Já imaginou o fim do envio de currículos por e-mail? Pois bem, isso está mais próximo do que você imagina. Foi-se o tempo em que ter inglês fluente, MBA e experiência profissional eram os principais pontos a serem analisados. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor em setembro de 2020, trouxe, além do necessário panorama de privacidade no contexto brasileiro, uma nova perspectiva sobre a relação das empresas com os dados das pessoas físicas a que elas têm acesso.
Está errado quem pensa que os dados pessoais tratados pelas empresas são apenas de seus clientes. Uma das principais fontes de coleta de dados pessoais de qualquer organização é por meio do recebimento de currículos de candidatos. Nome, endereço, e-mail e telefone são alguns exemplos de dados pessoais (conforme determina o artigo 5º, inciso I da LGPD) possíveis de se encontrar nesse tipo de documento.
Portanto, receber currículos é tratar conteúdo de cunho pessoal, ou seja, é incumbir-se do dever de fornecer uma abordagem jurídica e de segurança da informação adequada.
De forma prática, a LGPD obriga que todas as atividades que envolvam dados de pessoas físicas recebam dois tipos de atenção: o primeiro diz respeito à segurança da informação. Esses dados deverão trafegar por ambientes seguros, ser acessados apenas por colaboradores autorizados e ter um fluxo validado por profissionais de tecnologia ou segurança da informação. Em segundo lugar, os fluxos que envolvem o tratamento de dados de pessoas físicas deverão ter uma justificativa legal – baseada nas dez possibilidades elencadas pelo artigo 7º da Lei n° 13.709.
“Quando falamos em LGPD e proteção de dados pessoais, não falamos simplesmente de dados e sim de pessoas e vidas. Um currículo é a porta de entrada para que uma pessoa se estabeleça profissionalmente e mude o rumo de sua vida, e este documento possui inúmeras informações que se compartilhadas ou descartadas inadequadamente podem gerar impactos muito positivos ou muito negativos”, explica Karolyne Utomi, especialista em Direito Digital e LGPD, sócia da KR Advogados.
“Da mesma forma que alguns dados pessoais sensíveis ou não que constam em um currículo podem ter a intenção de inclusão e promoção à diversidade, com por exemplo: gênero, raça, cor ou endereço, caso este documento seja descartado, compartilhado ou exposto sem considerar os ditames da LGPD pode ocasionar o resultado oposto e gerar mais discriminação àquela pessoa que já faz parte dos excluídos”, completa.
Na esfera trabalhista não são incomuns demandas originadas a partir do envio de um currículo, e atualmente, já não é mais interessante para nenhum dos lados os currículos enviados por papel, seja por gerar documentos físicos desnecessários, seja pela facilidade de análise das informações e destinação.
Contudo é importante que de um lado, o candidato se atente a fornecer apenas as informações que são solicitadas pela empresa, ou aquelas que ele entende serem úteis para um primeiro contato, sem exagero na quantidade de informações, e por outro lado, a empresa que abre vagas de emprego precisa coletar apenas os dados estritamente necessários para aquela ocasião.
Segundo Felipe Ferrari Hacomar, da DASA Advogados, é meramente impossível que uma empresa consiga proibir ou controlar a chegada de currículos via e-mail.
“Porém, tratando-se da responsabilidade perante essas informações e da relação candidato e empresa, esta última deve ter uma política interna básica de como lidará com esta questão de forma clara, pois há a necessidade de ter cuidados e atenção não só perante seus funcionários já contratados, como também com os candidatos a vagas de emprego”, explica o especialista.
Assim, sob o aspecto jurídico, espera-se que os Departamentos de Recursos Humanos entendam que o recebimento de currículos se trata de coleta de dados pessoais sujeita à regulação e que informem sobre esse procedimento aos candidatos que desejem candidatar-se às vagas disponíveis.
Na AP Interactive, empresa que está se adequando a essa nova realidade, o recebimento de currículos passa por uma transformação digital e cultural. Uma série de medidas foram implementadas.
“Proveremos aos candidatos algumas opções, como uma área específica em nosso site para cadastro e armazenamento de seus dados em área segura, parcerias com plataformas especializadas em currículos e utilização de ferramentas corporativas específicas, como o LinkedIn”, comenta Dario Gargaglione, CEO da AP Interactive.
“Dessa maneira, entendemos que a transição ocorrerá de forma organizada e transparente, tanto para o candidato quanto para nosso time de recrutamento e seleção, dado que tanto as plataformas citadas quanto nosso site terão as informações dos candidatos seguras e organizadas especificamente para consulta e eventual contato para entrevistas. Vemos com muito bons olhos essa nova era do tratamento dos dados pessoais, pois no fim é sempre sobre respeito”, completa Gargaglione.
Exposto tudo isso, é importante que sejam destacados os seguintes pontos: em primeiro lugar, com relação aos princípios da LGPD, é preciso informar aos candidatos o propósito específico da coleta, ou seja, se o currículo será simplesmente salvo e consultado para fins de recrutamento ou se outras áreas da empresa (ex. marketing) também farão uso das informações lá dispostas.
Em segundo, sobre o fluxo do tratamento, ou seja, por quanto tempo o currículo será salvo no banco de talentos. Nesse caso, ser transparente com o titular de dados pessoais, além de ser uma obrigação legal, é também um valor com o qual muitas empresas querem construir um posicionamento.
*Com informações da ARC Assessoria