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Inter recua, mas outras empresas buscam migrar para bolsas de NY; o que esse movimento significa?

De acordo com Rodrigo Crespi, especialista de mercado da Guide Investimentos, maior parte das companhias busca fortalecer operações no Brasil enquanto procura vantagens em internacionalização, fluxo, governança e múltiplos como os EUA oferecem

Sede do Banco Inter - Divulgação: Banco Inter
Sede do Banco Inter - Divulgação: Banco Inter

Na quinta-feira (2), o Banco Inter (BIDI11) comunicou aos seus acionistas que cancelou o seu processo de reorganização societária e, por consequência, desistiu de migrar sua base acionária para a bolsa norte-americana Nasdaq. 

Em comunicado, a empresa afirmou que foi excedido o limite de R$ 2 bilhões no direito de resgate (“cash-out”, quando quem detém a ação recebe em dinheiro por sua participação) exigido pelos atuais acionistas. A condição para que a operação prosseguisse era justamente que esse teto não fosse rompido. A medida havia sido estabelecida pela instituição e por outros bancos financiadores.

Em nota publicada nesta manhã de sexta-feira (3), o Inter disse que “seguirá envidando seus melhores esforços para dar continuidade ao processo de reorganização societária” e que, além do cash-out, essa operação não poderia ir em frente em razão do “cenário adverso atual do mercado de capitais brasileiro”.

Mas o que explica a insistência do banco em migrar sua base acionária para o exterior? O Inter, aliás, não foi a única empresa que manifestou interesse em fazer esse movimento. 

Americanas S.A. (AMER3), Locaweb (LWSA3) e Natura & Co (NTCO3) já afirmaram que faz parte de seus planos listar suas ações nas bolsas norte-americanas Nasdaq e Bolsa de Valores de Nova York (NYSE). O que a saída dessas companhias representaria para a B3 (B3SA3), a bolsa brasileira? Se essas empresas “puxarem o bonde”, o que mais pode acontecer? 

Nem todas as empresas terão esse objetivo

De acordo com Rodrigo Crespi, especialista de mercado da Guide Investimentos, essa movimentação “tende a pressionar a B3 por mudanças” e deve ser restrita. 

“Esse tipo de operação faz sentido para empresas que possuem viés mais voltado à tecnologia, como fintechs e e-commerces, e para aquelas que têm receitas bastante dolarizadas e presença muito forte lá fora também”, diz Crespi, que cita justamente os exemplos de Inter, Americanas S.A. e Natura, dona da britânica The Body Shop.

Apesar de manifestarem interesse de listar suas ações lá fora, todas as empresas citam o plano de oferecer BDRs (Brazilian Depositary Receipts) para não se desvincularem por completo do mercado local. 

Esses ativos permitem que brasileiros invistam em companhias estrangeiras, como Coca-Cola (NYSE:KO) (COCA34) e Tesla (NASDAQ:TSLA) (TSLA34), e em empresas brasileiras listadas no exterior, como XP (NASDAQ:XP) (XPBR31) e Stone (NASDAQ:STNE) (STOC31). Hoje, cerca de 700 BDRs são negociados pela B3.

Mercado mais maduro garante melhor governança

Na opinião de Crespi, a oferta desses produtos pode amenizar prejuízos à B3 em caso de migração das empresas, mas também sinalizam que o mercado brasileiro tem suas limitações quando uma companhia daqui busca, desde o princípio, abrir o seu capital no exterior, como o caso do banco digital Nubank.

Quando buscam justificar o porquê de procurarem o mercado dos EUA, as companhias, em geral, citam a maturidade local, que permite uma maior prospecção de recursos, além da captação em dólar, já que a moeda se revela historicamente resiliente em cenários adversos. 

Para efeitos de comparação, do dia 1 de janeiro até o dia 30 de novembro, enquanto a pandemia de Covid-19 se prorroga, o índice S&P 500 registrava avanço de 22% no acumulado do ano, enquanto a Nasdaq exibia uma variação positiva em torno de 20%. Em direção oposta, o Ibovespa amargava baixa de 14,4%.

“Já há pressão em relação a tudo isso, visto que o Congresso Nacional aprovou recentemente uma mudança na legislação para permitir o voto plural”, afirma. Crespi se refere às alterações promovidas na Lei 14.195, conhecida como Lei das S.A. (Socieades Anônimas), em agosto deste ano.

Com a medida, uma ação ordinária com voto plural pode ter peso de até dez votos. De acordo com Crespi, esse mecanismo concede poder maior de votação a acionistas que detêm apenas uma ação e cita o exemplo de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook (NASDAQ:FB) (FBOK34). 

“Ele possui cerca de 14% e 15% das ações da empresa, mas 58% dos papéis que dão direito ao voto. Diferentemente daqui, em que ele precisaria ter muito mais ações, apenas com 14% ou 15% ele consegue controlar a empresa”, explica. 

Crespi relembra que a XP foi outro caso de empresa que não quis perder a governança, mas ofertou boa parte dos papéis no seu IPO realizado na Nasdaq, em dezembro de 2019. Esse direito de voto plural, já consolidado nos EUA, foi um dos motivos que levou também a Stone abrir seu capital no mercado norte-americano em outubro de 2018. 

Os planos de IPO do Nubank, entretanto, vieram antes dessas mudanças serem efetivadas pelo Congresso Nacional. 

A oferta foi oficializada meses após o aporte de US$ 500 milhões de Berkshire Hathaway, gerida por Warren Buffett, e uma série de ações promocionais como a que anunciou a cantora Anitta como membro de seu conselho de administração.

A oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) do Nubank está programada na NYSE para a próxima quinta-feira, 9 de dezembro. Na mesma data, estrearão na B3 os BDRs da empresa, com ações negociadas pelo código NUBR33.

Crespi diz que a oferta de BDRs “garante em partes a presença da B3 para a negociação de ativos”. “A empresa não precisa pagar a taxa de oferta pública inicial de ações, mas de certa forma ela ainda garante um percentual significativo para a Bolsa”, complementa.

Expostas às bolsas de NY, expostas ao mundo

O especialista diz que listar a empresa lá fora não significa “dar as costas” para o país, mas sinaliza um desejo de internacionalização das marcas. “Você tem a visibilidade aumentada nos Estados Unidos”, diz Crespi, que cita o que poderia acontecer com o Banco Inter a curto prazo, caso a empresa prosseguisse com seus planos de migração.

“Ele [Banco Inter] seria olhado por fundos que possuem mandatos, por exemplo, no setor de tech. Aqui, na situação atual, o Inter seria observado por fundos que estão de olho em mercados emergentes, um fluxo muito menor já que você fica mais restrito”, afirma. 

Além disso, o banco poderia fazer parte de índices que cobrem empresas de origem de países emergentes, mas que precisam estar listadas em uma das bolsas norte-americanas. “Quando você faz parte de um índice, por consequência, você pode fazer parte de ETFs (Exchange Traded Funds)”, pontua. 

Outra vantagem que o mercado norte-americano traz se refere aos múltiplos. Crespi explica que uma empresa listada nos EUA pode ser negociada a múltiplos bem mais elevados, o que pode refletir em preços mais esticados. 

Isso ocorre lá, segundo o especialista, “por ser um hábito dos investidores americanos, que, em geral, são mais experientes e investem por bastante tempo”. “As empresas possuem múltiplos bem esticados como a Tesla, que, mesmo em teoria, com um patamar bem elevado, sempre tem um fluxo de investimento grande. Mesmo quando você olha as métricas, você vê bastante esticados esses números”, explica.

Por estar em um elevado estágio de desenvolvimento, Crespi acredita que as flexibilidades do mercado acionário norte-americano são mais atraentes.

“O prêmio de risco de mercado, o custo de dívida e de empréstimo compensam. Acredito que seja mais fácil sim. Veja só que lá já há micro caps listadas. Aqui você não vê”, diz. “Ali você reporta para a SEC (a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos – em inglês, U.S. Securities and Exchange Commission), que, apesar de certa burocracia e rigidez – em um mesmo nível que a B3 já alcançou – oferece flexibilidades que, de fato, compensam, e devem facilitar o processo de listagem lá”, complementa.

Quais são os sinais para a economia no geral?

Crespi afirma que as empresas optam pela migração com objetivos particulares e minimiza o efeito de riscos fiscais e outros eventos como o próximo ano eleitoral como fatores que influenciam nessa decisão.

“Apesar de buscarem listagem lá, as empresas atuam aqui. De certa forma, elas encontram maior liquidez por ser um mercado mais maduro, porém o risco existe. Se você buscar o exemplo da Stone, os papéis dela refletem a performance do seu resultado aqui no Brasil. Não à toa a gente vê, no momento, uma queda bastante elevada para os papéis dela. O fato de a empresa estar listada lá não faz com que se escape dos efeitos nas ações”, afirma.

O especialista elenca quatro fatores que levam as empresas a buscar abrir capital: maior fluxo, possível internacionalização, governança e múltiplos mais esticados. 

“O Inter, por exemplo, quer se internacionalizar. A Americanas, por enquanto, não apresenta planos de expansão mundial, mas negocia com múltiplos mais esticados”, afirma. “Agora, se você for ver a Vale (VALE3), listada aqui e com ADRs lá nos EUA, a demonstração de resultado da empresa vem majoritariamente dolarizada. Cada empresa age de uma forma”, complementa.