
A crise que envolve descontos irregulares em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ganhou novos contornos de gravidade. A advogada Tônia Galleti, ex-integrante do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), afirmou em entrevista ao jornal O Globo que alertou pessoalmente o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT-RJ), sobre o problema logo após sua posse, em janeiro de 2023.
- Segundo ela, apesar da promessa de investigar o caso, nada foi feito.
“Durante uma reunião em que estavam presentes também assessores, o ministro se comprometeu a apurar as denúncias. No entanto, nenhuma medida efetiva foi tomada naquele momento”, afirmou Galleti.
A declaração reforça a percepção, dentro e fora do governo, de que houve omissão e leniência na condução do caso. O movimento agrava o desgaste político de Lupi e coloca o Ministério da Previdência sob suspeita de proteger irregularidades.
Pedido formal foi ignorado, acusa Galleti
Incomodada com a falta de ação, Galleti relatou que, em junho de 2023, enviou um pedido formal para que o tema fosse incluído na pauta da reunião seguinte do CNPS. A solicitação foi ignorada sob o argumento de que a pauta “já estava fechada“.
Durante a reunião, realizada em 12 de junho, ela insistiu para que seu pedido constasse em ata.
O documento, obtido pelo Globo e revelado também pelo Jornal Nacional, confirma que o ministro reconheceu a relevância do tema, mas condicionou a discussão a uma ampla investigação sobre os convênios firmados entre associações e o INSS. Na prática, no entanto, o assunto não voltou a ser pautado.
“Não levaram para o conselho, não debateram o tema, não criaram um grupo de trabalho. Ficou uma situação constrangedora porque parecia que ninguém sabia do problema, mas todos viam o que estava acontecendo”, criticou Galleti.
Ministro alega falta de insistência, mas ex-conselheira rebate
Procurado, Carlos Lupi disse que outros conselheiros também o alertaram sobre denúncias, mas que era necessário ter “fatos concretos” para abrir investigações. Ele ainda argumentou que Galleti não teria insistido no tema em reuniões posteriores, o que, segundo ele, justificaria a falta de avanço.
A ex-conselheira rebateu:
“Normalmente, quando um conselheiro pede para incluir um assunto, pode não ser naquele momento, mas depois é pautado. Isso não ocorreu, mesmo após insistência interna.“
Para ela, ficou claro que havia resistência em discutir o problema dentro do CNPS, órgão presidido por Lupi e responsável por formular diretrizes e acompanhar a gestão do sistema previdenciário.
Esquema investigado pode ter desviado bilhões
A operação “Sem Desconto“, deflagrada pela Polícia Federal na última semana, investiga um esquema de descontos não autorizados que, segundo estimativas, pode ter desviado mais de R$ 6 bilhões dos aposentados nos últimos anos.
Associações firmavam convênios com o INSS para realizar descontos diretamente nos benefícios, sem consentimento prévio dos segurados, prática que fere a legislação e compromete a renda de milhões de aposentados e pensionistas.
Medidas tardias e consideradas insuficientes
Pressionado pelas denúncias e pela investigação do Tribunal de Contas da União (TCU), Carlos Lupi anunciou, apenas em março de 2024, uma Instrução Normativa (IN) que alterou regras para os convênios que autorizam descontos. Além disso, demitiu o então diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis.
Para Tônia Galleti, as ações foram tardias e insuficientes:
“O ministério só se mexeu depois que o TCU começou a apertar.“
Ela também revelou que houve tentativas de as próprias entidades proporem uma autorregulamentação para corrigir os abusos, mas como não houve consenso, a ideia foi vetada pela direção do INSS.
Cresce a pressão política sobre Carlos Lupi
Após o caso ganhar dimensões nacionais e afetar diretamente aposentados — um dos grupos mais relevantes do eleitorado —, a situação de Carlos Lupi no comando da Previdência Social se tornou ainda mais delicada.
Nos bastidores, integrantes do governo avaliam que o ministro pode ser chamado a dar explicações formais tanto no Congresso Nacional quanto em novas auditorias da CGU e do TCU. A oposição articula convocações para esclarecimentos.
A gestão Lula, que enfrenta dificuldades para manter sua base de apoio, teme que o escândalo contamine ainda mais o ambiente político, com reflexos negativos nas eleições municipais de 2024 e no cenário de 2026.