Desde que assumiu a Presidência da República, em 1º de janeiro do ano passado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem incluído em seus discursos uma demanda crescente nos últimos anos pelo mundo todo: a transição energética e ecológica.
O presidente brasileiro se comprometeu a fazer com que o Brasil avance nas metas do Acordo de Paris e numa economia descarbonizada, desde seu primeiro discurso.
Nessa corrida pela descarbonização da indústria brasileira também desponta Jean Paul Prates, CEO da Petrobras (PETR3)(PETR4) e então senador do PT pelo Rio Grande do Norte (RN), que tem anunciado investimentos importantes para o País avançar nesse objetivo.
No entanto, no último mês de 2023, ao participar da COP28, confederação que reúne nações para discutir as mudanças climáticas, organizada pela ONU (Organização das Nações Unidas), Lula e Prates escorregaram e apresentaram inconsistências nas políticas que defendem.
Isso porque o presidente precisou admitir, a contragosto, um assunto que há dois meses era tratado internamente: o ingresso do Brasil na Opep+, a entidade que representa o maior cartel de petróleo do mundo e entidade fundamental para definir os rumos do preço da commodity.
Representantes de organizações ambientalistas criticaram a decisão e disseram que a mesma “contradiz” o discurso do governo brasileiro de limitar as emissões de combustíveis fósseis e fazer uma transição energética justa.
Assim, as entidades seguem com a dúvida de como pode ser mantida a agenda verde anunciada pelo governo no começo de seu mandato.
Diante disso, o SpaceMoney reúne, neste texto, as contradições, os desafios para uma transição energética justa no Brasil e as projeções para avanço em 2024.
Participação na Opep+
Lula, defendeu a participação do país na Opep+, ao afirmar que o ingresso do Brasil seria importante para conscientizar as nações que integram o grupo sobre as questões climáticas.
“A Opep+ eu acho importante a gente participar, porque precisamos convencer os países que produzem petróleo que eles devem se preparar para reduzirem os combustíveis fósseis”, disse.
Para Clauber Leite, coordenador técnico do Instituto E+ Transição Energética, a permanência na exploração de combustíveis fósseis, como evidenciado pela entrada na Opep+, implica uma continuidade nas emissões de CO2 no Brasil.
“Isso está em desacordo com os esforços necessários para cumprir os compromissos do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a níveis seguros”, comenta.
Segundo ele, para alcançar uma verdadeira liderança climática, o Brasil precisa acelerar sua transição para fontes de energia renovável.
“Investir em energias limpas e reduzir a dependência de combustíveis fósseis são passos fundamentais para alinhar as políticas nacionais com os objetivos climáticos globais”, destaca o coordenador.
Petrobras (PETR3)(PETR4): do protagonismo às contradições na corrida para descarbonização da indústria
A Petrobras (PETR3)(PETR4) desempenha um papel central na condução do Brasil em direção a uma matriz energética mais sustentável e diversificada.
Como principal empresa de energia do país, tem a capacidade de influenciar a diversificação da matriz energética, investir em tecnologias limpas, promover eficiência energética e liderar a transição para biocombustíveis.
Clauber Leite vai além e diz que a estatal pode colaborar ativamente em parcerias público-privadas, investir em energias renováveis e adotar práticas responsáveis na extração de petróleo e gás.
“A comunicação transparente sobre seus esforços e compromissos também é essencial para construir confiança com a sociedade”, destaca o coordenador técnico do Instituto E+ Transição Energética.
Nesse sentido, na mesma COP28, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, defendeu a substituição gradual dos combustíveis fósseis rumo à descarbonização.
A declaração de Prates foi feita em discurso durante painel sobre o papel de petroleiras para redução das emissões de carbono. Ele disse que a transição energética deve ser inclusiva.
Em sua conta no X, ex-Twitter, o CEO afirmou que a Petrobras e as demais companhias da indústria brasileira são essenciais para a transição energética no país.
No entanto, enquanto aconteciam os discursos rodeados de promessas em Dubai, a Petrobras anunciava o envio de um navio-sonda para retomar a exploração da Margem Equatorial brasileira, trecho da costa que se estende do Rio Grande do Norte (RN) ao Amapá (AP).
A princípio, a estatal projeta que serão extraídos algo entre 10 e 30 bilhões de barris de petróleo na região.
Segundo o cálculo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), caso queime todo esse petróleo, a petroleira seria responsável por emitir entre 4 bilhões e 13 bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2), o principal gás de efeito estufa.
Com isso, as emissões referentes à queima do petróleo da Margem seriam, no mínimo, o triplo do quanto o Brasil se comprometeu a emitir até 2030, uma vez que a meta apresentada pelo país, junto ao Acordo de Paris, prevê que até 2025 as emissões anuais vão estar na ordem de 1,34 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.
Além disso, o Brasil garantiu que, até 2030, as emissões devem cair para cerca de 1,21 gigatoneladas (Gt) por ano, uma redução de 53,00% em relação aos níveis de 2005.
A ONG Greenpeace Brasil aponta que o primeiro passo para uma transição energética justa é impedir que a indústria do petróleo cresça ainda mais na Amazônia.
No entanto, esse parece ser um pedido longe de ser atendido, em vista que a maior estatal do país anunciou, neste ano, o plano estratégico para o período de 2024 a 2028, focado, ainda, muito mais em exploração do que em transição.
O investimento da Petrobras para projetos “de baixo carbono” soma US$ 11,5 bilhões, do total de US$ 102 bilhões previstos. Embora seja o dobro do valor do planejamento anterior, corresponde a apenas 11,00% do investimento total previsto para o quinquênio.
“O Brasil ainda possui muitos desafios para alcançar uma transição energética de fato, mas esse planejamento da Petrobras exibe os esforços que a gestão de Lula tem desempenhado para o desenvolvimento sustentável da economia do país”, afirma Luiz de Paula, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele compara a gestão atual aos governos de Michel Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL), que, segundo ele, eram muito mais voltados para investimentos que visavam retornos de curto prazo, sem pensar muito no meio ambiente e no social.
“A Petrobras, desde o governo Temer, passou a desempenhar uma política de curto prazo muito voltada para o repasse aos acionistas, mas sem pensar em um planejamento estratégico de desenvolvimento para o país. E a atual gestão da estatal vai no sentido de estabelecer um plano estratégico com pensamento sustentável e de desenvolvimento a longo prazo”, analisa o professor.
Nesse sentido, a companhia criou, neste ano, uma diretoria para tratar especialmente da transição energética e energias renováveis.
Apesar de considerar positivo, o economista ressalta que, mesmo com essa instalação e 11,00% do orçamento destinado para novas fontes de energias renováveis, o planejamento se revela muito ambíguo.
“Falo em ambiguidade, por existir questões como; até que ponto vai o avanço na exploração de petróleo na Foz do Amazonas e o impacto que deixará na região em volta?”, questiona.
Para os próximos anos, Clauber Leite espera que a Petrobras continue a ser alvo de escrutínio e debate em relação à sua postura e investimentos em sustentabilidade, com reflexo, em especial, para as complexidades inerentes à transição energética.
Investir para avançar
Segundo Clauber Leite, o país tem potencial para liderar a transição energética na América Latina, para isso os investimentos para esse esforço precisa ser mais acentuado a partir de 2024.
“Para concretizar esse potencial, é necessário um investimento significativo em infraestrutura, como redes inteligentes, tecnologias de armazenamento de energia e infraestrutura de transporte adaptada”, comentou o técnico do E+.
O mesmo pensamento foi compartilhado por Luiz de Paula. “O Brasil deve pensar em fundos de investimento que ampliem o reflorestamento na Amazônia e desenvolva alternativas para substituir o uso de recursos fósseis. Talvez, destinar subsídios para estes fundos, a partir dos lucros exacerbados advindos das extrações”, sugeriu.
Uma das fontes de investimentos do Brasil para a transição energética e descarbonização da economia, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Sustentável) anunciou, durante a COP-28, que vai financiar o reflorestamento de áreas degradadas com espécies nativas na Amazônia.
Segundo o BNDES, esse reflorestamento objetiva blindar a floresta, e protege o avanço do desmatamento.
Além disso, junto ao governo, aos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e a Finep, o banco anunciou investimentos de quase R$ 21,0 bilhões em áreas voltadas ao desenvolvimento da economia sustentável.
Outra novidade anunciada pela instituição foi a ampliação do Fundo Clima. “O Tesouro Nacional emitiu o primeiro título sustentável no mercado internacional este ano, o que captou US$ 2 bilhões para projetos do Fundo Clima”, comentou o banco, em resposta encaminhada à SpaceMoney.
“Ônibus elétricos, restauração florestal e energia renovável são exemplos de investimentos financiáveis com esses recursos”, acrescentou a instituição.
“Em um mundo em que as barreiras comerciais passam a considerar emissões de produtos e serviços e onde os consumidores e investidores estão preocupados com a questão climática, empresas vão precisar se realocar para países com melhor perfil ambiental, estamos caminhando para tornar o Brasil atrativo neste sentido” afirmou o BNDES.
Por fim, o apoio do banco a projetos renováveis chegou a R$ 140 bilhões em 22 anos e viabilizou a realização de R$ 245 bilhões em investimentos.
Transição energética justa e inclusiva: um desafio que se impõe ao Brasil
Para Luiz de Paula, o plano nacional de desenvolvimento sustentável deve se atentar às demandas globais, mas atender também ao que está “dentro de casa”. O professor considera ser impossível ignorar os apelos sociais e diz ser “importante uma distribuição justa na transição, com as classes mais vulneráveis inclusa no planejamento”.
Clauber Leite, do Instituto E+ Transição Energética, diz que o Estado brasileiro desempenha um papel crítico na garantia da qualidade de vida da sociedade durante a transição para produções e gerações limpas.
Por isso, sugere uma cooperação entre o Executivo, o Legislativo e os órgãos reguladores, enquanto as empresas devem adotar práticas responsáveis, participativas e transparentes para avançar com cuidado social e ambiental.
Além da inclusão social, o pesquisador da área lista alguns pontos relevantes para desempenho do país na transição energética pelos próximos anos, como:
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– Integração de Fontes Intermitentes;
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– Planejamento e Gestão da Demanda;
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– Desenvolvimento de Infraestrutura;
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– Incentivo à Eficiência Energética.
Clauber ressalta que: “O reconhecimento de que a energia é uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida das pessoas orienta nossa abordagem para garantir que a transição seja não apenas sustentável, mas também justa e inclusiva”.
“O diálogo entre diversos setores da sociedade deve ser moldado por essa perspectiva, assegurando que as escolhas feitas durante esse processo beneficiem as pessoas de maneira significativa e equitativa”, conclui o coordenador técnico do E+.