Por Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito, da Reuters -Um grupo de juristas apontou, em parecer entregue à CPI da Covid, pelo menos sete crimes que podem ter sido cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro e membros do governo durante a pandemia, e disse que vai respaldar denúncia da comissão contra o chefe do Executivo ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
Os juristas, liderados pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, consideram que ao longo dos últimos meses o presidente cometeu crimes contra a saúde pública – de epidemia, infração de medida sanitária preventiva e charlatanismo, ao advogar pelo uso de medicamentos sem comprovação -, de incitação ao crime e prevaricação.
Além disso, outras autoridades do governo podem ser enquadrados em crimes contra a Administração Pública, estelionato, corrupção passiva, advocacia administrativa e também prevaricação.
"O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização", disse o parecer.
"Não se trata, apenas, de descumprimento de deveres por parte dos gestores públicos, mas, também, da recusa constante do conhecimento científico produzido ao longo do enfrentamento da pandemia do Covid-19".
Durante reunião virtual entre os juristas e senadores da CPI, os parlamentares foram aconselhados pelo grupo de especialistas sobre qual seria o caminho para apresentar uma acusação contra o presidente perante o TPI.
Eles receberam instruções e apoio deles, que se comprometeram a subscrever o pedido a ser encaminhado pela comissão de inquérito.
"Com honra de poder participar ao lado dos senadores dessa verdade espantosa que ocorreu no país", disse Reale Júnior, ao comentar apoio para chancelar a denúncia internacional contra Bolsonaro pela CPI.
Os juristas afirmam ainda, em relação a Bolsonaro, que o presidente, ao longo da pandemia, impôs obstáculos constantes ao cumprimento de medidas sanitárias consideradas imprescindíveis, deixou de cumprir seu dever de assumir a coordenação do combate à pandemia, atrasou a compra de vacinas e anunciou que não iria se vacinar.
"A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado da inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de ação por crime de responsabilidade", diz o parecer.
Na conversa virtual, Reale Junior afirmou ter ficado impressionado com o "conjunto da obra", destacando que o comportamento do presidente não foi de imprudência e descaso, mas que havia uma lógica.
Para ele, a tese do governo era aguardar pela chamada "imunidade de rebanho" com o uso da cloroquina –remédio para malária que teve comprovada a ineficácia contra a Covid-19– para tratar pacientes da doença, de forma a manter atividades funcionando e preterindo a compra e uso das vacinas.
"A morte era trivial, o importante era salvar a economia mesmo com um rastro de morte", disse. "Era necessário para salvar a candidatura eleitoral do presidente da República".
Responsabilizações
O documento ainda aponta a possível responsabilização de outros servidores do Ministério da Saúde, incluindo o ex-diretor de logística do ministério Roberto Ferreira Dias e a ex-secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Mayra Pinheiro.
Dias, de acordo com o parecer, pode ser enquadrado por corrupção e Mayra, por curandeirismo.
O parecer, encomendado pela CPI, deve embasar o relatório de Renan Calheiros, que tem previsão de ser apresentado no final deste mês.
Os crimes de responsabilidade apontados pelos juristas poderiam levar ao impeachment de Bolsonaro. No entanto, a decisão de abrir ou não um processo cabe ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que tem em mãos mais de 130 pedidos, mas já indicou que não pretende levar adiante nenhum deles.
Uma das sugestões que devem constar do relatório é o de mudanças na lei de impedimento de presidentes, incluindo um prazo para que seja dada resposta ao pedidos apresentados, mas os detalhes ainda não foram trabalhados pelos senadores.