Inflação em escala íngreme

Como a escalada da Selic altera a renda variável

Analistas consultados para o Relatório Focus estimam que a taxa fechará este ano em 7,63%

- Nataliya Vaitkevich/Pexels
- Nataliya Vaitkevich/Pexels

A taxa básica de juros está em ritmo acelerado de subida. Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), a Selic ganhou mais 1,00 ponto percentual, chegando a 5,25% ao ano.

Analistas consultados para o Relatório Focus, também do BC, estimam que ela fechará este ano em 7,63% a.a. e avançará ainda mais em 2022, para 7,75% ao ano. 

É uma escalada íngreme, principalmente se considerarmos que até março deste ano a taxa estava na sua mínima histórica (2% a.a.), alcançada em agosto do ano passado depois de uma sequência também rápida de queda.

Acelerada, claro, pela crise trazida pela Covid-19, que pressionou a equipe econômica do governo a estimular o consumo e o crédito, derrubando os juros.

A combinação de menor custo para emprestar dinheiro, alta de desemprego, fechamento de empresas por conta das medidas de distanciamento social e dívidas inesperadas que muitas famílias tiveram por conta da crise sanitária fizeram o setor de crédito crescer 15,4% em 2020, segundo um levantamento realizado em janeiro deste ano pela Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).

Foi o ritmo mais acelerado desde 2012. Ainda segundo a pesquisa, que cobriu 68% das carteiras de crédito do país, os empréstimos para empresas cresceram 21,7%, enquanto o crédito pessoal cresceu 10,8%.

Os financiamentos imobiliários, também afetados diretamente pela baixa da Selic, também tiveram notório crescimento. Segundo a Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), o crédito para compra de imóveis cresceu 58% em 2020 em relação a 2019. Ao todo, foram disponibilizados R$ 123 bilhões, um recorde no setor.

Já para os investidores, a conjuntura sinalizou a necessidade de mexer nas carteiras. Por conta dos juros baixos pressionando a rentabilidade dos investimentos da renda fixa, a renda variável ganhou um fôlego nunca antes visto.

Em 2020, segundo a B3, mais de 1,5 milhão de novos investidores ingressaram na bolsa de valores, um crescimento de 92% em relação a 2019, alcançando 3,2 milhões de contas ativas nos primeiros pregões de 2021. E esse número não para de crescer.

Ações e fundos de investimento – principalmente os imobiliários (FIIs) – caíram no gosto dos brasileiros, sedentos pela rentabilidade que ativos mais conservadores da renda fixa não conseguiam oferecer. Agora, porém, o cenário está mudando.

O que a escalada da Selic fala aos ouvidos do investidor?

Mesmo as projeções mais otimistas apontam a Selic chegando aos patamares entre 7,50% e 7,75% a.a. nos próximos dois anos, pressionada pela inflação. Nesse caso, toda conjuntura atual dá uma guinada de 180 graus. E, claro, a renda variável deve ser impactada.

Com os juros mais altos, o custo de oportunidade da bolsa diminui, isto é, correr o risco da volatilidade do mercado financeiro pode não ser interessante quando títulos mais conservadores oferecem boa rentabilidade. Isso vale tanto para investidores institucionais quanto de varejo.

Além disso, a influência da Selic sobre o mercado imobiliário impactará diretamente ativos ligados ao setor. Apesar de, no patamar de juros em torno de 7% ao ano, os financiamentos ainda continuarem atrativos, é esperado que os números atuais não se sustentem e o segmento desacelere, impactando diretamente a performance dos FIIs, ações de construtoras e empresas ligadas ao setor imobiliário.

É difícil apontar qual é o limite dos juros que determinará essa migração de investimentos. A derrubada da Selic foi um remédio (necessário) que funcionou bem no curto prazo, mas insustentável para ser permanente.

No entanto, é fato que não combina mais com o Brasil atual uma taxa de juros de dois dígitos e o desafio do Banco Central é agir cirurgicamente para alcançar esse cenário equilibrado.

A missão agora é segurar as rédeas da inflação sem deixar esfriar a economia, que só está esperando o controle da pandemia para retomar (as previsões de crescimento do PIB corroboram com essa expectativa).

Se tudo continuar como está, este ano deve ser forte na bolsa. Já para o ano que vem, livres da Covid-19, com juros mais altos e cenário político trazendo volatilidade para o mercado financeiro, talvez chegue a hora de voltarmos para a segurança da renda fixa.