Sob críticas pesadas

Carrefour (CRFB3): CEO ajuda a agravar a “crise das carnes”? - Entenda o caso

As palavras de Bompard não apenas provocaram um incidente diplomático entre a França e os países do Mercosul, como levantaram questões internas sobre os controles corporativos e a falta de debate formal no conselho de administração

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As recentes declarações de Alexandre Bompard, presidente do conselho de administração e principal executivo global do Carrefour (CRFB3), sobre a decisão da rede de supermercados na França de suspender a comercialização de carnes provenientes do Mercosul geraram uma série de reações intensas, com implicações políticas, diplomáticas e de governança para o grupo.

As informações são de Adriana Mattos e foram publicadas pelo site Globo Rural.

As palavras de Bompard, publicadas nas redes sociais no dia 20 de novembro, não apenas provocaram um incidente diplomático entre a França e os países do Mercosul, como levantaram questões internas sobre os controles corporativos e a falta de debate formal no conselho de administração da supermercadista.

Em solidariedade ao mundo agrícola?

O CEO do Carrefour usou sua conta no X (ex-Twitter) para anunciar que, “em solidariedade ao mundo agrícola”, a empresa se comprometeria a não comercializar mais carne proveniente do Mercosul nas lojas francesas.

Ele declarou esperar que essa ação inspire “outros atores do setor agroalimentar”.

Esta postura gerou desconfiança e críticas tanto no Brasil quanto na França, principalmente pelo fato de o Carrefour ser um dos maiores varejistas globais e o Brasil ser seu segundo maior mercado, responsável por metade do lucro operacional da empresa no mundo.

Bompard fundamentou sua decisão no “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que estão em protesto contra o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.

Esse acordo tem sido considerado uma ameaça pelos produtores franceses, que veem as carnes sul-americanas como um risco à agricultura local, devido às diferenças nos padrões de produção.

Impacto na governança corporativa: questões de controle e aprovação se multiplicam

O movimento de Bompard, no entanto, não foi previamente discutido ou aprovado pelo conselho de administração do Carrefour, o que levantou sérias questões sobre a governança do grupo.

De acordo com o site Globo Rural, fontes internas afirmam que a alta cúpula da empresa, composta em sua maioria por franceses, não foi informada oficialmente sobre a tomada de posição de Bompard antes de sua divulgação pública.

Um executivo próximo à liderança do Carrefour comentou, sob condição de anonimato, que Bompard cometeu um “erro de cálculo” ao se manifestar de forma tão enfática e sem consultar previamente o board.

Ele calculou mal a situação e o tom de sua declaração. Porém, vale destacar que, na França, ele continua sendo bem visto e tem grande apoio. O grupo confia muito nele, e ele tem carta branca para se expressar publicamente”, disse a fonte.

Apesar disso, algumas vozes dentro do Carrefour, inclusive um ex-executivo do grupo, sugerem que, dado o impacto estratégico e político de uma decisão que envolve dois dos maiores mercados da empresa, a postura de Bompard deveria ter sido debatida com mais profundidade pelo conselho de administração.

Quando se trata de uma decisão com implicações para os dois maiores mercados da companhia, com relevância política e econômica, ela deveria ter sido discutida no board. A posição pessoal de Bompard não deveria prevalecer sobre os interesses globais da companhia e seus acionistas”, afirmou o ex-executivo.

Reações por todo o mercado e consequências para o Carrefour (CRFB3) e para o Brasil

A decisão de Bompard gerou imediatas reações no mercado, com destaque para a gigante de alimentos JBS (JBSS3), maior fornecedora de carnes do Brasil, que anunciou, na quinta-feira (21), a suspensão do envio de seus produtos para as lojas Carrefour.

A JBS informou que não continuaria com o fornecimento de carnes para o Carrefour até que a questão fosse resolvida.

Essa movimentação afeta diretamente a operação da rede no Brasil, um mercado vital para o grupo francês.

Fontes do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicaram que o Ministério da Agricultura, de Carlos Fávaro (PSD-MT), já foi acionado para intervir na situação, e negociações estão em andamento para evitar um impacto negativo maior nas relações comerciais entre os dois países.

A decisão de Bompard também se insere em um contexto maior de tensões entre a União Europeia e o Mercosul, que têm sido ampliadas pelos protestos dos agricultores franceses, os quais veem a diminuição das tarifas para as exportações agrícolas do Mercosul como uma ameaça à sua competitividade.

A Influência de Abílio Diniz e a reação dos sócios do Carrefour

Outro ponto que tem gerado incômodo nos bastidores do Carrefour seria a reação dos principais acionistas da empresa, especialmente da Península Participações – a segunda maior acionista do Carrefour, com 8,8% do capital, de acordo com o site Globo Rural.

A Península foi fundada por Abílio Diniz, que faleceu em fevereiro deste ano, e continua como uma presença influente no grupo francês.

De acordo com apurações, as declarações de Bompard causaram um grande desconforto dentro da Península Participações, que possui uma relação estreita com o Carrefour e com o mercado brasileiro.

Entre os conselheiros da acionista, a avaliação seria de que a postura de Bompard foi mal calculada e causou um atrito desnecessário com o Brasil, um mercado crucial para o grupo.

Pelo menos dois membros do conselho de administração franceses teriam manifestado suas críticas a Bompard, e consideraram que a sua decisão afetaria negativamente as operações da empresa e seus relacionamentos com o Brasil, um dos maiores fornecedores de carne do mundo.

Ele passou do ponto ao se envolver em questões que vão além do âmbito de suas responsabilidades. A empresa deveria colocar os interesses globais e os dos acionistas acima das questões políticas locais da França”, disse um alto executivo francês, familiarizado com o mercado brasileiro e com o funcionamento do Carrefour.