Foto: Marcos Corrêa
O grande economista Edmar Bacha (considerado um dos pais do Plano Real) cunhou esse termo “Belíndia”, ao tentar explicar e demonstrar os contrastes e flagelos do Brasil. Em sua fábula publicada em 1974, intitulada como “O Rei de Belíndia”, Bacha narra uma história fictícia de um país de contrastes chamado “Belíndia”, que possui leis e impostos assim como da Bélgica – país próspero e pequeno – aplicada em uma população com uma realidade muito austera, como a da Índia – país grande, populoso, com muitos problemas sociais.
Esse texto apresentava uma crítica à política econômica adotada pelo regime militar durante os anos do “milagre econômico”.
Passadas quase cinco décadas, o Brasil continua a viver os contrastes de Belíndia, e o mais irônico é que a própria Índia (mesmo diante das muitas desigualdades que ainda enfrenta) se desenvolveu e prosperou, enquanto o Brasil continua quase paralisado, em meio a uma eterna sequência de políticas econômicas mal sucedidas, sempre atacando as consequências, mas nunca enfrentando o cerne das questões que efetivamente impedem o desenvolvimento econômico do país.
Um dos muitos problemas que o país enfrenta é o “tamanho” da máquina pública e os desafios relativos à sua redução. Durante muitos governos se discutiu a aprovação de uma reforma administrativa com o intuito de eliminar os privilégios de determinadas castas de funcionários públicos, que revoltam a sociedade e oneram de sobremaneira o Estado, como, por exemplo, a aposentadoria compulsória como forma de punição ou promoção baseada exclusivamente no tempo de serviço.
Nesse sentido, a equipe econômica liderada pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou à Câmara dos Deputados em setembro de 2020 a Proposta de Emenda à Constituição (“PEC”) 32/2020, apelidada pela imprensa como Reforma Administrativa.
A equipe econômica defende que a Reforma Administrativa é fundamental para destravar a economia e “tirar o estado do cangote do contribuinte”, razão pela qual tem conduzido o tema de forma cautelosa e pragmática. A principal preocupação foi – ao invés de apresentar uma reforma idealizada que fatalmente será rechaçada pelo Congresso Nacional – de apresentar uma reforma que proporcione estabilidade jurídica e que tenha, por sua vez, reais condições de ser aprovada, na linha do pensamento do “chanceler de ferro”, Otto Von Bismarck, que “Política é a arte do possível”.
Um tema deixado de lado, de forma proposital, foram os atuais funcionários públicos. A Reforma Administrativa afetará somente os novos, isto é, os profissionais que sejam contratados após a efetiva entrada em vigor da mencionada PEC. Esse ponto foi alvo de muitas críticas, e muitos especialistas a classificaram, de forma pejorativa, como “reforminha” pelo seu impacto imediato muito reduzido.
Agindo dessa forma, muito embora o governo tenha reduzido a potência fiscal da PEC, demonstrou a maturidade da equipe econômica, que mirou o objetivo de longo prazo ao invés de buscar uma capitalização política mais imediata. A inteligência da medida se mostra em duas nuances: (i) retirou da oposição o discurso inflamado de supressão de direitos garantidos e (ii) evitou a corrida ao poder judiciário por funcionários públicos que, porventura, pretendessem questionar a supressão de direitos.
Outro ponto de fundamental importância da reforma é a busca pelo fim de privilégios absurdos, como é o caso da proteção à estabilidade no serviço público, que torna praticamente impossível uma eventual demissão e acarreta um serviço público de péssima qualidade e baixa performance, fazendo com que a população em geral alimente um preconceito com essa classe de trabalhadores.
De fato, a Reforma Administrativa é crucial para inverter a lógica perversa de atraso e malversação dos recursos dos contribuintes e é evidente que tal reforma isoladamente não será capaz de resolver um problema crônico. No entanto, sua aprovação é fundamental para colocar o país no rumo correto para decretarmos o fim do Reino da Belíndia.
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