O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu hoje, por unanimidade, inocentar o ex-presidente da fabricante de alicates e tesouras Mundial Michael Ceitlin das acusações de informação privilegiada e manipulação de mercado no caso envolvendo a forte especulação com papéis da empresa, que ficou conhecido como Bolha do Alicate. No mesmo julgamento, o TRF4 inocentou o agente autônomo Rafael Ferri por uso de informação privilegiada e enviou de volta para a primeira instância a ação contra ele por manipulação de mercado. Ferri terá direito agora a uma proposta de acordo para encerrar a ação, explica o advogado do agente autônomo, Márcio Paixão.
Se o acordo for aceito por Ferri, a ação será arquivado e ele não terá nenhuma condenação. Já se não aceitar o acordo, Ferri terá o recurso da condenação em primeira instância por manipulação de mercado julgado. “Mas o fato de Ceitlin, que respondia ao processo de manipulação juntamente com Ferri, já ter sido inocentado enfraquece a acusação”, acredita Paixão.
O advogado explica que, para ter direito ao acordo, o envolvido não pode sofrer mais de uma acusação com penas que não ultrapassem a um ano de prisão. No caso de Ferri, ele respondia a uma ação penal contendo duas acusações. Como Ferri foi inocentado de uma das acusações, ele passou a ter direito ao acordo, o que faz a ação voltar para a primeira instância. Ceitlin foi julgado nas duas ações porque havia se manifestado antes contra um acordo. Paixão diz que vai analisar a proposta de acordo, mas acha que a tendência é pela rejeição e pela opção pelo julgamento. “Vamos provar que as acusações de manipulação são infundadas e que o uso dos robôs por Ferri não foi irregular”, diz.
Condenação ocorreu em 2016
Em novembro de 2016, a 7ª Vara Federal de Porto Alegre condenou à prisão por manipulação de mercado Ferri e Ceitlin. As penas, porém, foram convertidas em prestação de serviços à comunidade e no pagamento de 50 salários mínimos da época dos acontecimentos. Foi a primeira condenação penal por manipulação no mercado brasileiro, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que atuou como assistente de acusação do Ministério Público Federal.
Ações da Mundial subiram mais de 2.000% em 11 meses
A forte especulação com os papéis da Mundial ficou conhecida como Bolha do Alicate, que fez as ações da empresa ficarem entre as mais negociadas do mercado, superando companhias tradicionais como Petrobras. As ações ordinárias da empresa chegaram a subir 2.208% entre 1º de agosto de 2010 e 20 de julho de 2011, e as preferenciais, 1.353%, de 13 de agosto de 2010 a 19 de julho de 2011, despencando logo em seguida para os valores iniciais. A alta ocorreu em meio a uma campanha de divulgação de fatos positivos pela empresa na tentativa de migrar para o Novo Mercado e a partir de um grande volume de negócios de agentes autônomos de Porto Alegre, que acabou chamando a atenção de outros especuladores, que entraram na onda e ampliaram fortemente a alta dos papéis, tentando faze-lo entrar no Índice Bovespa.
A especulação só parou quando a bolsa de valores informou que não permitiria a entrada da ação no Índice Bovespa e alertou as corretoras que financiavam os maiores especuladores do risco que corriam, o que fez com que elas cortassem as linhas de crédito e os limites dos investidores. O papel da Mundial despencou tão rapidamente quanto subira, deixando fortes prejuízos para os investidores que entrar no auge da bolha.
CVM condenou agente autônomo por manipulação
Em 8 de dezembro de 2016, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou Ferri por manipulação de mercado. Ferri foi suspenso da atividade de agente autônomo por cinco anos e de atuar direta ou indiretamente em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários.
A CVM inocentou Ferri, porém, das acusações de uso de informação privilegiada. Também foram inocentados da acusação de quebra de sigilo e manipulação de ações Michel Ceitlin e os executivos de mercado Pedro Barin Calvete, Diego Buaes Boeira, Eduardo Vargas Haas, Marco Beltrão Stein, Rafael Danton Weber Toro, Guilherme Anderson Weber Toro, Paulo Borba Moglia e Jorge Hund Júnior.
Conselhinho confirmou decisão da CVM, mas defesa entrou com embargo
A decisão do Colegiado da CVM foi confirmada pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeira, o Conselhinho, mas a defesa de Ferri entrou com um pedido preliminar de nulidade, alegando que a decisão judicial exigia compartilhamento das provas entre CVM e a ação penal. Uma semana antes do julgamento do Conselhinho o processo na Justiça foi cindido entre uma ação que envolvia outros agentes autônomos na Justiça federal e outro só para Ceitlin e Rafael. E uma semana antes houve uma audiência só com os agentes autônomos. A defesa de Ferri reuniu os depoimentos e os enviou para o Conselhinho, mas o material foi devolvido pelo relator. Por isso, a defesa entrou com embargo de declaração, que está sob análise da presidência do Conselhinho.
Investigações da CVM
Os processos contra Ferri e Ceitlin têm por base as investigações da CVM que resultaram na condenação por manipulação. Segundo a CVM, analisando as operações com ações da Mundial entre 10 de maio de 2010 e 26 de julho de 2011, os investigadores identificaram o que seria um conjunto de operações com características de manipulação de mercado e negociação com uso de informação privilegiada, realizadas por um grupo de investidores capitaneados por Ferri, e que manteria estreitas ligações com Ceitlin. O diretor da CVM e relator do caso, Roberto Tadeu, porém, só acompanhou o entendimento da área técnica sobre a conduta atribuída a Ferri com relação à manipulação do preço das ações de emissão da Mundial.
Já a defesa de Ferri rebateu as acusações da CVM, de que o agente autônomo teria realizado um grande número de negócios de compra de ações da Mundial em lotes mínimos, o que estimularia a artificialidade na alta da cotação e que determinadas operações teriam sido realizadas com o intuito de minar a força vendedora do papel no mercado. A CVM afirma também que ele influenciava outras pessoas a adquirirem essas ações e disseminava informações positivas sobre os resultados da companhia.
Segundo Márcio Paixão, Ferri nunca negou ter realizado compras em lotes mínimos por meio de sistemas de High Frequency Trading (robô), para obtenção de preço médio diário e redução de riscos – mas sempre com posterior venda, em lotes maiores, dos ativos comprados no mesmo dia (realização de day trade). Para a defesa, essa prática, hoje comum no mercado, não é ilícita e sequer foi capaz de alterar o processo de formação de preços dos ativos de emissão da Mundial porque as ações adquiridas por meio do uso de “robô” foram vendidas no mesmo dia, exercendo, portanto, força vendedora e influenciando na queda da cotação (e não só na alta).
Sobre o argumento de que as operações de compra de Ferri minavam a força vendedora em determinados pregões, Paixão lembra que elas decorreram de day trade, com posterior venda ao longo do dia, o que exerceria pressão de baixa.
Paixão afirma também que Ferri “não nega que sempre exteriorizou, às pessoas de seu círculo social, sua empolgação com a compra de ativos subprecificados e a venda de ações sobrevalorizadas, quaisquer que sejam”. E cita a atuação de Ferri no Twitter. “No caso das ações emitidas pela Mundial S/A, Ferri entendia que estavam subprecificadas (a companhia lucrou 36 milhões no terceiro trimestre de 2010, e tinha o valor de mercado girando em torno de 50 milhões), e sua atuação limitou-se a seu papel de active investor, instando os diretores da companhia a melhorar a comunicação dela para com o mercado”, diz. O advogado afirma também que a CVM “não foi capaz de mencionar, até o presente momento, uma única informação inverídica ou inexata, que teria sido divulgada por Rafael Ferri a respeito da Mundial”.
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