Ontem (4), em uma Super Quarta, o brasileiro Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), e o norte-americano FOMC (sigla em inglês para Comitê Federal de Mercado Aberto), do Federal Reserve (Fed), anunciaram suas decisões em relação à trajetória dos juros nos dois países.
Nos EUA, o Federal Reserve aumentou sua taxa de juros em até 0,5 p.p., para 0,75%-1% – seu maior aumento único em 20 anos para conter a inflação histórica de uma alta de 40 anos.
No Brasil, prevaleceu o consenso de mercado que esperava por uma elevação de 1 p.p. na taxa básica de juros Selic, que assim atingiu o patamar de 12,75% ao ano. Agentes do mercado financeiro também aguardam por algumas sinalizações do colegiado a respeito do fim do ciclo de alta dos juros.
Selic dentro do esperado
Fernando Marinho, gestor de crédito da Valora Investimentos, acreditava que o Copom não traria grandes surpresas em seu comunicado.
“Temos um cenário com diversos choques inflacionários que surgem do lado da oferta, com bastante volatilidade em commodities e energia. Portanto, julgamos adequada a manutenção desse indicativo de 100 bps, que, inclusive, já representa um aumento substancial de juros em uma reunião”, avalia.
“Entendemos que esse aumento representa uma continuidade da postura iniciada há mais de um ano”, complementou.
O executivo avalia que o cenário deve seguir desafiador para o mercado de ações. “As mesmas classes de ativos devem continuar se beneficiando: renda fixa pública e crédito privado”, finaliza.
Para a Órama Investimentos, a décima elevação consecutiva da taxa pode ser a penúltima do atual ciclo de aperto monetário.
O economista-chefe Alexandre Espírito Santo e a analista de macroeconomia Elisa Andrade escrevem que, como o colegiado já antevê uma nova alta de magnitude menor (0,5 p.p.), a taxa Selic chega ao patamar terminal de 13,25% a.a. em junho.
“Sem fugir do roteiro adotado há algum tempo, o Copom salientou os fatores de risco em ambas as direções, mas permaneceu dando ênfase às incertezas em relação ao lado fiscal, que comprometem as expectativas inflacionárias. Sem dúvidas é um tema importante, especialmente num ano eleitoral onde os dois candidatos que lideram as pesquisas flertam com o fim do Teto dos Gastos”, pontuaram.
EUA correm atrás do prejuízo
Segundo especialistas, o discurso reproduzido pelas autoridades monetárias norte-americanas cria uma espécie de “efeito dominó” em outras economias, sobretudo as emergentes, e até mesmo ameaçam a possibilidade de uma recessão global. Mas esse fator não se sobressai como a única causa da deterioração econômica mundial.
Os lockdowns na China ameaçam a produtividade e o crescimento do gigante asiático, enquanto a guerra entre Rússia e Ucrânia faz com que os preços de commodities no mercado internacional oscilem fortemente.
Vinicius Telló, sócio e head de offshore da gestora 051 Capital, avalia que houve uma demora do Fed em perceber que o comportamento da inflação dos EUA não era tão transitório quanto o esperado.
“Houve um primeiro movimento relacionado à Covid-19, em que foi injetado mais dinheiro na economia. Houve choques de demanda, de oferta e o suprimento da cadeia mundial de suprimentos. Essa inclusão na guerra também influencia já que commodities ligadas a energia, por exemplo, afetam os EUA. Foi um erro de diagnóstico e demoraram também para cortar os estímulos”, pontua.
O executivo afirma que o comportamento dos EUA até aqui passa a ideia de que o país está muito atrás da curva de juros.
“Eles têm que acelerar os números e a magnitude dos aumentos [de juros] para conter a inflação. Pode ser transitória, mas vai demorar um tempo até que os preços se reduzam. A cadeia de suprimentos precisa voltar a girar e que a guerra, por fim, tenha acabado. Até esses fatores acontecerem, os EUA vão sofrer com a inflação e terão que manter o ciclo de alta dos juros”, finaliza Telló.
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities, conta que, nos EUA, há cada vez mais análises de que a inflação do país chegou ao pico. Portanto, o Fed deve acompanhá-la de perto e ancorar as expectativas, para que não corram muito soltas. “É importante que o Federal Reserve consiga mostrar e ser crível o suficiente para mostrar que tem o controle da situação”, diz.
Indicadores do mercado de trabalho também são importantes para a trajetória dos juros, avalia Alves.
“Eles seguem muito apertados. Aumento de salários, aumento de horas trabalhadas… Se você passa a ver muito isso, aumenta a tendência de o Fed ser mais duro com os juros. Se os salários arrefecem, há um controle de inflação. Há uma tendência de queda de consumo e aí, consequentemente, haveria controle sem ter que jogar os juros para cima”, explica.
O que a alta dos juros causa? Como defender meus investimentos?
Os efeitos da alta devem ser imediatos. Vinicius Telló estima que as ações negociadas nas bolsas de Nova York devem sofrer com um tempo prolongado.
“O aumento de juros tem uma tendência de redução de valuation. Há uma expectativa de menor crescimento para as empresas. Com isso, deve haver uma elevação no custo de financiamento e as companhias começam a contratar dívidas mais caras”, avalia.
Telló acredita que o mercado deve ser muito marcado pela volatilidade, devido às incertezas sobre a frequência e magnitude dos aumentos de juros. “Como não se sabe a taxa terminal, vai haver inflação e volatilidade maior”, diz.
Mesmo assim, o executivo afirma que os investidores devem estar alocados em ações. “Tem sempre que seguir o que foi estabelecido junto com seu gestor ou assessor”, afirma. “Siga as recomendações de investimento. No longo prazo, haverá retornos superiores”, completa.
Em relação aos títulos dos EUA, Telló relembra as TIPS, títulos do Tesouro norte-americano protegidos contra a inflação, como uma opção defensiva nesse ambiente de liquidação. Ele conta que, em fixed income, existem boas oportunidades também em “investment grade”: bonds americanos com ótima qualidade de crédito.
“Sugiro procurar ativos que estão mais próximos do vencimento ou até mesmo por fundos que vão terceirizar essa escolha para um gestor capacitado. Me protegeria assim nesse momento volátil, de bastante incerteza”, completa.
Já Bernardo Queima, CEO da Gama Investimentos, avalia que o custo do dinheiro deve ser o principal impacto da elevação dos juros nos EUA. Na avaliação do executivo, isso tende a prejudicar o fluxo de caixa de longo prazo em benefício do fluxo de caixa de curto prazo.
“Ou seja, ativos que são pós-fixados, que tem uma duração mais curta; títulos mais curtos; e empresas que são grandes pagadoras de dividendos e fluxos de caixa relevante em prazo menor tendem a se beneficiar em detrimento de títulos longos ou ações de empresas cujo crescimento jogue o fluxo de caixa lá para frente. Esses serão os impactados”, avalia.
Embora a diversificação pareça clichê, essa recomendação segue como a melhor dica para qualquer carteira de investimentos e em qualquer hora, diz Queima. “A diversificação, sobretudo a geográfica, pode ajudar. Dado a esse problema mais agudo atravessado pelos EUA, procuraria ativos mais ligados a esse ambiente como títulos corrigidos pela inflação e commodities”, finaliza.
No portfólio da Gama Investimentos, há o fundo Acadian Global Managed Volatility, que investe em ações defensivas.
William Castro Alves relembra que ainda estão programadas para este ano mais cinco reuniões do Federal Reserve e que os juros norte-americanos podem chegar ao patamar de 3,25-3,50%.
“Eu acho que o Fed ainda vai ser duro. Deve continuar a elevar os juros e acho que pode haver aumento de mais 0,5 p.p e então não deve ser diminuído o tom do discurso para abrir espaço de magnitude de 0,25 p.p. E os comentários mais duros são os que pesam sobre as ações”, diz.
O executivo ressalta que podemos olhar para os ativos que melhor performaram no ano, já que eles mantiveram seu desempenho em meio a todos os rumores de alta.
Em geral, os ativos mais tradicionais se saíram bem. Alves diz que ações de consumo defensivo, como Coca-Cola e Walmart, empresas de tabaco, de embalagens, grocery shops têm o melhor desempenho até aqui. “São as empresas que performaram bem. Em contrapartida, ramos de tecnologia sofreram”, completa.
Como vai ser o futuro das empresas de tecnologia?
Nos últimos meses, desde que as notícias de redução de estímulos e as sinalizações de aumento de juros passaram a circular entre os agentes do mercado financeiro, as ações de tecnologia sofreram bastante nas bolsas de Nova York.
Desde o início do ano, Meta (NASDAQ:FB)(FBOK34), ex-Facebook, caiu cerca de 38%. Amazon (NASDAQ:AMZN)(AMZO34) acumula perdas de quase 30%. Netflix (NASDAQ:NFLX)(NFLX34) se desvalorizou em mais de 67%. E o brasileiro Nubank (NYSE:NU)(NUBR33), cujas ações são negociadas na Bolsa de Nova York, já perdeu em torno de 46% de seu valor de mercado desde o IPO (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) realizado em dezembro passado.
Vinicius Telló explica que esse movimento ocorre porque investidores colocam à prova a capacidade de crescimento dessas companhias no futuro.
“O valuation delas representa o que você compra hoje, que significa o que você espera que ela seja no futuro. Com a elevação dos juros, a economia fica menos aquecida e isso impacta a geração de caixa dessas empresas no futuro”, diz. “Muitas delas não têm produto testado, gastam dinheiro para crescer. Então, seu sofrimento tende a ser mais acentuado nesse cenário”, completa.
Telló acredita que boas empresas de growth sobreviverão a essa turbulência.
“Vão apanhar em curto e médio prazo, mas devem sair mais fortes. Olhe de ativo a ativo, se os produtos são sustentáveis, quais são as linhas de receita e o que desenvolvem de novidade. Como estão o endividamento e o nível de alavancagem com o aumento de juros. Empresas menores que ainda se testam, que têm ambiente competitivo ainda maior e etapas a vencer devem sofrer um pouco mais”, estima.
Já Bernardo Queima ressalta que essa penalização não ocorre exclusivamente com o setor. “Podemos ter entre as empresas de tecnologia aquelas que têm bom fluxo de caixa ou que são pagadoras de dividendos em curto prazo e elas sofrerão menos”, diz.
“Quando o Fed aumenta os juros acima do esperado pelo mercado, o mesmo desconta respectivos ativos e os trazem a ‘valor presente’ com a taxa de juros mais alta. Qualquer ativo que tenha fluxo de caixa lá na frente, vai ser mais penalizado que um ativo que já digere caixa em curto prazo”, prossegue.
Na opinião do executivo, sofrerão menos com os ajustes os investidores que buscarem estratégias relacionadas às ações com fluxo de caixa mais a curto prazo e fundos de renda fixa que privilegiam ativos pós-fixados que existem no mercado internacional ou ativos de prazos de duração menores.
William Castro Alves avalia que, já alcançado o pico da inflação – como comentam os analistas -, e se os EUA começarem a ver uma taxa de 5 a 6%, pode haver um espaço para essas empresas performarem melhor novamente. “Talvez não seja necessário aumentar tanto os juros assim. Não sei quando isso vai acontecer, mas acredito que esse cenário possa ver até no segundo semestre desse ano”, conclui.