empresa perde sua conexão com esses princípios, pode perder sua capacidade de inovar, passando a copiar ou seguir um padrão de mercado e tornando-se apenas mais uma, entre tantas.
O distanciamento da essência pode levar ainda a uma má reputação e perda de confiança, outros impactos comuns. A empresa, ao não praticar o que defende como valor, pode enfrentar críticas da mídia, clientes e partes interessadas, o que afeta sua credibilidade no mercado e prejudica as relações com todos os stakeholders.
Enfim, por todas essas razões, é crucial para os negócios que se mantenham fiéis a seus princípios ao longo do tempo, porque isso pode garantir sua sustentabilidade e prosperidade a longo prazo. Caso contrário, a tão indesejada rima pode se tornar uma realidade a ser enfrentada.
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