La Casa de Papel (Netflix) tem dado o que falar desde sua estreia, em 2017. A série espanhola, atualmente na sua segunda fase, prendeu a atenção de milhões de espectadores. O enredo acompanha o grupo chefiado pelo Professor (Álvaro Morte) em um plano dito impossível até então: imprimir milhões de euros na Casa da Moeda espanhola e sair ileso.
Os assaltantes não apenas são bem-sucedidos, como voltam para um segundo plano: após o sequestro de um dos membros, decidem roubar e fundir todo o ouro guardado no Banco da Espanha, o BC de lá, para negociar sua liberdade. A quarta temporada, que revela a continuidade desse plano, estrou este mês na Netflix. Mais do que uma trama de assalto, La Casa de Papel pode nos ensinar – ou confundir – sobre alguns conceitos básicos sobre economia. Nesta SpaceDica, separamos quatro lições econômicas básicas que podemos aprender com a série, para as quais contamos com a ajuda de dois especialistas no mercado de capitais: Guilherme Lisbão, analista na EOS Investimentos, e Mauriciano Cavalcante, gerente de câmbio da Ourominas.
Imprimir dinheiro aumenta a inflação
Na primeira fase, os assaltantes são guiados por Professor a invadir a Casa da Moeda. E uma das ideias da grande mente do personagem é que é muito mais justo imprimir dinheiro na instituição do que roubá-lo. A impressão de dinheiro sem aumento da produção leva a inflação, já que a moeda em si não simboliza riqueza. Isso acontece porque há mais dinheiro no mercado, mas sem aumento na oferta de bens e serviços. Com mais moeda circulando, e a mesma quantidade de produtos à disposição, eles ganham preço e o papel desvaloriza. Mas os € 984 milhões acumulados na primeira temporada de La Casa de Papel talvez não gerem uma inflação desenfreada, já que não foram distribuídos na sociedade (até a segunda fase) nem gastos na Zona do Euro — ou seja, as notas não entraram em circulação. Em exemplo de como isso funciona na vida real, temos o Brasil pré-Plano Real. O país registrou crises inflacionárias históricas porque o governo tinha permissão para imprimir moeda em caso de déficit fiscal. Além do dinheiro a mais na economia, a moeda perdia a confiança, um dos fatores que levaram à hiperinflação da primeira metade anos 1990.
O Banco Central se prepara para crises
Depois de imprimir quase € 1 bilhão na Casa da Moeda, Professor retorna com um plano ainda mais ambicioso na segunda fase de La Casa de Papel: roubar as reservas nacionais de ouro do Banco da Espanha. O papel dos bancos centrais nas economias nacionais é fundamental, já que essas instituições executam as principais políticas monetárias e cambiais do país, como controlar a quantidade de dinheiro em circulação, atuar como o “banco dos bancos”, definir a taxa de juros básica e guardar as reservas internacionais. Em um dos flashbacks de Berlin (Pedro Alonso), descobrimos que o Banco da Espanha aumentou suas reservas de ouro por influência do golpista, com temores da crise que viria. A estocagem funciona como estratégia de defesa monetária e uma das maneiras de desacelerar a inflação, controlar câmbio e agir em momentos de acentuação ou desvalorização da moeda nacional.
Como funcionam as reservas internacionais
São reservas dos bancos centrais compostas por moedas de outros países e ativos considerados seguros. Com temores da crise, o Banco da Espanha fez suas “estocagens.”
O ouro pode ser usado como base de segurança para garantir a estabilidade da moeda, já que é um ativo visto como seguro e de alta liquidez. Especialistas destacam que bancos centrais da Índia e Rússia têm investido nos seus estoques do metal, enquanto o Brasil dá preferência ao dólar dos EUA. O governo brasileiro utiliza a moeda para precificar a dívida e intervir no mercado de câmbio quanto há acentuação ou desvalorização do real. No fim, o uso do ouro e do dólar pelos bancos centrais são parecidos, como proteção de capital.
Padrão-ouro acabou há 50 anos, mas metal tem seu valor
Vale lembrar que o ouro não é dinheiro, mas uma commodity. Entre os séculos XIX e XX, o metal foi determinado como lastro de papéis-moeda, como o dólar, com os países tendo o compromisso de fixar o valor da moeda diante de uma quantidade de ouro. Uma “canetada” do presidente americano Richard Nixon em 1971 foi o suficiente para que o dólar se libertasse do lastro de vez — o padrão-ouro já perdia sentido para líderes de estado —, o que permite índices inflacionários maiores na prática e impressão de dinheiro sem rédeas. Em resumo, o Estado tem poder sobre os fluxos cambiais.