“A resposta poderia ser, em termos de quantidade: muitas pessoas físicas e poucas pessoas jurídicas. O suporte das pessoas físicas garante popularidade, mas não entrega poder nem dinheiro para a campanha. Restariam, entre as empresas, os fabricantes de papéis, de olho nas eleições de 2022, mas a Câmara enterrou esse sonho nesta semana. Sobrarão dois importantes e enigmáticos personagens”.
Ainda há quem pense que o tripé que suporta o governo de Jair Bolsonaro é composto pelas Forças Armadas, o Centrão e os setores evangélicos. Talvez isso tenha sido verdade em tempos recentes, mas não é o caso no momento atual. Primeiro, porque há grande diversidade nesses três segmentos, em especial, a distinção e divisão entre comandantes e comandados. Segundo, porque essas instituições, ou pelo menos, partes delas, se deram conta do desgaste e prejuízo que o alinhamento automático e incondicional com o governo traz para suas imagens e para suas estratégias futuras de preservação e de crescimento.
Nas Forças Armadas e auxiliares ainda prevalece o encantamento de setores do baixo oficialato e dos praças com os afagos do Planalto, sob a forma de promessas de recuperação dos soldos, da manutenção de “privilégios” numa eventual e ainda distante reforma administrativa e na generosidade na partilha do Orçamento da União. Embora esses temas também interessem aos oficiais de alta patente, eles, em razão de suas posições já consolidadas na carreira, são menos dependentes desse tipo de benesses. Além disso, têm visão política e estiveram mais próximos de um período do qual, a grande maioria, não tem saudades. Eles têm ciência do desgaste e prejuízo material que a intervenção militar de 1964, com seus erros e acertos, legou às futuras gerações dos quartéis. Por trinta anos, os governos civis, por receio ou ressentimento, os mantiveram a pão e água. Longe de se revoltar, os comandantes militares, de maior responsabilidade, preferem a acomodação e a participação no jogo político, que lhes permite maiores ganhos a médio e longo prazos.
Quanto ao Centrão, nunca houve unidade, até porque essa é uma de suas principais características. Contrariando a secular tradição brasileira de qualquer empresa, órgão público ou instituição, no Centrão há muitos índios para poucos caciques. Para qualquer governo, isso é péssimo. Exige negociações quase individuais e multiplica, exponencialmente, o risco de traições e deserções. Ainda não se viu nenhuma importante vitória parlamentar do governo nos últimos meses, exceto nos projetos de privatização, e mesmo nesses casos à custa de concessões paroquiais, como ocorreu no processo da Eletrobrás. Uma das mais deliciosas frases do folclore político define o Centrão: “no enterro, eles ajudam a levar o caixão até o túmulo, mas nunca se jogam na cova.” Bolsonaro sabe disso.
Os evangélicos foram uma das primeiras bases de apoio do bolsonarismo. A agenda moral e de costumes seduziu a maior fatia de um segmento muito conservador e fortemente avesso a pautas liberais, como o direito ao aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o respeito à diversidade sexual. Com o correr do tempo, viu-se que a agenda moral e de costumes do bolsonarismo não encontrou respaldo no restante da sociedade, no Parlamento e no Judiciário. Exceto na questão das armas, que não é pauta dos evangélicos, o Planalto colecionou fracassos em tentar impor retrocessos nas questões morais. Ao desmoralizar, por mau uso, a frase bíblica, tão cara aos evangélicos, “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, JB perdeu credibilidade junto a esse público.
O que sobrou? Muita gente ainda. Não tenhamos dúvidas disso, nem subestimemos a presença de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Entretanto, mais claro ainda, é que o capital político e o prestígio eleitoral do Presidente da República vêm minguando, em proporções além da esperada para qualquer governo em busca de segundo mandato. Tanto quanto os números, importa saber com quem Bolsonaro conta para terminar o mandato e, principalmente, para renová-lo. Hoje, JB tem dois grandes apoiadores, ou melhor dizendo, “suportadores”: Arthur Lira e Augusto Aras. Como temos visto, apesar de seus importantes cargos, talvez, os únicos com poderes para intimidar o presidente, ambos têm limitados poderes de convencimento e de mando sobre seus pares e subordinados. Além disso, agem muito mais em razão de seus próprios interesses, imediatos e futuros, do que por apego ou amor ao ideário do governo de Jair Bolsonaro.
Arthur Lira, antes de chegar à Presidência da Câmara dos Deputados, era até há pouco tempo, para as massas, um obscuro deputado, mas sempre foi um ativo integrante da Bancada do Boi. Tem o poder absoluto para decidir se acata ou não as centenas de pedidos de impedimento do Presidente da República, que continuam chegando. Não é pouca coisa. É cacife suficiente para exigir do Planalto o que lhe convier. Por enquanto, contenta-se em esperar. É improvável, mas não impossível, que a Presidência caia em seu colo, numa eventual catástrofe política com a cassação da chapa vencedora de 2018. O que mais poderia querer um outrora humilde deputado do PP?
Aras embaralha e emperra todas as investigações contra o presidente de olho, exclusivamente, no STF. É direito dele, mas inversamente ao caso de Arthur Lira, isso o torna perigosamente submisso ao Planalto. Pior para Aras que, além de não ter nenhuma certeza da futura indicação, ainda enfrenta a resistência e a independência, garantida pela Constituição, de seus subordinados, os procuradores públicos. Qualquer hora dessas esse equilíbrio se rompe a alguém vai se machucar. Será Aras ou Bolsonaro?
Perdeu-se a bancada BBB, uma parte porque já satisfeita (a da bala), outra indiferente e soberba porque independente (a do boi) e a outra desiludida (a da Bíblia). Do outro lado, os caminhoneiros se sentem traídos duas vezes. Suas reivindicações pararam nas gavetas da Casa Civil e Jair os trocou pelos motociclistas. Ruim para JB que os caminhoneiros transportam cargas e os motociclistas carregam bandeiras. E, por favor, não os confundam com motoqueiros. Eles odeiam. Motoqueiros, em geral, são pobres e trabalham aos sábados e domingos.
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