Não é novidade que alguns governos recorrem ao congelamento de preços para tentar controlar a inflação no país. No dia 14 deste mês, foi noticiado que o governo da Argentina decretou o congelamento de preços de mais de 1.200 produtos por 90 dias.
A solicitação partiu de Roberto Feletti, secretário de Comércio. O governo emitiu um pedido para que as empresas estabelecessem os valores das mercadorias até 1º de outubro. Os preços fixados até esta data serão mantidos até o dia 7 de janeiro de 2022.
O governo argentino não trouxe nenhuma inovação econômica ao apostar nessa estratégia — na verdade, essa é uma medida extrema. Diversos países optaram pelo congelamento de preços para tentar controlar a inflação elevada. A própria Argentina já havia adotado essa medida outras vezes. Em menos de dez anos, essa é a terceira vez que o governo tenta frear a inflação com essa medida.
De acordo com o relatório Focus do Banco Central, a expectativa do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2021 subiu de 8,59% a 8,69% por ano. Alta do combustível, taxa Selic a 7,25% são outros dados elevados que apresentam a inflação atual do Brasil.
Até a divulgação da adoção de medida de congelamento de preços pela Argentina, o Brasil já havia adotado a medida quatro vezes, sendo o estado que mais vezes congelou preços para conter a inflação. Afinal, o Governo Federal deveria adotar a mesma medida do governo argentino para conter a inflação?
É possível frear a inflação congelando os preços?
De acordo com Mauro Rochlin, professor dos MBAs da FGV, não. Como já informado, é muito comum que a inflação atinja níveis maiores após essa estratégia. Segundo Rochlin, empresas que atuam na venda de produtos encontram maneiras de cobrar mais caro por um produto apesar da fixação no valor. Contudo, esse "drible" é permitido pela legislação.
"Um eventual congelamento de preços faria com que uma série de disfunções passassem a ocorrer na economia. O passado mostra que dificilmente as pessoas respeitam o congelamento de preços. As empresas encontram formas de burlar, de maneira legítima, o congelamento, isso porque passam a buscar os mesmos produtos sobre uma nova embalagem, às vezes com justificações mínimas, para colocar um novo produto no mercado por um novo preço", afirmou.
Além da manobra no valor dos preços de produtos, existe um fato muito comum em tempos de congelamento de preços: inflação por escassez. Com os produtos em valores baixos, a compra acaba sendo maior, o que resulta em um novo tipo de aumento de preços na economia.
"O congelamento de preços acaba estimulando a demanda das famílias. Na ilusão de que um preço congelado é mais barato, elas tendem buscar a formação de estoques na expectativa de que naquele período de congelamento, com o preço estável, que os preços podem nos descongelamento subir e a pessoa perder. O congelamento tem esse problema, acaba induzindo o consumo que, do ponto de vista da inflação, não é nada bom. Se você tem um aumento de consumo, a tendência é que o preço passe a subir", disse Rochlin.
Questionado sobre qual seria a melhor estratégia para conter a inflação, o professor disse que não existe uma forma ideal, mas ressaltou que o Banco Central segue uma estratégia inversa do congelamento de preços: deixar tudo mais caro. Desestimulando o acesso ao consumo, a expectativa é que a inflação recue.
"Difícil dizer qual é a melhor estratégia para controlar a inflação, mas vale registrar que a estratégia do Banco Central do Brasil é o aumento da taxa básica de juros. Esse aumento desestimula o consumo. O crédito mais caro vai fazer com que as pessoas não queiram ou não consigam comprar algum produto e isso desestimula o aumento de preços por parte das empresas. Se não tem consumo, teoricamente a empresa não vai aumentar o preço, então com isso você controla a inflação."
Quais foram as ocasiões que o Brasil adotou a medida?
Confira, a seguir, quais foram as ocasiões que o Brasil congelou os preços para conter a inflação.
Planos Cruzado I e II
Em fevereiro de 1986, para conter a inflação de 1985, que atingiu 242,25%, o governo de José Sarney anunciou o Plano de Estabilização Econômica (PEE), que ficou conhecido como Plano Cruzado.
Além da mudança do cruzeiro pelo cruzado, o PEE congelava a taxa de câmbio e dos preços de produtos. Como método de fiscalização, foi criado a “tabela Sunab”. Os consumidores tinham uma tabela que informava quanto os produtos deveriam custar, e caso um estabelecimento descumprisse essa fixação tinha o local interditado pelas autoridades.
Além disso, o plano formou o “gatilho salarial”. Essa estratégia corrigia os salários ao mesmo índice caso a inflação chegasse ou superasse 20% ao mês.
Com a inflação mensal a 12,72% em fevereiro, o IPCA despencou a 0,78% em abril do mesmo ano. O baixo preço nos produtos caiu nas graças do povo, já que houve um aumento no poder aquisitivo.
Contudo, o congelamento causou um desequilíbrio financeiro para os produtores, já que efetuavam a venda das mercadorias por baixo custo. Com o poder aquisitivo elevado da população através do barateamento, o resultado foi a escassez de diversos produtos no país.
Em novembro de 1986, o Brasil tinha uma inflação de 5,45%. A saída para acabar com a escassez foi a adoção do Plano Cruzado II. Nesse estágio, ocorreu o descongelamento de preços e aumento de impostos e tarifas para acabar com o rombo dos cofres do país. No final do ano em que foi adotado o Plano Cruzado, o IPCA atingiu 11,65%.
Plano Bresser
O país precisava conter a inflação de alguma maneira, e, mais uma vez, o governo de José Sarney adotou a medida de congelar os preços de produtos. Em junho de 1987 — um ano e três meses após a divulgação do Plano Cruzado — foi decretado o Plano Bresser.
O objetivo agora não era conter apenas conter a inflação, mas também apostar em um novo superávit econômico para fortalecer as reservas internacionais com o intuito de controlar a moratória da dívida externa.
Foi estabelecido pelo governo a Unidade de Referência de Preços (URP), que reajustou os valores dos produtos e salários. Se em julho de 1987 a inflação era de 19,71%, o IPCA caiu 9,21% em agosto.
Todavia, como o congelamento não foi adotado por alguns estabelecimentos e ocorreram novas determinações de valores, a inflação atingiu 14,15% em dezembro daquele ano.
Plano Verão
Em 1988, a média anual de inflação chegou a 980,22%. Para conter o alto preço dos produtos, José Sarney decretou, pela terceira vez em seu mandato, outra medida para fixação de preços. Em janeiro de 1989, surgiu o Plano Verão.
Além de congelar os preços de produtos, ocorreu outra reforma monetária no país: o cruzado foi substituído pelo novo cruzado, com o corte de três zeros na moeda.
De 37,49% em janeiro, a inflação caiu para 6,82% em março do mesmo ano. No entanto, o IPCA voltou a subir e chegou a 51,50% em dezembro de 1989. A média anual de inflação daquele ano foi de 1.972,91%
Plano Collor I e II
Fernando Collor assumiu a presidência do Brasil em 1990, sendo o primeiro presidente escolhido democraticamente em 26 anos, após o fim da Ditadura Militar. O primeiro desafio de Collor era conter a inflação, que, no começo de 1990, encontrava-se em 67,55%.
A medida adotada à contenção já era conhecida pelos brasileiros: mais uma vez, surgiu um novo congelamento de preços e salários. O Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor, também confiscou depósitos à vista e de poupança dos brasileiros, além de flexibilizar o regime cambial, abertura comercial econômica e queda da máquina administrativa do governo, decretando o fim de diversos órgãos. O resultado foi da inflação anual atingir 1.620,97%.
Mais uma vez, o Brasil encontrou-se em crise econômica e, pelo quinto ano consecutivo, foi adotado outro congelamento de preços. O Plano Collor II fixou os valores de alguns produtos e de salário, além de pôr fim às contas indexadas de curtíssimo prazo de pessoas fixas. Essa medida é popularmente conhecida como “overnight”.
A curto prazo, o problema do IPCA elevado foi solucionado com ênfase. Em abril daquele ano, a inflação caiu para 4,99%. No entanto, como nas ocasiões anteriores, o tiro saiu pela culatra. Em 1991, o IPCA terminou em mais de 20% e com a média anual de 472,69%. Em 1992, Fernando Collor sofreu impeachment.