Por Alessandro Torres*
No início desse mês de julho foi sancionada a nova lei do superendividamento, que deve beneficiar os consumidores.
Entre as mudanças, as empresas que concedem crédito no mercado – incluindo bancos, financeiras e cooperativas -, não poderão mais ofertar empréstimos com o apelo comercial “sem consulta ao SPC”, “taxa zero”, entre outros atrativos na tentativa de captar clientes necessitados por dinheiro.
Será que com essas mudanças os bancos serão prejudicados e podem quebrar? Veremos a seguir nesse artigo.
Os contratos também deverão ter mais transparência nas taxas, custo efetivo da operação e evidenciar melhor como serão os juros cobrados em caso de inadimplência.
A nova lei traz também, outras medidas que beneficiarão os tomadores de crédito, incluindo condições mais justas de quem negocia um empréstimo, garantia do mínimo existencial, fim do assédio e pressão ao cliente e, também, uma espécie de recuperação judicial da pessoa física devedora, assim como acontece com as empresas.
Segundo dados recentes da Confederação Nacional de Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) referente ao primeiro semestre de 2021, o índice de famílias inadimplentes no Brasil chegou a 69,7%. Isso significa que a cada 10 famílias, praticamente 7 não conseguem pagar suas contas em dia.
O indicador é preocupante, visto que é a maior alta dos últimos 11 anos, segundo dados históricos. A crise econômica desencadeada pela pandemia contribuiu para o aumento da inadimplência no país, porém, vale ressaltar que, antes da pandemia, o índice já estava num patamar de 62%, tão alto quanto os dias atuais.
A primeira reflexão que fica então é: será que a culpa do endividamento e inadimplência no país é somente da pandemia ou da falta de educação financeira das famílias? Outro ponto é: será que os bancos são os vilões dos tomadores de crédito?
Se existe tanta gente sem conseguir pagar as contas – mais de 60 milhões de brasileiros -, como os bancos podem ter sustentabilidade financeira já que boa parte da remuneração das instituições é baseada nos juros de quem paga regularmente as operações de crédito?
A inadimplência não é boa para ninguém no mercado. Todos acabam se prejudicando, incluindo os bancos, agentes de crédito, comércio, prestadores de serviços e o próprio devedor, que é afetado com problemas financeiros e psicológicos decorrentes da desonra dos seus compromissos com a empresa que lhe concedeu o crédito.
A maior parte das pessoas critica os juros cobrados pelos bancos, mas será que então, as instituições que oferecem crédito no mercado não deveriam existir ou teriam que cobrar uma taxa bem pequena dos empréstimos, praticamente uma tarifa social?
Digamos que 10 pessoas pegaram empréstimos do banco ABCD com uma taxa baixa, de 0,5% de juros ao mês. Apesar da taxa reduzida que ajudou os clientes naquele momento, 6 das 10 pessoas se descontrolaram e não conseguiram pagar suas parcelas em dia e com isso, se tornam inadimplentes do banco. Com isso, a instituição financeira tomou um prejuízo de 6 operações e teria lucro em apenas 4 empréstimos. Você acha que esse banco conseguiria sobreviver assim? É claro que não, quebraria na certa.
Diante desse risco de inadimplência, os bancos cobram juros maiores do que gostaríamos. É para quem paga direitinho suas parcelas, acabe compensando o prejuízo de quem não paga. Com isso, gera um equilíbrio nas finanças do banco e ele segue a vida exercendo sua função de conceder crédito no mercado, além dos demais produtos bancários, que também podem atender a necessidade dos clientes, incluindo seguros, previdência entre outros.
O sistema financeiro criticado por muitos no mercado não é tão cruel assim, como se fala por aí. De um lado, temos a parte que concede o crédito (bancos, financeiras, cooperativas) e de outro, quem obtém o crédito (pessoas que precisam de dinheiro para suprir uma necessidade ou realizar um sonho de forma parcelada).
No meio disso, tem o Banco Central, regulando o mercado e instituições. Essa é a forma mais simples de enxergar, embora existam outros agentes que também fazem parte do processo.
Imagine se não existissem os bancos como concedentes de crédito, como ficariam as pessoas que precisam de dinheiro? Pegariam com o vizinho, agiota ou familiares? Sabemos que esse caminho não é tão benéfico assim, principalmente para as relações interpessoais. Isso sem contar que o custo do dinheiro pode sair mais caro do que um banco, quando se pega emprestado com o agiota, por exemplo.
Todos sabem também, que o agiota é um agente oculto no mercado que recebe suas dívidas por bem ou por mal e não segue muitos critérios de cobrança e diplomacia comercial. Portanto, temos que entender e respeitar o sistema financeiro tradicional antes de criticá-lo.
A nova lei do superendividamento beneficiará os consumidores e também os bancos, pois o crédito sempre existirá no mercado e se for tomado de forma consciente, com maior compromisso do cliente em pagar suas parcelas em dia, entendendo os riscos e custos de uma possível inadimplência, todos sairão ganhando e o mercado funcionará melhor.
Mas será que pegar dinheiro emprestado é tão ruim assim e devemos eliminar todas nossas dívidas? Não é bem assim. Ter dívidas é algo natural. O que devemos tomar cuidado é para que não fiquemos inadimplentes. Se tomarmos um crédito que couber no orçamento financeiro, tivermos uma reserva para imprevistos e principalmente, uma mentalidade com mais educação financeira, podemos sim, ter um endividamento saudável.
E, para encerrar, deixo aqui a recomendação de que a nova lei do superendividamento faça as pessoas terem mais consciência na obtenção e utilização do crédito no mercado, com objetivos mais específicos, principalmente para realizar sonhos e não apenas “tapar o sol” com a peneira, pegando um empréstimo para cobrir outro empréstimo. Fica a dica e que o mercado entenda que todos os setores são importantes para a economia, incluindo os bancos também.
Na minha opinião, acredito que os bancos desempenham um papel importante no mercado que deve ser melhor entendido e menos criticado. A educação financeira mostra que não devemos fugir das dívidas, mas saber gerenciá-las. O endividamento saudável pode ser benéfico para toda a economia e, também, para nosso bolso e realização dos nossos sonhos.
*Alessandro Torres é especialista em Gestão de Investimentos e Educação Financeira Unoeste/DSOP, vice-presidente da ABEFIN (Associação Brasileira de Educadores Financeiros), empreendedor e investidor.
Com informações de ABEFIN.