O Comitê de Política Monetária (Copom) deve manter hoje a taxa básica de juros Selic em 6,5% ao ano. Mas já está consolidada no mercado a visão de que os juros básicos vão cair até o fim do ano. Nas projeções da maioria dos analistas e economistas de bancos e gestoras de recursos, segundo o relatório Focus do Banco Central, o juro Selic deve começar a cair depois de agosto e fechar o ano em 5,75% ao ano. Portanto, nem na reunião de hoje, nem na de agosto, o Copom deve cortar a taxa, mas depois, provavelmente após a aprovação da reforma da Previdência, passará a baixa-la para estimular a economia. E há projeções que colocam a Selic em percentuais menores, de 5% no fim do ano, caso do banco Itaú.
Juro real de 1,68% ao ano ou 0,88% líquidos
Com isso, a taxa real de juros, ou seja, a parcela que supera a inflação, considerando um IPCA em torno de 4% ao ano e uma Selic de 5,75%, ficará em 1,68% ao ano, uma das menores da história do país. Se for descontado o imposto de renda, de no mínimo 15%, alíquota para aplicações com mais de dois anos, o rendimento líquido da Selic cairá para 4,88% e o real, descontada a inflação, para 0,88% ao ano.
Caderneta vai render 4% ao ano
Essa queda terá impacto nas aplicações de renda fixa, onde está a maior parte do dinheiro dos brasileiros, em especial nas cadernetas de poupança, que seguem liderando a preferência de grande parte da população, como mostrou estudo recente. Como as cadernetas rendem 70% da Selic, hoje o poupador recebe 4,55% ao ano, ou 0,37% ao mês. Com o juro a 5,75%, a caderneta renderá 4,02% líquidos, empatando com a inflação esperada para 2020, ou 0,33% ao mês. Isso significa que uma aplicação de R$ 10 mil renderá por mês R$ 33,00. Em um ano, serão R$ 402,00.
Fundos com taxa de administração de 0,5% perderão para poupança
Outro impacto ocorrerá nos fundos de investimentos. Carteiras mais conservadoras, como fundos DI ou renda fixa soberano, não poderão ter taxa de administração superior a 0,5% ao ano se quiserem empatar com o rendimento da poupança com a Selic em 5,75%. Hoje, com juros de 6,5%, fundos DI com taxa de até 1% empatam com o ganho das cadernetas após o imposto de renda. E outros fundos de renda fixa que não DI também não poderão ter taxas muito acima de 1%, mesmo buscando ganhos maiores em papéis privados ou de prazo mais longo.
Busca por oportunidades
Mas, apesar do baixo rendimento nominal e real, isso não quer dizer que o investidor deve desistir de poupar. Ele deverá, isto sim, pensar em alternativas para ganhar mais, seja na própria renda fixa, seja em outro tipo de aplicação. E prestar mais atenção em fatores como tributação, prazo e risco. Juro baixo favorece as empresas, ao reduzir custos e incentivar o consumo, beneficiando as ações.
O cenário de investimentos está mudando de forma radical e, se o investidor demorar para atualizar suas aplicações, vai perder cada vez mais oportunidades, alerta Alexandre Espírito Santo, professor do Ibmec-Rio e economista-chefe da Órama Investimentos. “Era para ele ter comprado ações quando o Índice Bovespa estava em 80 mil pontos, e não aos 110 mil”, diz. Ele lembra que muita gente segue acomodada na caderneta de poupança, pois se acostumou a ter rendimentos altos mesmo com aplicações conservadoras. “Agora, com juro baixo, a coisa muda”, diz.
Ele dá o exemplo do Tesouro Direto, no qual um papel prefixado, uma LTN, chegou a pagar 6,5% ao ano, o que representa um ganho real de 2,5% ao ano. “É um juro ainda alto se comparado a outros países, mas é o menor ganho real que já vi em meus 32 anos de mercado”, comenta.
Ibovespa a caminho dos 110 mil pontos
Segundo ele, a renda fixa está perdendo os prêmios gordos do passado e o investidor que quiser uma rentabilidade maior terá de aceitar correr mais risco. “Por isso, estamos recomendando aumentar a parcela em ações, de 10% para 20%, desde o começo do ano”, lembra. Para Espirito Santo, o Índice Bovespa já está perto dos 100 mil pontos, mas pode ainda chegar perto dos 110 mil.
Títulos com garantia do FGC
Mas há ainda oportunidades em renda fixa, avalia o economista. Há hoje títulos privados que ainda têm remuneração melhor se comparados com a poupança ou o Tesouro Direto, e com o guarda-chuva do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) no caso dos bancos. O FGC cobre o risco de o banco emissor do papel quebrar até R$ 250 mil por CPF, com o limite de R$ 1 milhão a cada quatro anos. Esse seguro cobre CDBs, LCI e LCAs emitidos por bancos.
E, mesmo que não queira aplicar diretamente em bolsa, o investidor pode tirar proveito das ações via um fundo multimercado, no qual um gestor vai decidir quando comprar e vender parte dos recursos. “Seria bom colocar ao menos um pouco em fundos multimercados”, diz Espírito Santo. “Temos multimercados muito bons acessíveis para valores menores em corretoras e sites de investimento”, diz. Para ele, mesmo os investidores ultraconservadores, que só aplicam em poupança, vão ter de mudar um pouco diante da queda dos juros.
Como começar em bolsa
Mas como começar a investir em bolsa? Espírito Santo sugere os fundos que copiam as carteiras dos índices de bolsa, como o Índice Bovespa, os chamados fundos passivos. Entre eles, há os fundos com cotas negociadas em bolsa, os ETF (Exchange Traded Funds), que são vendidos como ações e seguem o rendimento do Ibovespa. “É uma carteira diversificada com cerca de 60 ações, e reúne os papéis mais negociados e de maior valor, então mesmo para um conservador que não aplica em bolsa não é má recomendação”, diz. Há ETFs do Ibovespa e de outros índices, como de Dividendos (IDIV), ou de pequenas empresas (Small Caps), que permitem diversificação com pequenas quantias.
“Para iniciar, ir para um fundo mais conservador de ações ou ir para um ETF não é má recomendação”, diz Espírito Santo. Ele faz o alerta porque há fundos mais arriscados, que concentram mais suas aplicações em poucos papéis, ou operam além do valor que possuem por meio de derivativos. Por isso, é bom não olhar apenas a rentabilidade passada e entender o que o fundo faz. “Há muitos canais de educação financeira em que o investidor pode entender o funcionamento dos fundos e outras aplicações para aprender a investir melhor e não entrar no mercado às cegas”, diz.
Multimercados long-short
No caso dos multimercados, além daqueles fundos que tentam acertar os ativos que vão subir e os que vão cair, há os chamados long-short, que fazem arbitragens entre papéis com alguma correlação, como serem do mesmo setor ou de atividades concorrentes. Assim, o fundo compra a ação daquela empresa que acha que vai subir e vende a que deve cair, ganhando nessa relação, independentemente do que acontecer com o resto do mercado. “São coisas que uma pessoa mais preparada pode aproveitar”, explica.
Ao menos sair da caderneta
Para Espírito Santo, o investidor muito conservador deve pelo menos sair da caderneta. “Tem alternativas melhores, sem tanto risco, no Tesouro Direto, nos papéis de bancos ou debêntures de infraestrutura, que são isentas de imposto” diz.
Fundos com taxa de administração zero
Um exemplo de como começar essa migração podem ser os fundos DI com taxa de administração zero lançadas por algumas instituições. Órama, BTG Pactual e a Pi, do Santander, criaram carteiras que não cobram nada pela gestão e rendem a taxa de juros básica, Selic. Em uma aplicação no Tesouro Direto, no Tesouro Selic, ou LFT, o investidor pagaria a taxa de custódia, de 0,25% ao ano, já que as corretoras não cobram mais outras taxas. Portanto, esses fundos podem ter desempenho ainda melhor que a compra direta do títulos.
“Colocamos a taxa zero justamente para a pessoa se tornar cliente da corretora e sair da poupança, dar o primeiro passo, e depois vamos mostrar a ela as demais opções”, explica Espírito Santo. A ideia é fazer essa saída gradualmente, da poupança para o fundo, depois para o Tesouro Direto, e depois para os papéis de bancos garantidos pelo Fundo Garatidor. “E há muitas oportunidades ainda, apesar de que algumas coisa já mudaram”, afirma o economia, lembrando que há alguns anos os CDBs de bancos tinham prazo de um ou dois anos. “Agora o prazo é mais para 4 ou 5 anos e a pessoa vai ter de ficar mais tempo com o dinheiro aplicado para ter a mesma rentabilidade”, diz. “Mas tudo isso é educação financeira, saber planejar para alongar prazos e ganhar mais”, afirma.
Debêntures incentivadas
Há ainda os papéis isentos, como as debêntures incentivadas que têm a vantagem de proporcionar ganhos maiores com taxas mais baixas pela ausência de tributação. “Algumas têm rentabilidade excelente, e temos fundos de debêntures incentivadas, que ajudam a diluir o risco de crédito em vários papéis”, explica.
Fundos imobiliários
Também os fundos imobiliários são boas alternativas em meio à queda dos juros., diz Espírito Santo. “Empresas imobiliárias vão se favorecer, os aluguéis devem subir, assim como as vendas dos shopping centers, mas é sempre importante ver que tipo de empreendimento há no fundo imobiliário”, lembra o economista. “Não é só a rentabilidade que conta”.
Segundo Espírito Santo, o país está mudando, mesmo com as turbulências políticas do governo e o clima de fla-flu que às vezes toma conta das discussões. E o investidor tem de se preparar para isso, acompanhando as novas oportunidades. “Quando a mudança estiver consolidada, o ganho já foi”, diz.
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