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Governo abandonou qualquer pretensão de realizar ajuste fiscal, diz economista

Segundo Ulisses Ruiz de Gamboa, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o descumprimento do teto de gastos traz sérias consequências para a inflação, para o equilíbrio das contas públicas e para o ambiente de negócios no país

- Isac Nóbrega/PR/Creative Commons
- Isac Nóbrega/PR/Creative Commons

Após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmar a implementação do benefício temporário Auxílio Brasil, para garantir o pagamento de, pelo menos, R$ 400 a 16,9 milhões de famílias até 2022, o mercado financeiro tem observado com apreensão os riscos fiscais em razão dessa medida.

Para a surpresa de muitos, se essa decisão não foi unilateral, foi, ao menos, coagida. Paulo Guedes, ministro da Economia, chancelou a intenção do presidente e admitiu a necessidade de uma “licença para gastar” R$ 30 bilhões fora do teto de gastos, o que alarmou investidores quanto à responsabilidade fiscal.

Para Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, “o governo abandonou qualquer pretensão de realizar ajuste fiscal”.

Os sinais, que já não são positivos, tendem a se agravar por abrir a possibilidade de desrespeito às regras quando o Executivo quiser. “Ninguém garante que o desrespeito, que o furo ao teto de gastos pare por aí”, diz.

Segundo o professor, o teto de gastos “foi uma conquista do ponto de vista de um processo de equilíbrio das contas públicas”. Agora, por motivos de popularidade, Gamboa vê que o discurso mudou.

Governo não corta o que deve e quer gastar mais do que pode

Ele pondera que, apesar de atravessarmos uma “situação econômica grave”, do ponto de vista do orçamento público não houve compensação com a redução de outros gastos. Pelo contrário, o governo sinaliza gastar mais. “Por conta do nosso momento atual, eu defendo que haja sim um novo auxílio, também de forma temporária, mas com planejamento. O que não parece ter sido feito”, avalia.

O professor afirma que, embora o endividamento público tenha caído pelo sexto mês consecutivo em setembro, para 82,7% do PIB (Produto Interno Bruto), a situação fiscal está longe de ser equacionada. Segundo Gamboa, a redução foi um “mero efeito estatístico” e deve aumentar por conta da escalada da inflação.

“O governo continua numa rota de insolvência fiscal. Nós estamos na véspera de um ano eleitoral, naquilo que chamamos de ‘ciclo político’, ou seja, o governo busca reeleição e vai gastar mais. Precisa haver um controle”, recomenda.

As recentes movimentações em torno do parcelamento do pagamento de precatórios e de um prometido Auxílio Diesel a caminhoneiros são, “particularmente, uma quebra preocupante de contrato do governo com a sua própria agenda defendida em 2018”, segundo o professor. “Não parece correto nem mesmo do ponto de vista ético adiar o pagamento dos precatórios”, acrescenta.

Isso, na prática, se trata de uma manipulação ou até mesmo um “calote técnico”, como avaliam agentes do mercado financeiro, que se preocupam com a desobrigação de o país pagar suas dívidas com os credores. A manobra permite ao governo uma margem de cerca de R$ 83,6 bilhões no Orçamento, segundo Hugo Motta (Republicanos-PB), relator da PEC na Câmara dos Deputados.

Gamboa cita que os bilhões destinados às emendas parlamentares – hoje, cerca de R$ 10 bilhões – poderiam ser reduzidos. “Eu entendo que o governo, do ponto de vista político, queira manter sua base de apoio, mas se algo não for feito, se um gasto desnecessário não for cortado, o endividamento vai continuar em alta”, diz.

“À medida em que você aumenta a pressão que temos nos custos e sobre os preços, com o desemprego em alta, com a renda das famílias em queda, nós vamos continuar a ver a escalada da inflação. Isso vai obrigar o BC (Banco Central) a aumentar a taxa de juros. Isso termina por encarecer o crédito ou até diminuí-lo. Para o país, como um todo, os efeitos são muito negativos”, avalia.

Sem reformas, investidores se assustam

O abandono da reforma administrativa, de acordo com Gamboa, foi outro equívoco do governo. “Se falamos em cortar gastos, falamos em reformas, mas os modelos precisam ser bons”, conta. Quanto à reforma tributária, o professor avalia que a proposta tem sido de “péssima qualidade”: “O texto aumenta a carga tributária, penaliza a produção”. 

E assim, os investimentos, na opinião do professor, também tendem a cair com toda a instabilidade econômica. 

Somente em três dias, desde que a movimentação da equipe econômica começou, as empresas brasileiras perderam R$ 284 bilhões em valor de mercado na B3 (B3SA3), a bolsa brasileira, segundo um levantamento realizado pela plataforma de informações financeiras Economatica.

“Existe uma razão para os investidores tanto nacionais quanto internacionais se assustarem. O risco-país sobe. Com todo esse cenário, há aumento de impostos. Essa cobrança cada vez mais alta diminui a rentabilidade do que foi aplicado. Então, todas as frentes são prejudicadas enquanto a gente deveria falar em retomada econômica”, diz.