terça, 19 de março de 2024
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Política Nacional

Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

 O Brasil e seus males

04 junho 2020 - 11h52
 O Brasil e seus males
“Temos muitos problemas, como quase todos os países do mundo, mas insistimos em desviar o foco do que é essencial. Aceitamos, passivamente, a pauta ditada por interesses indiferentes e estranhos ao progresso e desenvolvimento da nação.” Tenho recebido várias reprimendas de amigos e de leitores, que sustentam que tenho escrito muito sobre Política e pouco sobre Economia. Afinal, esse é um portal de informação e análise econômica e é razoável, e justo, que seus usuários e seguidores queiram receber matérias desse teor com qualidade e regularidade. Mas, adianto-lhes, que por desvio de formação e de compreensão da realidade, não vai ser fácil atender, integralmente, seus desejos. Sabemos todos que a Economia, assim como a Política, coloca-se no ramo das Ciências Humanas ou Sociais, como queiram. Mas, diferentemente da maioria das ciências humanas, a Economia seria uma ciência exata, não fosse um pequeno detalhe: o ser humano. Esse detalhe faz com que seja impossível uma análise econômica, ou até mesmo uma informação, que não precise ser contextualizada no ambiente político que as tenham gerado, ou nas quais elas tenham sido discutidas. O momento político e econômico de nosso país, tão conturbado e polarizado, impõe que nos expliquemos a todo momento, sob pena de se não o fizermos, colocar em risco amizades, relações sociais, profissionais e familiares, quando não a própria reputação. Por outro lado, outro aspecto bastante presente nos dias de hoje, potencializado pelas redes sociais, é a impossibilidade ou incapacidade de muitos de fazer a distinção entre opinião e informação. Opinião, ainda que baseada em achismos, todos podem ter. Já a informação, pelo menos a de boa fé, exige conhecimento. Entrando no assunto: três são, na minha opinião, os males que afligem a economia e a sociedade brasileira. Coloco em ordem alfabética para não antecipar juízo de prioridade ou de importância: corrupção, desigualdade de renda e má gestão. Preocupa e incomoda-me que haja prevalência, entre nós, da concentração de esforços, discussões e manifestações em torno de apenas um deles. Claro que é importante e necessário o combate constante e vigoroso contra a corrupção. Nunca encontrei ninguém que fosse a favor da corrupção, nem mesmo os corruptos e corruptores que conheço. Entretanto, o que me espanta é nunca ter visto ou sido convidado para um protesto contra os corruptores. Há uma visão limitada de que a corrupção é obra exclusiva dos políticos. Persiste, também, a relativização desse tipo de crime, em função de afinidades ideológicas, fenômeno exemplificado pela existência dos “corruptos de estimação”. Enquanto isso, os corruptores, sejam eles bancos, grandes, médias e pequenas empresas ou cidadãos, exibem suas ilibadas reputações e ostentam um falso moralismo, que não resistem a qualquer verificação mais séria. Discutir a desigualdade de renda é coisa de teóricos ou do “chato” do Suplicy. Nunca vi uma discussão sobre o tema em redes sociais, que não fossem repletas de preconceito e desinformação. Até há pouquíssimo tempo, Bolsa Família era encosto para vagabundos, que dispensavam empregos de carteira assinada para continuar recebendo o “polpudo” subsídio do Governo. Cotas em universidades eram “privilégios”. Cotas para deficientes em empresas era paternalismo, que impedia a produtividade. Diferenças salariais entre os gêneros era “mimimi”. Usei o verbo no tempo passado para escapar das pedradas que virão, porque diante da pandemia, todos se tornaram, subitamente, solidários e ardorosos defensores, enquanto beneficiários, do auxílio emergencial; descobriram que o maior valor do BF ─ pago para famílias com mais filhos menores ─ não passa de R$ 250,00. A média, agora todos sabem, não chega a R$ 150,00. Quando se fala de subsídios aos mais pobres, não há nem mesmo a hipocrisia do combate seletivo à corrupção. Muita gente é absolutamente contrária, sem qualquer pudor. Bradam a meritocracia como motivo para abolir “cotas e privilégios”. Qual meritocracia? Como exigir que um garoto nascido numa favela possa competir, apenas com seu esforço, com outro nascido aqui nas cercanias do Parque Buenos Aires, filho de uma médica e de um engenheiro, com matrícula pré agendada desde o nascimento no Dante Alighieri? ”Ah, mas o Pelé, o Neymar e o Silvio Santos nasceram pobres.” “Eu sei, cara-pálida, mas não sei jogar futebol, cantar, nem empreender. Você poderia me dar uma escola decente? Alimentação saudável na primeira infância? Saúde publica desde o pré-natal? Não. Então: perdeu, playboy.” É o que nos resta. E a gestão? Um tema que eu deveria conhecer dado os meus quarenta anos de vivência na iniciativa privada e algum tempo, também, estudando Gestão de Políticas Públicas. Entretanto, apesar de já ter lido algumas centenas de livros e quantidade muito maior de artigos em revistas e jornais, nunca li um livro sobre gestão ou administração disso ou daquilo ─ nem de autoajuda ─, exceto trechos exigidos pelos professores na faculdade, ainda assim apenas o suficiente para a nota C. Ouvi falar de Peter Drucker, Michael Porter, P. Kotter, Warren Bennis, mas nunca os levei muito a sério, Jack Welch, para mim, era apenas um engenheiro que sabia escrever, o que não é pouca coisa. Passei ao largo dos modismos da Reengenharia, do Lean Manufacturing, do Balance Score Card, do Dialogue Employee e do Goal Agreement.  Desde a primitiva reengenharia, do início dos anos 90, em conversas e entrevistas com dezenas de jovens consultores externos, graduados nas melhores universidades, percebi que o objetivo era o mesmo do guarda livros, técnico em Contabilidade, da quitanda do meu tio: cortar custos. Atendia-os em seus desejos, cortava o cafezinho, demitia um ou outro colaborador, até que chegou o meu dia. Mas, aí eu já era velho. Do alto dessa ignorância, proclamo: a má gestão é muito mais perniciosa e dispendiosa para o Brasil do que a mais deslavada corrupção. Considerados o Petrolão, o Mensalão, os anões do Orçamento, a turma do Collor, os maus hábitos do velho Adhemar, de Quércia, de Maluf, de Cabral e do Aécio, os filhos dos presidentes ignorantes ─ e dos cultos, também ─, os presidentes e diretores das quinhentas estatais de Geisel, as comissões dos embaixadores que buscavam empréstimos em Londres e Paris nos anos 80, corruptos federais, estaduais e municipais, civis e militares, de esquerda, de centro e de direita, somada toda essa gente roubou algo em torno de 100 bilhões de dólares nos últimos 50 ou 70 anos, o que é absurdamente escandaloso, mas não é, nem de longe, o nosso maior custo.. Pois bem, por baixo, considerado apenas o custo da burocracia, das obras inacabadas,  compras mal feitas, excesso de funcionários públicos e seus benefícios legais, nomeações de incompetentes, decisões estratégicas equivocadas, falta de prioridades, o descaso com a Educação e a Saúde e tantos outros inumeráveis problemas de gestão ─ excluída a corrupção, notem ─ a perda anual chega a conservadores 10% do PIB, ou seja, a cada ano jogamos fora 180 bilhões de dólares (valores de 2019). Então, não está na hora de colocarmos a boa gestão publica como prioridade nacional? Ou vamos continuar gritando contra os corruptos e enriquecendo os corruptores? Se a próxima campanha presidencial não discutir, também, gestão pública e desigualdade de renda, melhor devolver Pindorama á nobre gente lusitana.