Há ilhas de excelência no Serviço Público Federal. Sempre houve. Tive o privilégio de conviver com quadros bastante qualificados tecnicamente, que, a despeito das interferências político-partidárias, são profundamente comprometidos com a ética e o caráter republicano, que devem nortear as ações e os projetos governamentais. No BNDES, no BC, na Petrobras, nos ministérios, nas autarquias e nas outras empresas estatais prestam-se relevantes serviços ao desenvolvimento do país. Para ilustrar tais afirmativas, nem seria preciso recorrer ao exemplo da Embrapa como propulsora e executora de inovações que moldaram e impulsionaram a níveis superlativos de excelência e competitividade o nosso mais bem sucedido setor econômico das últimas décadas: o agronegócio.
De todas essas instituições ─ as ilhas de excelência ─ nenhuma é mais longeva, perene, tradicional e relevante para o país que o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, criado por Dom João VI em 1821. As ações de nossa diplomacia impactam direta e decisivamente todos os aspectos da vida nacional, entre outras razões, por refletir para o mundo o que somos, o que pensamos e o que fazemos. Da mesma forma que leva nossa imagem ao mundo, a diplomacia nos conecta ao exterior, expressa nossas posições nos foros internacionais e tem hoje como atividades da maior relevância a abertura de novos mercados por meio de negociações comerciais e a resolução de conflitos no comércio exterior.
O Itamaraty tem mantido ao longo de sua existência, em especial a partir da República, um papel estabilizador de nossa política externa. Desde o Barão de Rio Branco, a diplomacia brasileira tem pautado sua atuação por um pragmatismo responsável e inteiramente voltado aos interesses do país. Não obstante as diversas reviravoltas de nossa política interna no século passado, a estabilidade e o modus operandi de nossa diplomacia se manteve. Mesmo o regime militar, por puro pragmatismo, manteve relações diplomáticas com a União Soviética em plena vigência da Guerra Fria e, sabiamente, reatou relações com a China continental em 1974, ou seja, ainda longe do seu ocaso.
É preciso lembrar, ainda, que já se passaram 150 anos desde a última guerra em que o Brasil se envolveu em razão de seus próprios interesses. Também já se vão 100 anos de nossa imensa fronteira definida e estabilizada por tratados livre e pacificamente negociados. A posição responsável e neutra do Brasil nos faz ser um dos poucos países do mundo ─ para ser exato, doze ─, que mantém relações diplomáticas com todos os 193 países integrantes da ONU. Por essas mesmas razões, o país tem sido solicitado ─ e tem atendido ─ a enviar contingentes militares para compor as Forças de Paz, desde 1956 no Canal de Suez até no Haiti mais recentemente, passando por República Dominicana, Chipre, Líbano, Timor Leste e Sudão.
E hoje? Será que mantemos, no plano externo, a mesma postura tão admirada e vitoriosa? Nossos posicionamentos refletem os interesses econômicos e políticos do país? Temo que não. Para ser justo, é preciso lembrar que a mudança de rumo começa em 2002 com a opção terceiro mundista do governo Lula. Ao estimular o confronto Norte – Sul, em substituição ao extinto Leste – Oeste, a diplomacia petista, liderada pelo chanceler Celso Amorim e pelo assessor Marco Aurélio Garcia, perdeu a oportunidade de inserção do Brasil em diversas negociações e tratados, que poderiam levar a outros patamares a nossa discreta e reduzida participação no comércio internacional.
Restou claro, desde o início, que o novo chanceler trataria de reverter a política externa do governo passado. E o fez. Porém, não retornou ao centro estabilizador, optando pelo outro extremo: alinhamento ideológico e incondicional com Donald Trump, motivado muito mais por afinidades pessoais entre os dois presidentes do que por interesses comuns de ambos os países. Desnecessário dizer que o gigante da relação não se sente obrigado a quaisquer contrapartidas que não sejam mera retórica, enquanto nossas concessões e opiniões fragilizam nossas relações com importantes e duradouros parceiros comerciais.
É ingenuidade supor que atitudes como reconhecer Jerusalém como capital política de Israel, buscar atritos comerciais com a China, opinar sobre o resultado das legítimas eleições argentinas, hostilizar a Europa para justificar políticas ambientais inadequadas e descoladas da melhor ciência, priorizar a relação com os EUA em detrimento do Mercosul e outros posicionamentos extemporâneos e precipitados, não trariam reflexos no balanço de pagamentos devido a pressões na balança comercial e no fluxo de investimentos. E não se trata apenas da questão comercial. A imagem histórica da diplomacia brasileira, responsável, pragmática e livre de alinhamentos automáticos, sai arranhada de todos esses embates, na maioria das vezes desnecessários e improdutivos.
Tão desnecessários e improdutivos que ensejaram, felizmente, recuos do Presidente e sua equipe. Embora louváveis, os recuos alimentam uma incerteza, uma falta de rumos, ou pior, o rumo do confronto, o mais nocivo dos caminhos que poderíamos trilhar. Convêm-nos manter boas e azeitadas relações com os gigantes da América, da Ásia e da Europa. Interessa-nos preservar a histórica e bem sucedida relação com Israel. É bom que não deixemos o mundo esquecer os desmandos de Maduro. Mas, sobretudo, devemos olhar os interesses de nossa gente, sem abrir mão dos princípios da solidariedade continental, da especial relação com a África, a quem tanto devemos, e de buscar, para todos os povos do mundo, o que desejamos para nós: um mundo próspero, igualitário, pacífico, justo e voltado para a preservação do planeta para as futuras gerações.