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Haverá golpe de Estado no Brasil?

Enquanto há sinais preocupantes no campo doméstico, país encontraria resistência internacional em caso de ruptura democrática

Haverá golpe de Estado no Brasil?

“Houve um tempo, no Brasil, em que não se perguntava se haveria um golpe. A pergunta era: quando? Parece um tempo distante, mas se passaram pouco mais de cinquenta anos. Eram outros tempos, outros atores e outro cenário. Só duas coisas não mudaram: o motivo e o árbitro. O motivo continua sendo o poder, porém o ruim nesse jogo é que o árbitro tanto pode apitar quanto jogar. E não tem VAR”.  

Nas últimas semanas voltaram a aparecer nas páginas de jornais e revistas, e em conversas de políticos, a possibilidade de ocorrência, no Brasil, de um golpe de estado. Fazia muito tempo, ou seja, desde a quase “tentativa” frustrada do General Silvio Frota, em 1977, contra o então Presidente da República, o General Ernesto Geisel, que o assunto não aparecia na imprensa brasileira, principalmente devido ao comportamento profissional e apartidário que os militares mantiveram desde a redemocratização. 

A exemplar postura constitucional das Forças Armadas, desde 1985, começou a ser abalada na campanha eleitoral de 2018, com uma quantidade inédita e expressiva de candidatos oriundos do meio militar. Ainda que a Constituição Federal obrigue a passagem dos militares eleitos para a reserva, estes não deixam de ser militares e trazem consigo as ideias e convicções políticas, que nunca deixaram de ser discutidas em seu meio de origem. 

Historicamente, as Forças Armadas brasileiras sempre conviveram com diferentes facções políticas em seu interior, um fenômeno, entre vários, que deu origem aos sucessivos golpes iniciados com a Proclamação da República. Foi assim nos movimentos “revolucionários” de 1930, 1937, 1945 e 1964, nas tentativas frustradas de 1922, 1954, 1961 e 1977, assim como no contragolpe em 1955 e no golpe dentro do golpe entre dezembro de 1968 e outubro de 1969.

A intensa participação dos militares nas eleições de 2018 veio na esteira da candidatura de Jair Bolsonaro, que estava na reserva desde 1988 mas mantinha sua influência e base eleitoral entre oficiais de baixa patente no Rio de Janeiro. Ainda na campanha, JB cooptou várias lideranças militares de alta patente com seu discurso conservador e nacionalista, além de prometer maior participação de militares no Governo, a revalorização da carreira e o reequipamento das forças. 

Eleito, JB cumpriu boa parte dessas promessas, favorecendo os militares com cargos nos altos escalões das mais diversas áreas, inclusive as civis. Também trabalhou e teve sucesso em preservar os militares dos efeitos da reforma da Previdência. Mais recentemente, tem sido taxativo em salvaguardar os privilégios de seus antigos pares, e atuais colegas de governo, da futura reforma administrativa.

Os coadjuvantes

A história do Brasil, assim como da América Latina, não registra golpes de estado vitoriosos sem a participação das Forças Armadas. Por essa razão, estão voltados para elas todos os olhos e ouvidos de quem se interessa pelo assunto. No mesmo sentido, não são incomuns, em nossa história política, os autogolpes, ou seja, os movimentos, armados ou não, perpetrados por quem já está no poder com o objetivo de ampliar os próprios poderes, restringir e até mesmo eliminar qualquer tipo de oposição. O Estado Novo de Getúlio Vargas foi um caso de sucesso, porém Jânio Quadros não teve a mesma sorte. Estariam Jair Bolsonaro e militares aliados preparando o seu autogolpe?

Não existem, por ora, vestígios concretos de movimento nesse sentido. Mas convém observar o alinhamento buscado por JB com o Alto Comando Militar. No mês de março não hesitou em trocar o Ministro da Defesa, que não apoiava a politização dos quartéis, forçando com isso o pedido de demissão dos comandantes das três Armas. Substituiu-os por quadros mais próximos ao seu horizonte ideológico e mostrou comando, nas últimas semanas, ao impedir o Exército de punir um de seus quadros por clara transgressão disciplinar. Por mais de uma vez, ameaçou chamar o “seu Exército” para impedir o que denomina de restrições à liberdade individual, seja o direito de ir e vir, seja a obrigatoriedade do uso de máscaras, dentro de sua cruzada contra as medidas de isolamento e prevenção defendida pelos estados.

Tão preocupantes quanto a cooptação das Forças Armadas são, de um lado, sua aproximação com setores das polícias militares estaduais e, de outro, o armamento de civis permitido e estimulado pela flexibilização do controle de armas. Ambos os movimentos remetem a uma “venezuelização” do ambiente social e político-militar, ao estilo de Chávez e Maduro, tão combatidos pelo nosso presidente. 

A batalha bolsonarista pelo voto impresso, também, pode indicar forte disposição em contestar um eventual revés nas urnas em 2022, a exemplo do ídolo Donald Trump. A diferença, infeliz para nós, é que nossas instituições, democracia incluída, não são tão resistentes quanto às do Grande Irmão do Norte.

Entretanto, nem tudo são maus presságios no atual momento brasileiro. Apesar do indiscutível apreço de JB pelo autoritarismo, sua ojeriza à democracia e à oposição, seu horror pela liberdade dos outros e pelas seguidas manifestações de descaso e hostilidade com a Arte e a Ciência, o Brasil está longe da fragilidade institucional de alguns países. Tem peso geopolítico importante para que as grandes potências aceitem, passivamente, que se transforme numa ditadura. O Brasil não é a Bielo Rússia, nem mesmo a Turquia. Para ficar num exemplo, uma intervenção golpista explodiria o Mercosul e os sonhos de um acordo comercial com a União Europeia. Biden não interviria, é claro, mas viraria as costas. A Jair Bolsonaro restaria cair nos braços das “comunistas” Rússia e China.

Porém, a melhor notícia ainda vem daqui de dentro. Não é certo que as Forças Armadas, em sua maioria, apoiem aventuras caudilhescas. Penso que, ao contrário disso, a tendência natural é a reação dos oficiais de média patente e boa parte do generalato da ativa para conter desvarios e preservar sua instituição de anarquia e indisciplina. As Forças Armadas sabem quanto lhes custou para recuperar a moral, o prestígio e o respeito requeridos pelo seu importante papel constitucional na defesa da Pátria e, por missão, da paz, da ordem e das instituições.

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