O policial civil Luís Mauro Albuquerque está no epicentro da maior crise de segurança pública do Ceará, que já dura mais de 10 dias. Ao tomar posse como secretário de Administração Penitenciária, no último dia 1º de janeiro, Albuquerque fez duras declarações contra o crime organizado no estado. Disse que não reconheceria a atuação das facções criminosas e que acabaria com a separação desses grupos por presídios no estado.
Com origem no Distrito Federal, onde construiu a carreira na Polícia Militar e, depois, na Polícia Civil, em que chegou a ser diretor penitenciário, Albuquerque ganhou notoriedade nacional ao coordenar uma força-tarefa federal, em 2017, para conter um motim no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. A rebelião, com duração de 13 dias, resultou na morte de 26 detentos. O conflito só foi encerrado após a intervenção do policial. A atuação de Albuquerque chamou a atenção do então governador do estado Robinson Faria, que o convidou para ser Secretário de Justiça e Cidadania. Agora, ele aceitou o convite do cearense Camilo Santana, na recém-criada Secretaria de Administração Penitenciária.
No Ceará, atuam pelo menos três grandes facções: o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro; o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo; e os Guardiões do Estado (GDE), fundado em território cearense. Há ainda franjas da Família do Norte (FDN), do Amazonas, com atuação no Ceará, mas em proporção bem menor.
A declaração de Albuquerque na posse é apontada como o estopim para que as facções, que travam entre si uma disputa sangrenta pelo controle do tráfico drogas no estado, se dessem uma trégua para promover ataques conjuntos contra órgãos públicos, veículos, estabelecimentos comerciais, torres de energia e de telefonia, pontes e viadutos. O estado não informa oficialmente o número de ocorrências, mas estima-se que mais de 180 ataques ocorreram desde o dia 2 de janeiro.
Em meio ao esforço do governo estadual para pôr fim aos ataques, que inclui ampliação do efetivo policial até mesmo de outros estados, além do apoio de mais de 400 agentes da Força Nacional de Segurança, enviadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi feita uma varredura nos presídios do estado nos últimos dias. Em um balanço da semana passada, mais de 400 celulares e um número não informado de televisores foram apreendidos nas celas. Supostos líderes de facções criminosas foram transferidos para presídios federais de segurança máxima. Até este fim de semana, já chegava a um total de 40 o número de detentos transferidos. O governo federal disponibilizou um total de 60 vagas.
“Essa intervenção quer assegurar a aplicação da lei, garantindo a autonomia do estado dentro das unidades prisionais. Esses ataques são uma clara reação a essa atuação que o governo vem realizando”, afirmou o secretário nesta entrevista exclusiva à Agência Brasil, por e-mail. Além de impor uma “disciplina” mais rigorosa no sistema penitenciário, Albuquerque fala da necessidade de assegurar o que a lei prevê em termos de garantias para os detentos, como educação, assistência médica e jurídica, além de oferecer alternativas de recuperação a essas pessoas, reduzindo o assédio do crime organizado.
Com uma superlotação de cerca de 60%, Albuquerque defende parceria com o Poder Judiciário para tentar reduzir o encarceramento, a partir da adoção de medidas alternativa à prisão, combinada à ampliação do número de vagas no sistema.
A seguir, leia os principais trechos dessa entrevista:
Agência Brasil: Essa onda de violência que ocorre no estado é atribuída à sua chegada no governo, com a promessa, por exemplo, de não mais separar as facções por presídio. Por que essa medida é importante?
Luís Mauro Albuquerque: O governo do estado tem assumido uma série de medidas contra o crime organizado, dentro de um planejamento desenhado para uma intervenção mais forte no estado, e na qual está inserida a própria criação da Secretaria da Administração Penitenciária. Essa intervenção quer assegurar a aplicação da lei, garantindo a autonomia do Estado dentro das unidades prisionais. Esses ataques são uma clara reação a essa atuação que o governo vem realizando.
Agência Brasil: Em balanço recente, a Secretaria informou ter recuperado mais de 400 aparelhos celulares em prisões do estado. Não é um fenômeno só do Ceará essa realidade. Por que ainda entram tantos celulares nos presídios?
Albuquerque: Diversas ações são necessárias para combater a entrada de ilícitos nas unidades prisionais. É preciso investir na tecnologia, com monitoramento interno e externo dos presídios e com aparelhos modernos de vistoria; assegurar segurança de perímetro, com muralha e guaritas operantes; e, principalmente, ter um reforço na fiscalização com os agentes penitenciários. Para isso, o governo acaba de convocar, antecipadamente, 220 agentes penitenciários que já tomaram posse e estão dentro das unidades. Outros 220 acabam de ser convocados. Isso se soma a outros mil convocados no ano passado, significando 67% de aumento no efetivo. Essa combinação de ações certamente trará resultados eficazes nesse combate aos ilícitos.
Agência Brasil: Além dessas medidas, o que o senhor pretende mudar na rotina do sistema penitenciário do estado, que, na sua avaliação, não tem funcionado bem?
Albuquerque: Queremos impor um disciplinamento mais rigoroso dentro das unidades prisionais, assegurando as assistências às quais os presos têm direito, como diz a Lei de Execução Penal. Garantir ocupação, educação e assistência médica e jurídica é determinante para recuperar esse indivíduo e o cumprimento da lei. É nisso que estamos trabalhando.
Agência Brasil: Que alternativas de recuperação podem ser oferecidas para esses detentos e como afastá-los do assédio das organizações criminosas?
Albuquerque: O Ceará conta com leis importantes de inclusão social, com incentivos fiscais para empresas que contratarem presos, com determinação de órgãos estaduais contarem com egressos do sistema em seus quadros. Estamos trabalhando o reordenamento para buscar ainda mais fortemente a atração de empresas e a empregabilidade dessas pessoas.
Agência Brasil: A população carcerária do Ceará ultrapassa os 29,5 mil detentos, incluindo presos provisórios e aqueles dos regimes semiaberto e fechado. O número total de vagas, no entanto, é de pouco mais de 13 mil, uma superlotação de quase 60% da capacidade. Como senhor pretende lidar com esse problema?
Albuquerque: O problema da superlotação em presídios é realidade no Brasil inteiro. O governo do estado tem buscado a parceria do Poder Judiciário para melhorar esse cenário. Uma delas é o incentivo ao tornozelamento eletrônico, uma oportunidade para que o preso volte de forma vigiada e consiga se reinserir na sociedade. Também ampliar a assistência jurídica e assegurar as escoltas, evitando o cancelamento de audiências, reduzindo assim o número de presos provisórios. A outra frente é a construção de 14 unidades regionalizadas em substituição às cadeias públicas, ampliando as vagas no interior do estado.