Para um governo que se propunha a reformar a política, a economia e a sociedade, os resultados, depois de trinta meses, estão muito abaixo do esperado. Mas nada parecia abalar o prestígio do Presidente entre seus fiéis seguidores, orgulhosos da aparente probidade de seu governo. O cenário pode mudar muito rapidamente se for ao chão o último mastro que segura a lona. Tomara que o circo não pegue fogo.
Ainda é cedo para concluir que estamos diante de um grave caso de corrupção, assim como é irresponsável, por ora, afirmar que o Presidente da República esteja nele envolvido diretamente. O que se tem, no momento, além de indícios, são os depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito de dois personagens, até dias atrás, desconhecidos fora de seu meio de atuação, sendo um deles deputado da base aliada do Governo. Não se trata aqui de desqualificar os depoentes, especialmente, o irmão do deputado, funcionário concursado do médio escalão do Ministério da Saúde. Ao contrário. Pelas posições que ocupam, devem ser pessoas com acesso às informações e a autoridades diretamente vinculadas ao tema, entre elas o Ministro da Saúde e o próprio Presidente da República, como atesta o contato do último dia 20 de Março.
Entretanto, o caso abalou o Palácio do Planalto e abriu fissuras no principal pilar de sustentação do Governo Bolsonaro: o discurso anticorrupção. Até as pedras do Jardim da Glória sabem que o grande mote da eleição de 2018 foi o justificado horror demonstrado pela classe média aos escândalos do Petrolão e do Mensalão, protagonizados por altas figuras do Partido dos Trabalhadores e seus aliados na sustentação dos governos Lula e Dilma. Horror justificado, mas não isento de particularidades, porque essa mesma classe média, pelo menos em São Paulo, foi fervorosamente malufista durante décadas. Assim como votava em Sarney no Maranhão, Jader no Pará, Renan em Alagoas, ACM na Bahia, Aécio Neves em Minas e por aí afora.
Se eu fosse um provocador, poderia dizer que esse horror da classe média veio mesmo do incômodo causado pelos seus novos vizinhos, trazidos pelos avanços sociais do período 2003-2010, a classe C, então chamada de nova classe média. Agora, que os indesejáveis vizinhos já foram escorraçados de volta ao seu lugar de origem, permanece apenas o discurso moralista e salvacionista.
É fato inconteste que as classes dos extratos superiores (em renda) não embarcaram na onda conservadora de 2018 pelo seu viés moralista. Não compartilham o ódio ao PT, à Rede Globo, à Ciência e à Arte de seus empregados e parentes remediados, que se sentem inseguros e manobrados. Sentem-se à vontade em qualquer cenário. De um lado, porque foram tão beneficiados quanto os mais pobres no período lulista e, do outro, porque dispunham e dispõem de informações suficientes para saber com quem estavam lidando.
Futuro incerto
Jair Bolsonaro já mostrava preocupação com o retorno de Lula ao campo eleitoral. Sua aliança com o Centrão não rendeu os frutos desejados e, não fosse a pandemia que justifica tudo, haveria muito mais críticas aos anêmicos indicadores de crescimento do PIB e aos robustos números da inflação oficial. Cresce o número de “arrependidos”, enquanto as pesquisas por vezes, falíveis e enviesadas, como tudo na Economia e na Política apontam-lhe um duro cenário e caminho para 2022. Restava, talvez ainda reste, a bem construída aura de incorruptível do Presidente e seu governo. De fato, temos que dissociar as ações do Governo e seu Ministério das rachadinhas, do Queiróz, das compras de imóveis em dinheiro vivo e da elevação do patrimônio de algumas pessoas próximas. Esses são pecados veniais diante da virtude maior do Mito.
Por isso, causou espanto a reação destemperada do Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência. Para um governo tão comprometido com a causa, o normal é que fossem abertas urgentes investigações, que dirimissem quaisquer dúvidas quanto à lisura dos procedimentos dos órgãos governamentais. O ministro anunciou imediatas investigações, sim, mas contra os denunciantes. E tinha muita gente achando que esse tempo já havia passado.
Para piorar, depois de dois dias calado sobre a grave denúncia de que sabia e não agiu sobre quem seria o responsável pelo mal feito, o Presidente veio a público dizer que não pode saber tudo que acontece dentro dos ministérios. Verdade, não pode mesmo. Ninguém pode. Mas, até anteontem, boa parte dos brasileiros, quase vinte por cento, acreditava que somente a sua augusta presença no Palácio do Planalto, pelo seu exemplo de correção, valentia e macheza, seria suficiente para intimidar qualquer tentativa de corrupção. Pelo desalento do Presidente, parece que não é bem assim.
Reitero que ainda é cedo para conclusões, mas, caso se confirmem as denúncias do processo de compras da vacina Covaxin, terá caído o último bastião da fortaleza bolsonarista: o discurso da moralidade e da anticorrupção. Pode parecer uma boa notícia para os que lhe opõem, mas, também, pode jogar o Presidente e seus apoiadores na estrada do desespero, cujo destino pode ser um golpe contra as instituições democráticas.
Os bolsonaristas, incluindo o próprio presidente, não sabem, e não querem aprender, o que é perder uma eleição, retirar-se de cena ou partir para a oposição democrática. Acredito, mesmo, que, por essa mesma razão, não se envolveram em grandes escândalos de corrupção nesses quase três anos de governo. Sua estratégia não é o enriquecimento rápido e pessoal. Dentro de suas limitações estéticas e culturais, já são ricos. Moram em condomínios na Barra da Tijuca, sonho de consumo inacessível para a maioria de seu “eleitorado”. Tampouco buscam a formação de grandes reservas para caixas de futuras campanhas. Ideal mesmo, para alguns deles, é que não houvesse mais campanhas políticas. Aguardemos os próximos capítulos.
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