A pandemia de Covid-19 acelerou a digitalização de vários serviços. Grandes varejistas mantiveram parte de seus ganhos por conta do e-commerce, um meio já existente que foi impulsionado por lojistas e clientes para driblar os efeitos do isolamento social.
Já bares e restaurantes foram muito afetados pelas restrições, mas as entregas por delivery, em certa medida, impediram que os prejuízos fossem ainda maiores.
No setor financeiro não foi diferente. Como as pessoas buscavam minimizar os riscos de se expor ao coronavírus, ir às agências bancárias, muitas vezes, se tornou algo inviável.
Entretanto, ainda assim foi comum ver pessoas que se amontoavam em filas na frente de unidades da Caixa Econômica Federal para sacar ou solicitar informações sobre o auxílio emergencial.
Digitalização: caminho ainda incerto para os idosos
Na esteira das transformações que a digitalização trouxe, muito impulsionada pela pandemia de coronavírus, bancos como o Inter, C6 Bank e Nubank se destacam.
Entretanto, apesar de apresentarem vertiginosos crescimentos no último ano e meio entre jovens e adultos, instituições como essas ainda têm dificuldades de acessar o público mais velho. Os idosos – pessoas acima de 60 anos – ainda lidam com certas barreiras para acessar produtos financeiros oferecidos no meio digital.
As inovações para esse público, oferecidas pelas fintechs, de cara, são muito atraentes: comodidade, menores taxas e, por consequência, até mesmo menores chances de contágio da Covid-19 já que se evita o deslocamento.
Porém, manusear os aplicativos e lidar com transações financeiras pelo celular ainda despertam muita desconfiança para as pessoas que estão acima dos 60 anos.
Segundo o estudo TIC Domicílios 2020 (Edição COVID-19 – Metodologia Adaptada), promovido pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e divulgado em agosto deste ano, 50% dos idosos entrevistados disseram acessar a internet com frequência.
Apesar de um avanço de 16 pontos percentuais ante o apurado em edição anterior da pesquisa, a média, dentre todas as faixas etárias, aponta que 81% dos brasileiros estão conectados.
E essa parcela da população não pode ser desprezada para quem quiser crescer nesse mercado.
Os idosos, hoje, representam cerca de 30 milhões da população e devem aumentar sua representatividade no total ao longo dos próximos anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dados da entidade apontam que, até o ano de 2050, o número de pessoas na faixa etária de 60 anos deve duplicar.
Mexer com dinheiro pelo celular? Só com ajuda!
O descompasso revela a necessidade de um letramento digital para os idosos. “Tudo o que eu sei mexer hoje no celular foi porque eu aprendi com os meus filhos e com o meu neto. E ainda sei pouco, esqueço algumas coisas. São muitos detalhes, daí quando eu vejo até o celular já apagou”, conta, aos risos, Maria de Lourdes Freitas, 72.
A professora, aposentada do ensino estadual do Rio de Janeiro, vive no município de Belford Roxo (RJ) e mantém atualmente duas contas: uma num banco digital e outra num banco tradicional.
“Eu tinha outras contas em outros três bancos tradicionais que eu preferi encerrar. Não movimentava nada, não era atraente. Nunca arrisquei meus investimentos, sempre fiquei só na poupança”, diz.
Ela conta que, apesar de ter os aplicativos dos dois bancos no celular, não se sente segura para relacionar transações ou até mesmo checar informações sozinha. “Eu acho muito difícil. De vez em quando chega SMS que se passa por tal banco, que diz que ganhei uma promoção ou desconto. Eu morro de medo de cair em um golpe”, relata.
Na companhia dos filhos e do neto, a aposentada diz que gosta de checar todas as funcionalidades dos aplicativos dos bancos. “Eu vejo tudo. Pix, por exemplo, eu sei fazer. Eu tenho a minha chave, entendo quais são as chaves dos outros. Eu só tenho medo mesmo de fazer tudo sozinha”, diz.
Mas resistir à tentação das ofertas dos bancos tem sido algo desafiador para Maria de Lourdes. “Dia desses chegou a mensagenzinha de que meu limite de crédito podia subir. Olha, eu fechei o aplicativo, deixei o meu filho chegar e só depois a gente viu se deveria ou não aceitar”.
Maria de Lourdes conta que não vai à agência do banco tradicional onde mantém conta aberta desde janeiro de 2020.
“Por lá entram os meus benefícios, entra tudo direitinho no começo do mês. Eu não tenho interesse nenhum em nenhuma outra proposta deles. Meus filhos vêm aqui, eu pago as minhas contas. Se eles não vêm, eu ligo e tento entrar pelo computador. Eles vão me ajudando e assim eu vou me virando”, conclui.
Como os bancos digitais se movimentam
Para driblar obstáculos atuais e atento à adesão de idosos, o Inter, por exemplo, oferece um canal de atendimento por chats e telefones exclusivos para esse público.
Durante os primeiros seis meses da pandemia de Covid-19 no Brasil, o banco chegou a estender o prazo de pagamento de faturas para pessoas acima de 60 anos em até dois meses.
No Nubank, estima-se que mais de 30 mil idosos abriram contas a cada mês desde o início do isolamento social.
Hoje, estima-se que 20% dos clientes do banco digital são pessoas com ou mais de 60 anos.
Bancos crescem na adversidade
Enquanto a pandemia se prorroga, essas empresas digitais desse mercado avançam e desafiam a relevância dos bancos tradicionais. Veja os exemplos mais recentes:
Inter, que recebeu, em maio, um aporte de R$ 2,5 bilhões da Stone, comprou a fintech norte-americana USEND, e aprovou recentemente o plano de listar suas ações na Nasdaq;
C6 Bank, que vendeu 40% de seu negócio para o J.P. Morgan;
Nubank, que, além de receber US$ 500 milhões da Berkshire Hathaway, gerida por Warren Buffett, anunciou a cantora Anitta como membro do conselho de administração e está às vésperas de seu IPO (oferta pública inicial de ações, no português) na Bolsa de Nova Iorque simultaneamente à estreia de suas BDRs aqui, no Brasil, negociadas pela B3, a bolsa de valores brasileira.