Sem crédito, as vendas se limitam à renda corrente da população, o que reduz, e muito, o consumo e, por consequência, o potencial de crescimento do PIB.
Há anos a relação crédito sobre PIB no Brasil fica ao redor de 50%, o que demonstra o potencial desse mercado. Outras economias mais desenvolvidas exibem percentuais bem acima de 100%. Nos EUA e Japão, chegam a 180%, principalmente por conta do crédito imobiliário. Em países da Europa, atingem 160%.
A expansão do crédito brasileiro entre os anos 2002 e 2013, em parte, é uma das principais explicações de porque o país cresceu tanto nesse período. Também se pode atribuir ao crédito o adiamento das crises de 1929 e de 2008.
A crise instaurada no Brasil a partir de 2014, com o fundo do poço nos anos seguintes, arrefeceu a oferta de crédito. A partir de 2017, a economia nacional voltou ao crescimento, mas em percentuais pífios.
Pandemia ressalta importância do crédito
Agora, a pandemia da Covid-19 deixou mais que clara a importância do crédito para assegurar que a atividade econômica não caia em um abismo mais profundo, vide a atuação do Bacen para estimular as concessões e os cortes nas taxas de juros. Mesmo assim, o crédito não deslanchou como desejado, o que gerou críticas ao sistema financeiro.
Dentre os principais problemas apontados pela sociedade está o elevado spread bancário, ou seja, a diferença entre o custo de captação do banco e os juros cobrados para emprestar dinheiro. Tanto que o Senado, recentemente, propôs a imposição de um “teto” para a cobrança de juros. Mas será que esse é mesmo o melhor processo para uma edificação segura?
O projeto já aprovado pelo Senado, e que agora está nas mãos da Câmara dos Deputados, limita a 30% ao ano os juros para todas as modalidades ofertadas por meio de cartões de crédito e cheque especial durante o estado de calamidade pública que começou em março.
Dados do BC mostram que o juro médio total cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito está em 300% ao ano. Já no caso do cheque especial, a taxa média é de 110% ao ano. A taxa básica de juros (Selic) anual está em 2%.
Inadimplência recorde
Sem dúvidas, o spread bancário brasileiro está entre os recordistas mundiais, porém é preciso observar mais de perto os motivos que levam a um percentual tão elevado.
Segundo o BC, na média, de 2011 a 2016, 77% do spread bancário correspondem aos custos: inadimplência, administrativos, tributários, compulsórios, FGC etc.
Dentre os custos, a inadimplência responde por 55,7% do total e também é recordista quando comparada às médias mundiais. Já o lucro dos bancos nas operações de crédito equivale a 23% do spread, considerando recursos livres e direcionados.
O teto de juros é uma realidade em muitos lugares do mundo. Mas não se deve iniciar por aí. Seria inverter a ordem e começar uma construção pelo teto, ao invés de estabelecer alicerces e colunas fortes para sustentar o peso.
Tecnologia como aliada
Nesse sentido, as novas tecnologias fornecem as ferramentas necessárias ao permitir um melhor entendimento sobre o tomador de crédito e uma análise mais refinada. Dessa forma é possível ampliar as concessões sem aumentar os riscos, com juros mais acessíveis.
Os novos modelos possibilitam, por meio do uso de inteligência artificial, aprimorar a análise de crédito de pessoas e empresas e reavaliar tomadores de crédito que os modelos tradicionais rejeitariam, mas que não são inadimplentes potenciais, assim como depurar aqueles com alto potencial de inadimplência.
Dessa forma, quem concede crédito pode tanto aprovar uma quantidade maior de tomadores, mantendo o nível de inadimplência, como ampliar a concessão de crédito para a mesma base de cliente, ou ambos cenários. Para isso, é preciso customizar os modelos de credit score e combinar as análises tradicionais, tanto internas quanto as fornecidas pelos birôs de crédito com as novas informações fornecidas.
Já vimos antes, na história brasileira, os desastres de intervenções governamentais tão rigorosas como a que o Senado acaba de aprovar. Basta lembrar dos fracassados planos Sarney dos anos 1980, definidos como “década perdida”. Assim, antes de pensar em, por decreto, congelar os juros bancários, é preciso buscar saídas que possibilitem ampliar as concessões. E a tecnologia é a saída.