Curva de juros dos EUA ameaça recuperação

A inversão da curva de juros, que antecedeu recessões anteriores, pode estar prestes a se desfazer. A incerteza econômica cresce

Ilustrar a tensão econômica gerada pela curva de juros dos títulos do Tesouro americano, que sinaliza uma possível recessão iminente.
Curva de juros dos títulos do Tesouro dos EUA se aproxima de reversão, aumentando o temor de recessão entre investidores.

Curva de juros dos EUA pode sinalizar recessão à vista

O mercado de títulos dos Estados Unidos pode estar à beira de emitir mais um alerta de recessão. Na quarta-feira, um trecho amplamente monitorado da curva de rendimentos do Tesouro americano estava prestes a voltar ao território positivo pela primeira vez desde 2022. A curva de juros, que representa a diferença entre as taxas de retorno de títulos de curto e longo prazo, inverteu-se há 544 dias, um período recorde. Esse fenômeno, chamado de “inversão da curva”, é amplamente considerado um dos indicadores mais confiáveis de recessões econômicas futuras.

A curva de rendimentos é um termômetro para investidores ao medir a diferença entre os títulos do Tesouro com vencimentos de dois anos e dez anos. Historicamente, quando o rendimento dos títulos de dois anos supera o dos de dez anos, o mercado considera isso um presságio de dificuldades econômicas à frente. No entanto, o verdadeiro impacto econômico começa quando a curva retorna ao normal, ou seja, quando os rendimentos de longo prazo superam novamente os de curto prazo.

Os rendimentos dos títulos do Tesouro de 2 anos estavam prestes a fechar abaixo da taxa dos títulos de 10 anos na quarta-feira, o que aconteceria pela primeira vez desde 2022, de acordo com os dados da Dow Jones Market Data.
Fonte: Federal Reserve

Impacto da inversão no mercado financeiro

Segundo o especialista em dados de mercado Joseph Adinolfi, da MarketWatch, quando a curva de juros finalmente se desinverte, é geralmente um sinal de alerta ainda mais grave. “É quando a curva volta ao território positivo após uma inversão que os maiores impactos negativos para a economia americana e o mercado de ações podem começar a aparecer”, escreveu Adinolfi. O mercado de ações, por sua vez, costuma reagir de forma mista a esses movimentos, com uma queda histórica em torno de 11% nos três meses seguintes a desinversões anteriores.

Essa expectativa alimenta a ansiedade dos investidores. Após uma breve “reversão” da curva na quarta-feira, os rendimentos dos títulos de dois e dez anos estavam praticamente empatados, ambos em torno de 3,78%, segundo dados da FactSet. Para que haja uma desinversão oficial, o rendimento do título de dez anos precisaria fechar acima do de dois anos.

Efeitos econômicos e o papel do Federal Reserve

O último período em que o spread entre os títulos de dois e dez anos foi positivo ocorreu em 1º de julho de 2022, conforme os dados do Dow Jones Market Data. Esse movimento acendeu o alarme no mercado em outubro de 2019, apenas alguns meses antes da chegada da crise da COVID-19, que levou a uma breve recessão mundial.

No entanto, o atual cenário pode ser diferente. “Não há evidências de que uma recessão esteja iminente”, afirmou Guy LeBas, estrategista-chefe de renda fixa da Janney Montgomery Scott, em entrevista à MarketWatch. Ele afirma que, embora os traders apostem em cerca de dez cortes na taxa de juros nesta fase do ciclo econômico, essa estimativa pode estar exagerada. “Isso parece agressivo”, disse LeBas, lembrando que, historicamente, o Federal Reserve corta as taxas, em média, três vezes ao longo de três trimestres em cenários de pouso suave. Dez cortes de juros indicariam que algo muito pior estaria acontecendo na economia.

Possíveis razões para a distorção nos sinais de recessão

Uma das razões pelas quais os indicadores tradicionais de recessão podem não estar funcionando como antes é o longo período de taxas de juros extremamente baixas nos Estados Unidos. Após anos de políticas de juros reduzidos, implementadas para combater as crises de 2008 e de 2020, o cenário econômico atual apresenta distorções. O comportamento dos investidores, agora acostumados com esses juros baixos, pode estar levando a movimentos atípicos na curva de rendimentos, dificultando a interpretação tradicional desses indicadores.

Para complicar ainda mais o cenário, o mercado também está de olho em outros fatores de risco, como a emissão maciça de títulos corporativos. Segundo LeBas, essa emissão pode estar drenando liquidez do mercado de ações. Na terça-feira, empresas realizaram uma emissão significativa de títulos corporativos, com mais emissões robustas na quarta-feira. Esse movimento pode estar “sugando parte do dinheiro do mercado de ações”, afetando a confiança dos investidores.

Expectativa para o relatório de empregos e a reação do mercado

Enquanto isso, o mercado concentra a atenção no relatório de empregos dos EUA de agosto, que será divulgado na sexta-feira. Este relatório mensal é um dos principais indicadores do estado de saúde da economia americana. Um aumento no desemprego ou dados fracos de criação de empregos podem reforçar as expectativas de uma desaceleração econômica mais acentuada, impulsionando ainda mais os temores de recessão.

O início de setembro já trouxe um tom nervoso para os mercados financeiros, com investidores avaliando como os dados de empregos podem influenciar as decisões futuras do Federal Reserve. A alta dos juros pelo Fed foi uma das ferramentas mais utilizadas nos últimos meses para controlar a inflação, mas agora, o mercado especula sobre possíveis cortes de juros em um cenário de pouso econômico suave ou recessão moderada.

Reação histórica da bolsa de valores a desinversões

O comportamento das ações após uma desinversão da curva de juros apresenta um histórico misto. De acordo com dados do Dow Jones Market Data.

O índice S&P 500 subiu, em média, 2,6% nos três meses após a curva de rendimentos inverter para território positivo por pelo menos 50 dias de negociação ao longo dos últimos 40 anos. No entanto, a história também mostra que o mercado pode experimentar quedas significativas após a desinversão. Em 2000, por exemplo, o mercado caiu 11% nos três meses seguintes à desinversão e acumulou perdas de 12,9% um ano depois.

As ações apresentaram resultados mistos após a curva de rendimentos do Tesouro voltar ao território positivo, depois de um período de inversão.
Fonte: Dow Jones Market Data

Dessa forma, o ambiente econômico atual, marcado por incertezas e sinais conflitantes, torna o futuro do mercado financeiro altamente imprevisível. Enquanto investidores monitoram atentamente os dados econômicos, a curva de juros permanece como um dos principais indicadores de possíveis mudanças drásticas à frente.

Com Informações do MarketWatch