Entrevista

Criptomoedas podem facilitar transações monetárias dos governos, diz Ricardo Rochman

-
-

Recentemente, o Bitcoin, uma das principais criptomoedas do mundo, alcançou a marca histórica de US$ 1 trilhão em valor de mercado, chegando a valer mais de US$ 54 mil. A alta vem acontecendo há alguns meses e foi impulsionada por um movimento da empresa Tesla, do bilionário Elon Musk, que comprou cerca de US$ 1,5 bilhão de dólares da moeda no dia 8 de fevereiro.

A SpaceMoney conversou com o mestre e professor de finanças da FGV Ricardo Ratner Rochman sobre as expectativas das criptomoedas, a segurança desse mercado e as principais dicas para quem quer começar a investir nesse ativo.

Confira a entrevista completa:

O que explica essa alta do Bitcoin?

Primeiramente, o movimento de alta no Bitcoin e nas outras altcoins [criptomoedas alternativas ao Bitcoin] vem pela busca dos investidores institucionais em investir nesse tipo de mercado. Os investidores institucionais já estavam há alguns anos monitorando o mercado das criptomoedas. Lembrando, os investidores institucionais são, por exemplo, fundos de investimento, fundos de pensão, bancos e seguradoras. São investidores bastante sofisticados, que acompanham o mercado e tentam entender qual é a sua dinâmica. 

O Bitcoin nasceu no início de janeiro de 2009. É uma criptomoeda recente se a gente comparar com as moedas tradicionais. Nessa época, o mercado ainda estava conhecendo, entendendo e ficando mais seguro quanto a ele e à tecnologia. Agora, a partir de 2019, e principalmente 2020, esses investidores resolveram começar a investir nas criptomoedas. Surgiram vários fundos de investimento focados em criptomoedas, alguns focados em Bitcoin e outros montando carteiras de criptomoedas. 

Nesse meio tempo, principalmente no ano passado, as pessoas físicas começaram a investir mais também, e aí surgiu aquele movimento da famosa lei da microeconomia, da oferta e demanda. Você tem mais gente procurando essas criptomoedas, tem uma demanda maior e isso faz o preço subir. Essa maior demanda pelos investidores institucionais, em um primeiro momento, seguido pelos investidores de varejo, as pessoas físicas, fez o preço subir.

O que trouxe segurança para esses investidores institucionais investirem em criptomoedas?

A segurança é entender a tecnologia e entender que dá para comprar e vender essa criptomoeda, e que ela tem liquidez. O investidor institucional é o investidor que trabalha com grandes quantias de dinheiro, ele trabalha na casa dos milhões e até bilhões. Portanto, ele tem que ter a segurança de que, se investir 20 ou 30 milhões, esse dinheiro possa ser resgatado depois. A tranquilidade veio porque foram criados fundos de criptomoedas e também pela existência de um mercado de derivativos em criptomoedas. Isso dá tranquilidade para ele pensar "se eu quiser negociar eu consigo comprar e vender tranquilamente, se eu quiser fazer um hedge e me proteger, eu tenho derivativos". Dá mais tranquilidade a ele para movimentar os recursos e entrar nesse mercado. Isso é essencial.

Qual é a expectativa para essa alta? Ela pode se manter por um longo período de tempo?

O que a gente vem aprendendo das criptomoedas é que elas tem “mini bolhas”. São movimentos de alta repentina, que depois caem, voltam para outro patamar intermediário, depois voltam a subir. As criptomoedas são algo novo, completou agora 12 anos. Isso não é nada para uma moeda. A gente tem que entender que a compreensão da dinâmica das criptomoedas é uma coisa ainda que as pessoas estão entendendo. Por isso mesmo as corporações e os investidores institucionais ainda não estão fazendo grandes alocações em criptomoedas, porque eles tem que entender melhor essa dinâmica. Eu diria, então, que é algo temporário. Agora, até onde vai, a gente não sabe, porque é um mercado que ainda está sendo descoberto. Eu diria que tem muita gente que tem vontade de aplicar nas criptomoedas e negociá-las, mas ainda tem medo. Essa incerteza ainda é bastante alta, justamente porque a gente ainda não conhece a dinâmica dessa moeda, ou talvez essa dinâmica ainda não esteja madura o suficiente. Talvez só daqui a 10, 15 ou 20 anos as criptomoedas vão estabilizar essa dinâmica.

Você falou sobre essas mini bolhas do Bitcoin, mas você acha que existe o risco de ele ter uma grande bolha? E o que poderia fazer ela estourar?

Pode ter uma grande bolha? Pode. Quem ainda está negociando está negociando valores pequenos perto do mercado que tem como um todo. Então eu não chamaria de grande bolha, como a gente vê, por exemplo, em mercado de ações ou às vezes em algumas moedas no mundo. Por isso que chamam de mini bolhas. Eu acho difícil ter uma grande bolha, porque não tem tanta gente assim negociando em grandes volumes. 

O que tem mesmo atrapalhado a dinâmica foram intervenções dos governos. Então, se aparecer, por exemplo, algum governo proibindo a negociação das criptomoedas, por parte de corporações ou investidores institucionais ou limitando o uso deles, isso deve “estourar” a bolha. Não vou nem chamar de bolha, mas deve parar essa alta. Porém, é um mercado que ainda tem um potencial de crescimento enorme.

Você falou de governos. Eles estão de olho nas criptomoedas. Elas são um risco para os governos?

Não chega a ser um risco para os governos. No começo, os governos tinham um certo medo que as pessoas tirassem seus recursos do sistema financeiro e passassem para as criptomoedas, o que faz a moeda nacional perder força. Mas isso não aconteceu. Então, os governos agora estão ficando mais tranquilos por esse ser um mercado ainda relativamente pequeno. 

Uma das vantagens do Bitcoin, por exemplo, é o fato de ele estar hospedado em um blockchain público, mas criptografado. É só entrar em qualquer site que a gente pode ver quais foram as transações que estão ali no bloco. A gente não consegue ver quem fez, isso está criptografado, mas a gente consegue ver as transações. Os próprios governos veem que se eles quiserem rastrear alguém, eles conseguem. Então, por exemplo, prendi uma gangue aqui de bandidos e quero rastrear os movimentos, descobrir se eles estavam mexendo com Bitcoin ou alguma criptomoeda, é possível rastrear os movimentos. Há muitas vantagens nesse aspecto, o que deu tranquilidade para os governos. 

Até metade do ano passado para cá, já tem se discutido muito os próprios governos terem suas próprias criptomoedas. Assim, os governos podem fazer transferências entre si sem precisar movimentar dinheiro físico, você poderia fazer as transações usando criptomoedas, o que facilitaria muito e daria segurança, porque é rastreável, seguro e criptografado. Sairia um custo muito menor, porque o governo não precisaria, por exemplo, pagar taxas bancárias para fazer transferências. Eles podem explorar esse mercado.

Em setembro do ano passado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que uma possível criptomoeda brasileira, o real digital, poderá ficar pronta em 2022. O que isso significaria para a economia brasileira?

Ainda não sei como eles vão implementar, mas o real digital poderia ser uma alternativa justamente para você fazer transferências sem movimentar no mercado financeiro, fora da rede de bancos, a um custo menor e mais rápido. Você poderia implantar até o Pix dessa forma, de uma maneira mais segura e com a vantagem de que as criptomoedas costumam ser descentralizadas. 

É aquela coisa, deu uma pane em um computador do Banco Central que cuida do Pix. Essa moeda digital do real descentralizada ficaria no ar, e você tem os outros membros dessa rede descentralizada que continuam fazendo operações. Ou seja, é possível fazer mais transações, mais baratas, mais rápidas, seguras e de maneira descentralizada. Então até o próprio governo poderia implementar o Pix de uma maneira mais sólida do que já é, e ainda descentralizada, dando mais segurança para o mercado e para o sistema financeiro como um todo. 

Os bancos têm um depósito compulsório que ele faz no Banco Central. Imagine, então, que o Banco Central possa fazer essas operações com o depósito compulsório sem fazer a transferência de dinheiro propriamente dita, sem transferir o real, só com as transações de criptomoedas. Isso ajudaria muito até os próprios bancos. É como se a gente tivesse uma contabilidade entre os bancos e o Banco Central única e segura.

É possível que alguma criptomoeda se torne uma reserva de segurança como o ouro, substitua o dólar como uma principal divisa de reserva dos estados ou que substitua as moedas nacionais, apressando o desaparecimento do dinheiro físico?

Eu acho muito difícil. Eu não vou dizer que é impossível. Eu acho muito difícil, porque os próprios governos querem ter uma autonomia quanto a sua moeda. Isso é uma questão até de soberania nacional. A possibilidade dos governos emitirem moeda salvou a economia global. Durante a pandemia, os governos emitiram bastante moeda justamente para dar auxílio para as pessoas que ficaram sem emprego, empresas que pararam de operar ou tiveram uma grande redução no seu movimento. É importante que os governos tenham essa autonomia justamente para essas situações de crise. Se a gente tivesse uma criptomoeda global como o Bitcoin, que tem um algoritmo em que você não pode gerar mais moeda, isso faria com que os governos perdessem uma forma de auxiliar a população. Eles não abririam mão disso. Eu vejo uma possibilidade, sim, de ter uma criptomoeda global para que os governos possam fazer transferência entre si de uma maneira mais simples, ao invés de ficar comprando efetivamente a moeda. 

Como você classificaria o nível de segurança de um investimento em criptomoeda?

Há duas facetas. Primeiro, é um investimento seguro do ponto de vista de que ele existe, está registrado e não some. Claro, desde que o investidor faça o aporte em criptomoedas que a gente sabe que tem um blockchain, gente negociando e tenha uma certa maturidade. Você consegue participar desse mercado como minerador. Então desse ponto de vista é bastante seguro. Agora, do ponto de vista da volatilidade, ainda é um mercado bastante "nervoso", ele tem uma volatilidade bastante alta. O mercado de criptomoedas pode subir 5% em um dia e despencar 10% no dia seguinte, por exemplo. Eu já fiz até alguns cálculos, a volatilidade do Bitcoin chega a ser oito vezes maior que a volatilidade do real frente ao dólar. Não é um investimento seguro do ponto de vista de volatilidade. É aquela parcela que o investidor tem que falar o seguinte "essa é a parcela que eu posso correr risco".

Como prevenir o uso das criptomoedas para crimes cibernéticos ou crimes como evasão de divisas e sonegação fiscal?

Tem criminosos que usam criptomoedas nesse mercado? Tem. Assim como já tem criminosos que usam dólar, real, euro e outras moedas. Eu até costumo dizer que é mais fácil lavar dinheiro fora desse mercado de criptomoedas do que dentro dele. Isso porque o sujeito que quer evadir divisas e lavar dinheiro, quer apagar rastros e não criar, e as criptomoedas criam rastros.O Bitcoin registra publicamente as transações e você consegue verificar isso.

Para quem pensa em começar a investir em criptomoeda, quais seriam os conselhos fundamentais?

Primeiro, ler sobre o assunto. Procurar entender o que é essa criptomoeda e por que investidor quer essa criptomoeda, qual é o objetivo dele. Não se deve entrar no modismo, muita gente não precisa ter criptomoedas. Depois procurar se informar sobre quais são as principais exchanges [empresas que permitem a negociação de criptomoedas ou moedas digitais por outros ativos]. A partir daí, começar a operar com uma exchange. Começa devagar, faz uma operação e vê como isso funciona. É o mesmo conselho que a gente dá para quem vai entrar no mercado de ações. Vai entrar no mercado de ações? Vai devagar, compra uma, compra duas, vende. Experimenta esse mercado. Depois que tá experimentando, você pode operar cada vez mais com ele. 

Então, primeiro, definir claramente o seu objetivo, o porquê de você querer isso. Não vá atrás de modismo, se informe. Procure uma exchange. Não acredite em milagres. Veja em quem você está investindo. Se você tem medo de operar diretamente com isso, procure fundos de investimento de criptomoeda. Investigue quem é o gestor desse fundo, se está registrado na CVM e se a empresa existe. Não acredite em milagres, se o sujeito está prometendo dinheiro muito fácil e muito rápido, desconfie.

Você já investiu em criptomoedas? Pode nos contar um pouco da sua experiência?

Já investi. Até para experimentar o mercado e conhecê-lo. Já entrei e segui os passos que indiquei. Me informei, fui ler, pesquisei exchanges, abri conta em mais de uma delas. Fiz pequenas operações em cada uma delas para experimentar, para ver qual a dificuldade, tempo de resgate e tempo de aplicação. Eu tive alguns problemas com algumas, fiz transferência e não aparecia ali o dinheiro na conta, depois foi sanado. Lembrando que estou falando de muitos anos atrás, em que o mercado ainda estava começando a crescer e se desenvolver. Hoje já estamos em um nível totalmente diferente, as exchanges estão melhor estruturadas. Por isso que eu falei, experimenta, veja o nível de serviço. Em todas as que eu tive problemas, tudo foi solucionado. Infelizmente, demora dois ou três dias, e nesse mercado volátil você acaba perdendo oportunidade, por isso é importante você pesquisar as exchanges e ver como elas operam. Já aconteceu comigo, esperava que o dinheiro estaria ali na ponta para comprar a criptomoeda naquele dia e o dinheiro não apareceu e demorou dois três dias e perdi aquela oportunidade que eu queria aproveitar.