Imagina se o trabalhador brasileiro, que segue a escala 5 por 2, conseguisse encurtar as expectativas pelo descanso e o famoso ‘sextou’ virasse ‘quintou’.
Parece distante, mas a jornada de trabalho em 4 dias na semana já virou realidade em diversos países e foi proposta no Brasil pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), com o Projeto de Lei (PL) 1.105 de 2023, que tem como relator o senador Paulo Paim (PT-RS).
O texto quer incluir na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a possibilidade de redução das horas trabalhadas diárias ou semanais, através de acordo coletivo entre empresa e trabalhador, sem haver perda na remuneração.
O PL foi aprovado de forma terminativa na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), do Senado Federal, no ano passado e poderia ter seguido diretamente para a análise na Câmara dos Deputados.
Porém, um requerimento do senador Laércio Oliveira (PP-SE), aprovado em Plenário, determinou que o projeto fosse analisado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), onde iniciou a discussão neste ano e deve ser votado futuramente.
Alguns políticos, como Oliveira, questionam o impacto da medida sobre todo o setor produtivo gerador de empregos e desenvolvimento econômico.
O debate levanta alguns pontos, e o principal deles seria se o mercado de trabalho brasileiro consegue se adequar a essa nova realidade.
Redução de jornada: benefício ou risco para a economia?
Essa redução de jornada proporciona melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores e maior produtividade para as empresas, afirma, em nota à SpaceMoney, o senador Paulo Paim, relator da proposta.
“Eles terão mais tempo livre para se dedicarem aos estudos, para descanso, aos cuidados pessoais, ao lazer e à família. Todos estes fatores resultarão na maior produtividade e efetividade das atividades desempenhadas pelos trabalhadores”, destaca.
O senador defende que a redução da jornada de trabalho pode criar cerca de 3,5 milhões de novos empregos no Brasil.
“A redução da jornada já é uma tendência mundial, além de promover a geração de empregos, diminui os riscos de acidentes no trabalho, e ainda, colabora para a redução de custos para o empregador. Todos ganham!”
No entanto, o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Alfredo Cotait, discorda.
Em entrevista à SpaceMoney, Cotait considerou o debate válido, mas acredita que a medida elevaria os custos das empresas, afetaria a produção e não geraria novos empregos.
“Tem que haver uma contrapartida. Toda vez que você tem o aumento de produtividade, você tem um ganho, aí sim pode se fazer um ajuste, seja na jornada de trabalho ou um ganho ao próprio trabalhador. Agora, quando não tem ganho de produtividade, qualquer ação é inflacionária.”
Diante desse conflito de interesses entre representantes, o advogado trabalhista Abner Vidal, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Guarulhos, cidade da região metropolitana de São Paulo (SP), ressalta que o PL da redução de jornada sem perda salarial não impõe uma regra geral.
Vidal ressalta que o projeto permite que as empresas se adaptem conforme suas próprias condições e expectativas, em acordo com os trabalhadores.
Mas o advogado destaca que essa flexibilidade não elimina os desafios.
“Setores com longas jornadas, como a indústria e o comércio, podem ter mais dificuldades de se adaptar. Empresas menores ou dependentes de mão de obra intensiva podem encontrar dificuldades em manter a produtividade, ou absorver custos adicionais sem repassá-los aos consumidores.“
Nesse sentido, o professor de finanças da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, Marcos Crivelaro, sugere que, caso aprovada, essa redução ocorra de forma gradativa e acompanhada de políticas públicas que incentivem a modernização das empresas, como subsídios para automação e inovação.
“É essencial um diálogo aberto entre governo, empresas e sindicatos para garantir que a mudança seja sustentável. Setores de alta produtividade, como tecnologia e serviços, poderão adotar a medida mais rapidamente, enquanto setores dependentes de mão de obra precisarão de mais tempo para se ajustar.”
Tendência mundial em fase de testes
A ideia de uma semana de trabalho mais curta já trouxe resultados positivos em países como Reino Unido, Estados Unidos e Portugal.
Nessas regiões, a proposta de trabalhar 4 dias na semana resultou em maiores lucros, produtividade e bem-estar dos funcionários.
No Brasil, um projeto-piloto recém-concluído acaba de implementar a semana de quatro dias em dezenove empresas, com resultados alinhados aos de experimentos semelhantes ao redor do mundo: mais eficiência, criatividade, inovação e satisfação dos profissionais, além de menor frustração e ansiedade.
O piloto, conduzido pela 4 Day Week Global, que implementa essa abordagem desde 2018, envolveu 22 empresas e cerca de 280 colaboradores.
Apenas uma empresa em Porto Alegre (RS) saiu do projeto devido às enchentes em todo o Rio Grande do Sul em maio.
Após três meses de testes, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Boston College realizaram uma pesquisa que revelou avanços significativos.
O balanço mostrou que 61,5% das empresas notaram melhorias na execução de projetos, e 58,5% observaram um aumento na criatividade das equipes.
Os benefícios também se refletiram na vida pessoal dos trabalhadores.
Cerca de 58% relataram melhor equilíbrio entre responsabilidades profissionais e pessoais após a mudança.
Além disso, a pesquisa indicou um aumento de 78% na disposição para atividades de lazer e melhorias na saúde mental.
50% dos profissionais consultados relataram menos insônia, 62,70% perceberam redução no estresse no trabalho, 64,90% não se sentiram mais desgastados ao fim do dia, e 56,50% notaram menor frustração.
Novo requisito da CLT Premium
Esse modelo de 4 dias de trabalho na semana tem despontado como uma estratégia eficaz para as empresas se destacarem no mercado e atraírem talentos, especialmente em meio ao viral “CLT Premium”.
Esse termo que tem viralizado nas redes sociais fornece benefícios valorizados pelos jovens em grandes companhias, como massagem no escritório, vale-refeição superior ao salário mínimo, academia gratuita e mais.
No Brasil, 16,70% dos participantes do piloto afirmaram que não mudariam de emprego, mesmo que oferecido um salário mais alto, para voltar a trabalhar cinco dias na semana.
Além disso, 40,4% considerariam adicionar um dia de trabalho apenas se houvesse um reajuste salarial superior a 50%.
Marcos Crivelaro reforça que a redução da jornada pode ser um novo requisito da “CLT Premium”, por melhorar a qualidade de vida e reduzir o estresse.
“Empresas que conseguirem adaptar suas operações e investir em tecnologias para aumentar a eficiência podem transformar a redução da jornada em um fator de diferenciação no mercado, gerando vantagens competitivas e economia a longo prazo”, conclui.