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Risco da inflação limita oferta de crédito imobiliário pelo IPCA; opção será boa em casos específicos

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Apesar do entusiasmo do governo com a liberação do uso da inflação do IPCA para corrigir o crédito imobiliário pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) no lugar da Taxa Referencial (TR), os bancos estão cautelosos em adotar o novo indexador. Até agora, apenas a Caixa Econômica Federal anunciou linhas corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e usado também pelo Banco Central (BC) nas metas de inflação. Bradesco, Itaú Unibanco e Santander dizem que estão estudando, mas ainda não têm previsão de quando vão oferecer a alternativa aos clientes, apesar da forte disputa pelo mercado. Hoje, o crédito imobiliário é o mais cobiçado pelos bancos, pela garantia real e pela fidelização do cliente por muitos anos.

Para Gilberto de Abreu, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), essa cautela é normal, diante dos riscos que a nova modalidade traz. “O mercado vai se criar aos poucos, os bancos devem procurar financiar uma parcela menor do valor do imóvel (o chamado Loan to Value) e direcionar essas linhas para casos mais específicos, como clientes que querem quitar o crédito em prazos mais curtos e que podem se beneficiar de juros menores correndo riscos menores”, diz.

Nova opção para bancos e compradores

O importante, afirma, é que há uma nova opção para o comprador, para o banco e para os investidores, o que dá mais flexibilidade e cria alternativas além da TR e dos recursos da poupança para o mercado. Essa é a grande vantagem da correção pelo IPCA, permitir que bancos e outras empresas lancem papéis corrigidos pelo indexador e levantem recursos no mercado para financiar a casa própria sem depender da poupança, destaca Abreu. Hoje, os recursos são limitados, pois o SFH só pode usar recursos das cadernetas, o que restringe o crédito aos grandes bancos de varejo. “Mas não vai ser um cavalo de pau, não vão todos os bancos puxar o cliente para o IPCA antes de ter segurança de um cenário econômico mais estável, com inflação sob controle”, diz.

Passado condena a indexação

A cautela dos bancos é explicada pelos exemplos de indexação à inflação do passado, que causam pesadelos nos executivos mais antigos do setor. Até a criação da TR, em janeiro de 1991, tanto os empréstimos imobiliários quanto a caderneta de poupança, de onde vem os recursos para os financiamentos do SFH, eram corrigidos por índices de inflação, como o IPCA, mais juros de 6% ao ano.

E a experiência não foi boa, considerando a instabilidade da inflação no Brasil, que chegou a 80% ao mês no fim dos anos 1980, uma situação que tornou impossível o pagamento das dívidas, já que os salários nunca acompanhavam as prestações e o saldo devedor no mesmo ritmo.

Para contornar essa situação, houve várias intervenções de diversos governos nos contratos, para reduzir o impacto da disparada da inflação, congelando prestações ou reduzindo a correção monetária. Com isso, os reajustes da prestação da casa própria passaram a seguir a correção dos salários, subindo de escada, limitados ainda a uma parcela dos rendimentos. Já o saldo devedor continuava subindo de elevador, agarrado à inflação galopante.

FCVS e rombo de R$ 93 bilhões

O resultado foi o fim do Banco Nacional da Habitação (BNH) e a explosão do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), que surgiu em 1967 para compensar os bancos pelo descasamento entre a correção das prestações e o salário dos mutuários. O FCVS deveria cobrir o saldo devedor que faltasse no fim dos contratos, que deveria ser um valor pequeno. Mas, com o descasamento entre a prestação e o saldo devedor, o resultado foi um rombo nas contas dos bancos, transferido para o FCVS e, depois, para o Tesouro Nacional, da ordem de US$ 23,4 bilhões, ou cerca de R$ 93 bilhões.

TR foi criada para desindexar a caderneta

A TR foi criada justamente no Plano Collor 2 para desvincular a poupança e o crédito imobiliário da inflação passada, numa tentativa de desindexar a economia e evitar que a correção monetária antiga contaminasse os preços depois dos congelamentos. A TR tem como base a média dos juros dos títulos que os bancos vendem a seus investidores, os CDBs, menos um redutor equivalente aos juros reais. O que sobraria seria, portanto, a projeção de inflação do mercado, e não a inflação passada. A TR apontaria, assim, a inflação adiante, depois do plano econômico, e não mais a inflação já ocorrida e mais alta.

Libor do mercado brasileiro

A ideia era que a TR fosse uma taxa de juros referencial do mercado, como é a Libor na Europa ou a Prime Rate nos Estados Unidos. Mas, com um cálculo muito complexo e limitado a poucos grandes bancos, acabou não tendo grande sucesso, tanto que é usada hoje apenas para a poupança e o crédito imobiliário do SFH. Mas isso limita os recursos que podem ser usados, pois os investidores não querem comprar papéis corrigidos pela TR, e se interessam mais pelo IPCA.

S&P alerta para instabilidade política e econômica

O receio dos bancos com a reindexação do crédito imobiliário é compartilhado pela agência de avaliação de risco Standard & Poor’s (S&P). Em relatório, a agência diz que a autorização para usar o IPCA nos financiamentos populares tornará o mercado brasileiro de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) mais viável e expandirá o crédito disponível para a compra de imóveis residenciais.

No entanto, alerta a S&P, se o crescimento do crédito imobiliário corrigido pela inflação for muito rápido, representará riscos para o mercado, dada a alta volatilidade do ambiente econômico e político do país, que pode fazer a inflação disparar e comprometer a capacidade de pagamento dos mutuários.

IPCA de 10% em 2015

Nos últimos 20 anos, lembra a S&P, o IPCA teve uma volatilidade muito maior do que a TR estabelecida pelo Banco Central. Embora a inflação no Brasil tenha permanecido abaixo da meta estabelecida pelo BC nos últimos três anos, o índice nem sempre se comportou como esperado, como em 2015, quando ultrapassou 10%, lembra a agência. “É difícil de prever como a inflação se comportará ao longo da vigência de um financiamento imobiliário residencial, de 20, 30 anos, especialmente em um país com uma dinâmica política fluida como o Brasil”, alerta a S&P.

Direito de devolver a chave se a dívida superar o valor do imóvel

Há ainda o direito limitado de regresso dos credores, que é quando o devedor tem obrigação de pagar o saldo remanescente da dívida se o valor de venda do imóvel não for suficiente para pagar todo o saldo devedor. Em mercados de direito limitado de regresso, como no Brasil e nos EUA, um devedor pode ser incentivado a simplesmente entregar as chaves se a dívida disparar e ele tiver pago poucas prestações ou se a dívida ficar muito maior que o valor do imóvel, diz a S&P. Os bancos ficariam então com um estoque de imóveis de valor menor e sem receber o saldo devedor. E esse risco deverá ser incluído nas taxas de juros cobradas dos novos mutuários que aceitarem o IPCA.

Benefícios superam riscos

Abreu, da Abecip, reconhece todos esses riscos, mas ainda assim considera a liberação do IPCA como benéfica. Ele lembra que um dos grandes dilemas do mercado é que o SFH, linha mais popular, depende basicamente de duas fontes de recursos, a poupança e o FGTS. As Letras de Crédito Imobiliário (LCI), emitidas pelos bancos e as Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) já têm características de mercado, com correção pela inflação mais juros ou pelo juro do CDI, mas são usadas em empréstimos fora do SFH, que já permitiam outras formas de correção. “O grande dilema é como acessar fontes de recursos para financiar o mercado, pois se ficarmos dependendo só do FGTS e poupança, que são limitados, fatalmente vamos ter escassez de recursos, especialmente em um ambiente de juros mais baixos, com possibilidade viável de financiar mais clientes”, diz.

Com o IPCA, o mercado vai funcionar como todos os outros do mundo, com taxas de mercado, observa Abreu. “Hoje, com a TR, definida pelo BC, há embutido no SFH um hedge, uma proteção”, diz. Mas, no mundo inteiro, os financiamentos são indexados ao juro de mercado, como a Libor, que é uma taxa flutuante, e mais alguma taxa adicional.

Preço dos imóveis perde para a inflação

E o cliente sabe a regra do jogo, que os juros, o nível de gastos do governo, o déficit público, a inflação, tudo isso de alguma maneira vai impactar o custo da hipoteca. “Mas, em um pais com tradição de descontrole e inflação alta, o próprio banco pode ter medo”, afirma Abreu. O grande risco é uma subida da inflação, um descolamento que aumente a dívida, enquanto o valor do bem não acompanha essa alta. “É o caso do mercado atual, o valor nominal dos imóveis está constante há cinco anos e a inflação acumulada é de 25%”, estima. “O risco é esse, a dívida andar, o preço do imóvel não anda, o devedor não consegue honrar a parcela e não quita a dívida e problema fica com o banco”, explica.

Fé na estabilidade vai definir avanço do IPCA

Por isso, Abreu acredita que o dilema hoje para a adoção do IPCA nos contratos imobiliários é acreditar ou não que o juro e a inflação vão continuar baixos. E o mercado imobiliário, ao acessar o mercado financeiro, vai incluir esses riscos nas taxas e custos para quem aplica nos papéis e para quem vai tomar o financiamento. “Se todos acreditarem que a economia vai andar e a inflação vai continuar controlada, esses riscos serão menores e o custo também”, diz. “Vejo com bons olhos porque a tendência é ter mais inovação, competição”, afirma.

Financiado passa a ser fiscal das contas públicas

A indexação também deve criar, a médio e longo prazo, uma cultura de disciplina diferente, acredita Abreu. “Criaremos um mercado de pessoas com financiamento indexado à inflação que passam a ser zeladoras do nosso gasto público”, afirma. “Qualquer descontrole do governo, o primeiro lugar que vai bater é no bolso do eleitor, e isso pode criar uma disciplina de a sociedade fiscalizar o governo e exigir mudanças não só na eleição, mas antes, pois a conta chega antes, o mercado se antecipa se percebe que o governo está indo mal e o juro sobe”, diz.

Muita calma com o IPCA

A substituição da TR pelo IPCA, portando, será gradual, acredita o presidente da Abecip. “Um dia isso deveria acontecer, só não se deve ter pressa, pois a TR ainda tem papel interessante, principalmente enquanto não se mexer com a correção da poupança”, explica. Mas, à medida que o país for dando passos para a estabilidade macroeconômica, todas as coisas criadas nos anos 1980 e 1990, artifícios para combater a inflação alta, para criar bolsões de dinheiro barato em uma economia desorganizada, como a TR, tendem a desaparecer.

Recurso da poupança vai ficando escasso

O espaço para crescimento da carteira de crédito dos bancos com recursos da poupança, porém, vai ficando limitado, alerta Abreu. “No todo, os recursos da poupança já estão consumidos, mas tem banco que está acima da exigibilidade e outros que estão abaixo e estão se enquadrando e emprestando mais”, diz. Por isso é importante ter a opção de captar mais recursos no mercado com o mesmo indexador do crédito imobiliário. “O banco poderia fazer um swap para captar em IPCA e emprestar em TR, mas aí o custo ficaria mais alto”, explica.

Sistema permite reciclar o dinheiro emprestado

Já havia no mercado um movimento de aumento de interesse por parte dos investidores em títulos com lastro imobiliário indexados ao IPCA, afirma Rafael Sasso,, cofundador da empresa de crédito e serviços Melhortaxa. Com a decisão da Caixa Econômica de oferecer linhas permitindo a indexação do IPCA atrelada aos títulos de crédito imobiliário, o banco será capaz de “reciclar” o capital emprestado, ao lançar papéis com garantia nos empréstimos já feitos, a chamada securitização, que serão comprados por investidores, atraindo e aumentando os recursos para crédito imobiliário.

“O importante é que isso garante um retorno real para os investidores, pois o IPCA protege da inflação”, diz Sasso. Não há essa garantia com a TR.

Financiado terá de avaliar com cuidado a alternativa

Já para o tomador de crédito, a nova modalidade de empréstimo pode ser melhor ou pior, dependendo de vários fatores, incluindo o perfil do tomador, a sua capacidade de renda e a exposição ao risco da variação do índice que corrige a dívida, afirma Sasso. “O mais importante é comparar as várias ofertas de bancos com calma e planejamento, pois o crédito imobiliário é a maior e mais longa operação financeira na vida de uma família, com uma dívida que pode chegar a mais de 30 anos”, lembra o executivo.

Bancos também serão mais cautelosos

Os bancos também devem ser cautelosos ao emprestar com a correção pelo IPCA, avalia Sasso. A nova modalidade da Caixa atrelada à inflação, por exemplo, permite um comprometimento de renda com as prestações menor, no máximo 20% da renda familiar, menos do que os 30% a 35% da linha com TR, justamente para dar uma margem de manobra para esse risco adicional da alta da inflação, explica Sasso. Isso limitará o universo de potenciais tomadores, pois exigirá rendas maiores ou valores menores de empréstimo para se ajustar à renda do financiado.

Poupança para acompanhar a inflação

A sugestão de Sasso é que esses 10% da renda que não serão usados na prestação (a diferença entre os 20% do IPCA e os 30% da TR) sejam destinados a uma poupança, uma reserva também aplicada em IPCA, para cobrir uma eventualidade de alta da inflação ou até, futuramente, para ir amortizando mais rapidamente a dívida, acrescenta.

Pequenos devem se beneficiar

A mudança agrada especialmente as empresas menores que atuam com crédito imobiliário. “Haverá um mercado de crédito imobiliário antes e outro depois da mudança”, diz Luiz Pedro Albornoz, diretor-executivo da Bari Promotora. Segundo ele, o financiamento vinculado à TR traz pouca atratividade para o investidor que queira comprar papéis ligados a crédito imobiliário. Já a vinculação à inflação torna o papel mais atrativo, diminui o risco para o investidor e a dependência do mercado dos bancos que trabalham com poupança como funding para financiamento imobiliário.

Ele admite, porém, que a possibilidade de elevação da inflação para o tomador é um ponto de atenção. “Mas, para o mercado, há muito mais ganhos do que riscos.”

Tomador precisa entender funcionamento do crédito

Já Samir Reis, gerente de crédito da Bcredi, alerta que o interessado precisa ficar de olho no custo que o mercado vai ofertar nas novas linhas com IPCA e entender seu funcionamento. “Por mais que falemos de taxas, o tomador precisa saber se as parcelas vão caber dentro do salário dele”, diz. Por isso, é importante haver educação financeira e informação para que o cliente saiba exatamente que tipo de financiamento e a que taxa está tomando os recursos. “Mas acredito que haverá uma boa movimentação financeira e o Brasil precisa disso para crescer e gerar empregos.”

TR está zerada desde o ano passado

O grande atrativo da nova linha pelo IPCA é a possibilidade de cobrar juros menores nos empréstimos que os atuais pela TR. Mas essa vantagem dependerá de como o IPCA vai se comportar. Nos últimos anos, a inflação do IPCA tem ficado acima da TR, que está zerada desde 2018. E há também uma oscilação forte da inflação, especialmente em 2015. Mas, nos últimos dois anos, o IPCA tem reduzido sua oscilação, conforme mostram os gráficos abaixo.

Vantagens para o crédito com IPCA

Simulação do site Melhortaxa indica também vantagem para o crédito com IPCA. Considerando um empréstimo de R$ 500 mil por 10 anos e um devedor de 35 anos, usando a TR mais juros de 8,5%, a prestação, já incluindo seguro e tarifas, seria de R$ 4.971,51. O mesmo valor no mesmo prazo, com correção pelo IPCA mais juros de 2,95% ao ano, resultaria em uma parcela de R$ 4.061,64, considerando uma inflação de 3,22% ao ano. Se o juro for de 3,95%, a prestação subiria para R$ 4.454,36 e, com 4,95%, a mensalidade com IPCA seria de R$ 4,843,74, ainda assim abaixo do valor pela TR. Mas tudo isso com uma inflação estável, que é hoje uma das mais baixas da história.

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