Hoje, 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Água. A data foi criada em 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de promover o uso racional deste recurso tão essencial à vida, porém esgotável.
Em seu mais recente relatório sobre recursos hídricos, a ONU trouxe alguns dados importantes sobre o líquido: 99% de toda a reserva de água doce do mundo se encontra no subsolo. Agora, os esforços de membros da entidade estarão concentrados no uso sustentável destas águas subterrâneas – “mal compreendidas e, consequentemente, subvalorizadas, mal administradas e até mesmo abusadas”, segundo o material – como uma saída para aumentar a produção de água e atender uma demanda que, até 2030, deve crescer 1% todos os anos no mundo.
Só no Brasil, quase 35 milhões de pessoas (16,3%) não têm acesso à água potável e cerca de 100 milhões (46%) não dispõem de rede de coleta de esgoto, apontou um relatório divulgado pelo Instituto Trata Brasil (ITB) nesta terça-feira.
Todo esse cenário exige ações mais urgentes da classe política, da sociedade civil, de redes de comunicação, do empresariado e de investidores para projetar uma situação mais saudável para as gerações futuras no Brasil e no mundo.
Sai na frente o investidor que não distingue o futuro e a sustentabilidade
No universo dos investimentos, a água sempre ganhou destaque: seja em empresas listadas na B3 (B3SA3) e em bolsas globais, que têm a matéria-prima como foco de sua atuação; e até mesmo vista como commodity.
Gian Montebro, assessor de investimentos da iHUB Investimentos, destaca o Water Index (Índice da Água), que permitiu que o líquido fosse negociado no mercado futuro da bolsa norte-americana Nasdaq.
“Ele [o índice] negocia como petróleo, ouro ou trigo com as mesmas flutuações de preço dessas mercadorias, com a diferença de ser um direito humano, essencial para a vida e não apenas uma mercadoria. Existem atualmente diversos fundos de investimentos relacionados à água ou setor hídrico”, pontua.
O assessor vê o índice como um dos elementos de “uma ‘onda’ muito positiva e crescente em investimentos ESG que significa, em uma tradução livre, ambiental, social e de governança”. “Posso afirmar que atualmente existem diversos meios de se investir nesse segmento”, complementa Montebro.
Além do Water Index, existem outros investimentos alternativos como fundos como Itaú Index ESG Água, o XP Trend Água Tech FIM, o Vitreo Água e ETFs replicados negociados em NY como First Trust Water e Invesco S&P Global Water Index que estão ligados à matéria-prima.
Na opinião de Montebro, esses produtos reforçam a tese de que “por mais que tenhamos ciclos como os de crise hídrica, os investimentos em ESG/ASG, que financiam empresas com questões sociais, ambientais e de governança, estão cada vez mais relevantes e disponíveis para diferentes classes de investidores”.
Montebro avalia que esse movimento “gera oportunidade e consequentemente interesse do investidor, que, ao saber projetar tudo isso de forma precisa, os impactos por fatores de sazonalidade e clima, por exemplo, pode lucrar e muito” já que tratamos de um “recurso natural que suporta a vida e pode ficar escasso em várias partes do mundo”.
De acordo com um levantamento realizado pela XP, em um ano, de junho de 2020 a junho de 2020, com aproximadamente 70 fundos voltados à temática, o mercado mundial da água como commodity já registrava US$ 42 bilhões de valor acumulado.
Crise hídrica: incentivo por racionalidade e diversificação não pode ser perdido
Montebro destaca que, se quisermos aprender algo com a crise hídrica que atingiu o Brasil em 2021 – a maior em 91 anos -, seria necessário o governo ter um planejamento energético e mudar a matriz elétrica brasileira, com maiores investimentos em energias limpas como solar e eólica. Na opinião do assessor, além de enfrentarmos a imprevisibilidade do clima, estaríamos melhor preparados para lidar financeiramente com a ocasião.
“Sofremos com a escassez, que fez com que houvesse um aumento significativo na tarifa da conta de luz”, explica. Mas o assessor tem esperança de que, “com o retorno das chuvas, os reservatórios a 50% ou mais da sua capacidade, as contas diminuam. Por enquanto, não houve nenhuma sinalização por parte do governo nesse sentido”, diz.
Marco Legal do Saneamento Básico: otimismo para os próximos anos
Em julho de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei do novo Marco Legal do Saneamento Básico no país, que prevê a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033. À época, o serviço de saneamento era prestado por empresas estatais em 94% das cidades brasileiras.
A lei extinguiu ainda os documentos que eram chamados de contratos de programa, em que prefeitos e governadores firmavam termos de parceria diretamente com as empresas estatais, sem licitação.
Montebro projeta que, no âmbito do marco legal, o ano de 2022 vai trazer desafios como “a inserção das companhias estaduais de saneamento ou o que sobrar delas no cenário atual, por exemplo, assim como a formação de novos blocos e soluções independentes por municípios e a geração de modelos que possam trazer mais atratividade e maior concorrência”.
Ele ressalta que esse desafio fica ainda maior para governos do que para concessionárias, por estarmos em um ano eleitoral: “para entregar um serviço de qualidade, com tarifas que possam ser pagas e garantam água e esgotamento sanitário para os mais pobres”.
Leilões podem transformar todo o setor
De olho na transformação do setor com a nova legislação, leilões de saneamento básico, como os mais recentes que arrendaram blocos de companhias do setor do Rio de Janeiro e de Alagoas, têm atraído a atenção de muitos investidores. Montebro acredita que a tendência se mantenha ao longo dos próximos anos.
Ele destaca o leilão de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) do Rio de Janeiro resultou na venda de três blocos por R$ 22,69 bilhões, com ágio de até 187% em um dos blocos. O processo ocorreu no dia 30 de abril do ano passado. “A expectativa foi superada em mais de 100%, porque a projeção inicial era de uma arrecadação de aproximadamente R$ 10 bilhões. Esse foi o primeiro megaprojeto de concessão após a regulamentação do novo marco”, diz.
Montebro avalia que os leilões são um “passo importantíssimo” do novo marco legal. “Sabemos que os desafios são grandes, mas foi dado um importante passo e eu acredito que mesmo que não consigamos chegar na meta estabelecida para 2033 (99% da população brasileira com acesso a água tratada), estaremos bem à frente do que atualmente”.
E quanto às empresas listadas em Bolsa que estão ligadas à água?
Na B3 (B3SA3), a bolsa brasileira, algumas empresas estão ligadas ao saneamento básico e às fontes de energia hidrelétrica. Outras adiaram os seus planos de abrir capital, como a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que, por ora, planeja realizar sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) apenas mais à frente.
Se você lida bem com a volatilidade do mercado e investe em ações, veja o que a XP indica para os papéis de companhias ligadas ao setor:
Copasa
A XP tem três cenários diferentes para a Copasa (CSMG3), cujo processo de privatização tem sido defendido pelo governo estadual de Minas Gerais.
A última recomendação, cenário-base para a corretora, foi de venda, com preço-alvo em R$ 15,00, porque os analistas consideram que a operação seja improvável. Em caso de privatização sem contrato em Belo Horizonte, o preço-alvo para a empresa dispararia a R$ 21,00 – quando assumido se a companhia fosse reembolsada por investimentos não depreciados no município.
Já numa simulação de desestatização completa, o preço-alvo chegaria a R$ 25,00, assumida a convergência de custos operacionais por ligação para patamares de empresas privadas de saneamento, além de uma menor taxa de desconto no Fluxo de Caixa Descontado (em linha com a metodologia utilizada no cenário otimista da Sabesp).
Cesp
Para a Cesp (CESP6), a XP recomenda compra, com preço-alvo em R$ 33,00 por ação. Analistas acreditam que os papéis oferecem um risco-retorno atrativo a investidores e pontuam as melhorias de custo desde a privatização da empresa em outubro de 2018, com reduções de 52% no número de funcionários e de 18% nos custos gerenciáveis.
A Cesp também possui a menor alavancagem entre as companhias do setor elétrico que estão cobertas pela XP, reportada pela última vez em 1,3x Dívida líquida/EBITDA = comparado a 1,97x para Engie Brasil (EGIE3), 2,99x para AES Tietê (TIET11) e 4,9x para Ômega Energia (MEGA3).
Sanepar
A Sanepar (SAPR11) recebeu recomendação neutra da XP, com preço-alvo de R$ 26,00 por ação. Em relatório divulgado após o balanço do quarto trimestre da companhia, a XP destacou que os números apresentados pela mesma vieram em linha com as estimativas e acima do consenso de mercado.
Na opinião da XP, os destaques positivos foram o crescimento do volume faturado de água e esgoto (+0,5% para água e +2,1% para esgoto A/A), e o aumento do número de ligações (+2,0% A/A).
A posição neutra se justifica porque a XP acredita na persistência do risco regulatório da AGEPAR (Agência Reguladora do Paraná).
Sabesp
A XP também se mantém neutra em relação aos papéis de Sabesp (SBSP3).
Analistas acreditam que a empresa seja o melhor veículo para investidores otimistas com potenciais processos de privatização, uma vez que a empresa tem menores entraves para ser privatizada tanto no âmbito estadual, devido ao maior alinhamento entre os poderes executivo e legislativo no Estado de São Paulo, como no âmbito municipal com base em análise dos principais contratos de programa da empresa.
Mas pontuam que eventuais tratativas para um processo de privatização da Sabesp não devem ocorrer antes das eleições de 2022, devido à sensibilidade política do tema.