As empresas brasileiras captaram nos mercados de capitais local e externo R$ 335 bilhões de janeiro a setembro deste ano, o maior valor registrado desde o início da série histórica, em 2002, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O valor é 41,3% maior que os R$ 237 bilhões do mesmo período do ano passado e supera o total de todo ano de 2018, que foi de R$ 299,6 bilhões. “As condições de mercado confirmaram que que a tendência é de um mercado de capitais mais robusto”, afirma José Eduardo Laloni, vice-presidente da Anbima.
Esse crescimento é reflexo de vários fatores, entre eles a queda da taxa de juros, que aumenta o interesse das empresas em captar para reduzir ou alongar dívidas ou substituiu débitos internacionais por dívida local. Há também uma substituição de crédito bancário por ofertas de ações, que acabam tendo um custo menor e um prazo mais longo para as empresas, além do interesse dos bancos em reduzir esses créditos que exigem mais capital próprio pelas regras da Basileia. E os investidores e gestores de recursos, com juros baixos, passam a diversificar mais e aumentam a procura por papéis privados, recebíveis imobiliários e do agronegócio e ações.
Desses R$ 335 bilhões captados no ano, R$ 57,6 bilhões foram captações de renda variável, ou seja, ações, dos quais R$ 4,5 bilhões em aberturas de capital (IPOs na sigla em inglês) e R$ 53,1 bilhões de ofertas de empresas que já estavam no mercado.
A maior parcela foi de renda fixa, R$ 211 bilhões, dos quais mais da metade, R$ 122,3 bilhões, foram debêntures, R$ 26,2 bilhões notas promissórias, R$ 23,1 bilhões fundos imobiliários, R$ 13,2 fundos de investimentos em direitos creditórios (Fidc), R$ 9,4 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e R$ 9,3 bilhões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Outros R$ 7,8 bilhões foram de Letras Financeiras. No exterior, foram captados R$ 66 bilhões.
Laloni destaca o segmento de captações de renda variável, ou seja, ações, que está bastante ativo no ano, com R$ 57,6 bilhões, ainda sem considerar o IPO de Vivara, que movimentou R$ 2,29 bilhões, e que entrará nas contas deste mês e do quarto trimestre, além de outras ofertas em andamento. “Estamos vendo um que essa tendência de mercado de renda variável deve continuar nas próximas semanas e meses”, diz.
Mesmo sem Vivara, este já é o terceiro melhor período de renda variável da série histórica da Anbima, e provavelmente de toda a história do mercado, que voltou a ter ofertas somente depois de 2003. Antes, outra onda desse tipo ocorreu apenas no fim dos anos 1960 e início dos 1970. O volume atual de ofertas de ações só perde justamente para 2007, auge da bolha dos IPOs, quando foram captados R$ 75,5 bilhões, e 2010, quando a oferta da Petrobras para custear o pré-sal ajudou o mercado a atingir R$ 70,4 bilhões. “Se não levarmos em consideração a operação específica de Petrobras, este já seria o segundo maior ano de emissão da história do mercado de renda variável brasileiro”, diz Laloni.
Outro indicador positivo é que grande parte das ofertas do mercado estão sendo adquiridas por investidores locais, não estrangeiros, como ocorreu nos anos anteriores. O motivo é a queda dos juros e a perspectiva de maior estabilidade das contas públicas do país, que incentiva o alongamento. Os estrangeiros ficaram com 44,6% do total captado em renda variável, ante 63,7% de 2018 e 56,7% de 2017. Já os fundos de investimentos aumentaram sua fatia para 42,8%, ante 26,6% em 2018 e 29,6% em 2017. “O estrangeiro perde participação porque o mercado em geral cresceu, mas a demanda grande está vindo do mercado local, o que é muito positivo, diz Laloni. Isso mostra também que os investidores locais estão diversificando suas aplicações com renda variável, por meio dos fundos de investimentos e gestores independentes, seja de ações, seja de multimercados.
Outro sinal desse crescimento dos fundos de investimento aparece nas debêntures. Os fundos ficaram com 56,2% das ofertas, ante 44,8% em 2018 e 25,9% em 2016. Fundos de debêntures, com isenção fiscal, e fundos de crédito privado justificaram esse aumento da parcela de fundos. Pessoas físicas ficaram com 3,9% das debêntures, ante 3,1% no ano passado.
No total do ano, as emissões de debêntures atingiram R$ 122,3 bilhões, ante R$ 120,4 bilhões no mesmo período do ano passado. Desse total, R$ 16,9 bilhões foram debêntures incentivadas, ante R$ 20,4 bilhões do ano passado. As não incentivadas foram R$ 105,5 bilhões, para R$ 100 bilhões de janeiro a setembro de 2018.
Já os chamados instrumentos híbridos de renda fixa, como fundos imobiliários, Fidcs, CRI, CRA, notas promissórias e Letras Financeiras bateram recorde, com R$ 89 bilhões de janeiro a setembro, superando os R$ 86,3 bilhões de 2017, maior volume até então. A explicação, além da queda dos juros, é que muitos desses instrumentos são isentos de imposto de renda, o que aumenta sua atratividade para investidores pessoas físicas, especialmente de alta renda. “Todas essas classes ativos cresceram, mas o destaque no ano são os fundos imobiliários, com R$ 23,1 bilhão, mais que o dobro dos R$ 112 bilhões do ano passado”, diz Laloni. Os CRIs também cresceram, de R$ 5,8 bilhões para R$ 9,4 bilhões e os CRAs mais que dobraram, de R$ 4 bilhões para R$ 9,3 bilhões no período de janeiro a setembro.
Para Laloni, a tendência é de continuar o crescimento das ofertas de ações. “Estamos em um momento muito bom, com os bancos intermediários, que estruturam as operações, recebendo clientes interessados em fazer ofertas com bastante frequência e, com isso, além da lista de espera de empresas que já entraram com pedidos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já uma lista de empresas em conversas com os bancos para ir a mercado”, afirma. Ele destaca que, com o mercado local comprando grande parte dos papéis, os fundos de ações estão crescendo e estão ávidos por novos nomes. “À medida que a bolsa vai subindo, os fundos precisam de empresas novas para seu portfolio e isso incentiva as conversas e vemos os IPOs voltando”, diz. Para Laloni, com o cenário de juro baixo, a diversificação de portfólio dos investidores permite ver um cenário muito favorável para a renda variável.
O mesmo vale para o mercado de renda fixa. Com a queda dos juros, há uma busca também por diversificação fora dos títulos públicos, com procura por prazos maiores e outros tipos de papéis. Isso também dá acesso a mais empresas se financiarem. “Hoje temos prazos mais longos, mais compatíveis com o investimento das empresas, e uma diversificação de setores, com segmentos novos da economia vindo ao mercado”, afirma Laloni. A inflação baixa, como mostrou o IPCA de setembro, sugere juros ainda mais baixos e reforça a tendência de diversifciação e alongamento dos prazos. “A tendência é de uma diversificação inicial em renda fixa mais longa, em novos nomes, novos instrumentos, e depois esse investidor indo para renda variável e novas estratégias”, acredita.
Ele vê esse movimento muito bom pois o país precisa de recursos para investimento, especialmente no segmento de infraestrutura, e com as taxas de juros baixas ou negativas no exterior o país pode atrair maior volume de recursos para esse financiamento.