Perspectivas do setor

ARTIGO - Mercado de seguros: para onde olhar em 2021

- Rawpixel.com/ Freepik
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*Por Gabriela Zambenedetti

No passado, os players de seguros eram totalmente fechados dentro de suas entregas, em grande parte, por causa da estrita regulamentação característica do setor, mas também pelo próprio modelo de trabalho que foi desenvolvido, com pouca colaboração e cultura de inovação limitada. Isso criou uma atuação geral bastante focada em produto e pouco voltada para a experiência, que se estende até hoje.

As oportunidades de inovação são cada vez maiores, na medida em que o mercado de seguros se abre para novas possibilidades. Com o consumidor ao centro das estratégias, o segmento se movimenta para conhecê-lo melhor e identificar novas formas de gerar valor. A seguir, falamos sobre três grandes tendências no mercado (que não são exclusivas do segmento segurador, é bom destacar), que acreditamos terem vindo para ficar.

Ecossistemas de serviços

Em 2020, a Deloitte apontou, em um de seus reports, o paradigma de serviços como uma grande tendência para o setor de seguros. Essa mudança certamente se estenderá por mais tempo e, não só aumentará a atuação das seguradoras em serviços mais comuns, como assistências, mas também trará propostas de novos serviços, como, por exemplo, pacotes relacionados à cibersegurança e a modelos preditivos.

23% é o volume de prêmio estimado que foi gerado a partir de novas propostas que não eram oferecidas até cinco anos atrás. Em quatro anos, as seguradoras esperam que esse volume cresça 33%.

Um dos desafios das seguradoras em relação à criação de uma lógica de serviços é a natureza low-touch do negócio. Ou seja, há poucas interações com os clientes ao longo de um ano e, por isso, cada uma dessas interações tem um grande valor na hora de garantir a fidelização. Além disso, segundo o World Insurance Report de 2020, uma das principais ameaças para as seguradoras mais estabelecidas é a entrada das Big Techs no mercado de seguros, que já têm DNA de inovação, cultura de serviço e que já angariou a confiança e a preferência dos consumidores em outros segmentos.

Para aumentar as possibilidades de interação e de fidelização, alguns players já estão colocando em prática estratégias de ecossistema de serviços. Se bem executadas, com garantia de boa experiência, essas estratégias podem permitir que se construam relacionamentos de longo prazo com os clientes.

No ramo auto, como exemplo, há soluções para todo o ciclo de vida do bem, com foco em tecnologia, simplicidade e personalização. No Brasil, já existem seguradoras atentas a esse movimento, ampliando para modelos de insurance as a service e on demand, assinaturas mensais e novas coberturas focadas em nichos específicos, como profissionais liberais.

Novas propostas de serviços, novos modelos de negócios e parcerias também serão impulsionados pela chegada do conceito de Open Insurance, que mudará a forma como os dados são distribuídos e consumidos no mercado. O acesso a dados, por meio de APIs abertas, permitirá um compartilhamento nunca visto antes e expandirá as possibilidades de criação de novas ofertas baseadas em big data, análise preditiva e machine learning.

Em um estudo recente, identificamos que algumas seguradoras no Brasil estão capitaneando iniciativas de open insurance, dando os seus primeiros passos, mesmo que o status ainda seja embrionário. Na medida em que órgãos reguladores abraçarem a causa do modelo de inovação aberta, a velocidade deste tema tende a se desdobrar de forma mais acentuada.

Customer Experience e Customer Loyalty

Diversos estudos indicam que custa menos reter clientes atuais do que prospectar novos clientes. Líderes em customer loyalty aumentam suas receitas cerca de 2,5x mais rápido do que seus pares.

As estratégias de customer experience (CX) promovem justamente isso, pois colocam em prática um método que conhece o cliente, olha para toda sua jornada, entende os pontos de dor e constrói oportunidades para solucioná-las e para gerar ganhos na experiência. Uma boa experiência vai levar a um relacionamento duradouro com os clientes e a recomendações que, de forma espontânea, vão gerar novos leads e novos clientes.

Hoje, o mercado segurador tradicional ainda não tem essa prática em seu core. Muitas seguradoras sequer interagem, de fato, com seus clientes, uma vez que a venda é intermediada pelo corretor e o eventual sinistro é atendido por prestadores de serviço, que geralmente são terceirizados. Esse modelo também dificulta a construção de uma base de dados (qualitativos e quantitativos) sobre os clientes capaz de responder quem são essas personas e do que precisam, de forma que permita a construção de uma proposta de valor ideal para cada perfil de cliente.

Com pressão para cortar custos e aumentar os ganhos em curto prazo, é frequente que as empresas se sintam obrigadas a diminuir serviços, impor mais taxas e se afastar da missão de fazer a melhor entrega para seus clientes. Esse pensamento a curto prazo diminui a fidelização e reduz o valor criado pelos clientes.

Empresas líderes em customer loyalty operam diferente: criam sistemas para medir a valorização dos clientes, utilizam tecnologias para facilitar a geração de valor e métodos de design thinking e organizam o negócio em torno das necessidades dos clientes. Nesse sentido, insurtechs e Big Techs se tornam grandes concorrentes não apenas no quesito tecnologia, mas em gerar bons níveis de fidelização e aumentar o valor gerado pelos clientes.

Digitalização nos seguros

A ascensão de CX tem relação direta com o aumento das interações digitais ao longo da jornada do cliente. Mesmo antes da pandemia, a demanda por uma experiência digital de ponta a ponta já era uma realidade. Hoje, o aumento do uso de dispositivos móveis por todas as gerações de consumidores, provocado pela Covid-19, empurra as seguradoras para um caminho ainda mais rápido e necessário de transformação digital.

É importante lembrar que, quando falamos em transformação digital, não nos referimos ao desenvolvimento pontual de aplicativos e plataformas. Estamos falando de uma mudança cultural que envolve a empresa como um todo, na qual a estratégia digital passa a fazer parte da estratégia corporativa.

Qualquer tecnologia que aumente a eficiência e reduza custos é muito bem-vinda. A parte de processos que envolve checagens manuais, documentações e grandes volumes de papel está entre as oportunidades de aumento de eficiência, com destaque especial para as jornadas de sinistros. Além dessas tecnologias para a automação de tarefas e processos, o foco também se estende para a experiência do colaborador que está no front ou no backstage do atendimento. É comum que esse pessoal tenha que lidar com processos e sistemas não integrados e pouco práticos, que acabam interferindo negativamente.

Por fim, os clientes estão cada vez mais dispostos a mudar de seguradora, tanto por preço quanto por qualidade, e comparam sua experiência com todos os demais serviços que consomem, não apenas com os de outras seguradoras. Portanto, as companhias que conseguirem entregar a melhor experiência possível para o cliente podem ganhar significativo market share.

As mudanças nessas dinâmicas estão acontecendo gradualmente, provocadas principalmente pela necessidade crescente de se construir estratégias de negócios que coloquem o cliente no centro e que permitam a criação de jornadas de experiência verdadeiramente digitais. Deixo, então, uma provocação: em que velocidade sua empresa está acompanhando essas novas exigências?

*Gabriela Zambenedetti é UX Researcher na ilegra, empresa global de design, inovação e software