Em um cenário empresarial cada vez mais regulamentado e fiscalizado, o termo compliance tornou-se parte essencial do vocabulário corporativo. Não por acaso: casos memoráveis como os da Odebrecht no Brasil, da Siemens na Alemanha ou do Wells Fargo nos Estados Unidos evidenciam como a ausência de uma cultura de conformidade pode resultar em multas bilionárias, danos reputacionais severos e até mesmo no colapso de organizações aparentemente sólidas.
Para quem investe no mercado financeiro, avaliar a robustez dos programas de compliance das empresas tornou-se um elemento fundamental na análise de riscos. Uma companhia pode apresentar resultados financeiros impressionantes, mas sem uma estrutura eficaz de compliance, está exposta a riscos regulatórios e legais que podem comprometer sua continuidade e, consequentemente, o capital dos investidores. É neste contexto que o compliance se consolidou como um indicador de saúde organizacional e de sustentabilidade dos negócios no longo prazo.
O que é compliance?
O termo compliance deriva do verbo em inglês “to comply“, que significa agir de acordo com uma regra, instrução ou comando. No contexto empresarial, compliance refere-se ao conjunto de disciplinas, processos e controles para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas internas e as diretrizes estabelecidas para as atividades da organização.
Em termos práticos, um programa de compliance representa o compromisso da empresa em conduzir seus negócios com ética, integridade e transparência, garantindo a conformidade com leis e regulamentos aplicáveis em todas as jurisdições onde opera. Vai muito além do simples cumprimento de regras. Trata-se de uma cultura organizacional que permeia todos os níveis hierárquicos, desde o conselho de administração até os funcionários de linha de frente.
O conceito ganhou destaque internacional após os escândalos corporativos do início dos anos 2000, como os casos da Enron e WorldCom, que levaram à criação da Lei Sarbanes-Oxley nos EUA. Esta lei estabeleceu padrões mais rigorosos para conselhos de administração, gestão e empresas de contabilidade, incluindo requisitos específicos para controles internos e divulgação de informações financeiras.
No Brasil, o tema ganhou força especialmente após a promulgação da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), que responsabiliza administrativa e civilmente empresas por atos de corrupção. A lei introduziu o conceito de responsabilidade objetiva das empresas, ou seja, elas podem ser punidas independentemente da comprovação de culpa.
Além disso, a legislação brasileira prevê a redução de penalidades para organizações que possuem programas de compliance efetivos. A medida impulsionou significativamente a adoção dessas práticas no país.
Os pilares de um programa de compliance efetivo
Um programa de compliance robusto se fundamenta em elementos-chave que garantem sua efetividade e permeiam toda a organização:
- Comprometimento da alta administração: a liderança precisa demonstrar que ética não é negociável e garantir recursos para o programa.
- Avaliação de riscos: mapeamento dos riscos específicos considerando setor, porte, regiões e estrutura da empresa para priorizar ações.
- Código de conduta e políticas: documento central que define valores e comportamentos esperados, complementado por políticas específicas sobre temas críticos.
- Controles internos: mecanismos para prevenir e detectar violações, desde aprovações até sistemas de monitoramento.
- Treinamento e comunicação: programas educacionais e comunicação constante para garantir que todos entendam suas responsabilidades.
- Monitoramento e auditoria: acompanhamento contínuo e auditorias periódicas para avaliar e adaptar o programa conforme necessário.
A estrutura de compliance nas organizações
A implementação de um programa de compliance requer uma estrutura organizacional adequada, com papéis e responsabilidades claramente definidos:
Função de compliance
A área de compliance é responsável por desenvolver, implementar e monitorar o programa, atuando como guardiã das políticas e procedimentos. Em organizações maiores, é comum existir um Chief Compliance Officer (CCO) ou diretor de compliance, que reporta diretamente ao Chief Executive Officer (CEO) ou ao Conselho de Administração, garantindo independência e autonomia.
Comitê de próprio
Muitas empresas contam com um comitê multidisciplinar que supervisiona o programa de compliance, discute dilemas éticos e toma decisões estratégicas relacionadas ao tema. Este comitê geralmente inclui representantes de áreas como jurídico, recursos humanos, auditoria interna e gestão de riscos.
Embaixadores ou agentes de compliance
Para organizações com múltiplas unidades ou atuação geográfica dispersa, os embaixadores de compliance são funcionários treinados para disseminar a cultura de conformidade em suas respectivas áreas, servindo como ponto focal para dúvidas e orientações sobre o programa.
Compliance e sua relação com governança corporativa
Compliance e governança corporativa caminham lado a lado na construção de organizações éticas e sustentáveis. Enquanto a governança corporativa estabelece a estrutura e os processos para dirigir e monitorar a empresa, o compliance garante que essa gestão esteja alinhada com os requisitos legais e as melhores práticas de mercado.
Um programa de compliance robusto fortalece os mecanismos de governança ao proporcionar maior transparência nas operações, controles internos mais eficazes e processos decisórios baseados em considerações éticas e legais. Por outro lado, uma governança bem estruturada facilita a implementação do compliance, ao garantir o suporte da alta administração e estabelecer canais adequados de supervisão e prestação de contas.
Empresas com níveis elevados de governança corporativa, como as listadas no Novo Mercado da B3, tendem a adotar programas de compliance mais robustos,. Isso estabelece um ciclo virtuoso que beneficia a gestão de riscos organizacionais e a proteção aos acionistas.
Benefícios do compliance para as empresas
A implementação de um programa de compliance efetivo proporciona diversos benefícios para as organizações, principalmente na área de gestão de riscos. Um programa bem estruturado permite identificar e prevenir violações antes que ocorram, reduzindo significativamente o risco de penalizações, que no Brasil podem chegar a multas de até 20% do faturamento bruto, além de possíveis sanções como a proibição de contratar com o poder público.
No aspecto competitivo e operacional, empresas com programas de compliance robustos ganham a confiança de stakeholders e têm preferência em processos de licitação, especialmente em setores regulados. Além disso, ao mapear processos e implementar controles, frequentemente identificam ineficiências nos fluxos de trabalho, permitindo melhorias que vão além da conformidade legal.
A cultura organizacional também se beneficia significativamente. Um ambiente de trabalho pautado pela ética e integridade promove maior engajamento dos colaboradores, que se sentem orgulhosos de fazer parte de uma organização alinhada com seus valores pessoais. Como resultado, observa-se menor rotatividade, maior produtividade e um clima organizacional mais saudável.
Por fim, o compliance facilita o acesso a capital, já que investidores e instituições financeiras valorizam empresas com controles internos robustos e baixo risco regulatório. Isso se reflete em melhores classificações de crédito, menores taxas de juros e maior atratividade para investimentos de capital.
Tendências em compliance
O campo do compliance está em constante evolução, respondendo a mudanças regulatórias, tecnológicas e sociais. Algumas tendências atuais incluem:
Compliance digital e tecnológico
A transformação digital está revolucionando como as empresas abordam o compliance. Tecnologias como inteligência artificial, análise de dados e blockchain estão sendo aplicadas para detectar padrões suspeitos, automatizar monitoramentos e garantir a integridade de registros. Empresas líderes estão investindo em RegTech (tecnologia regulatória) para tornar seus programas de compliance mais eficientes e menos dependentes de intervenção manual.
ESG e compliance integrado
A crescente importância dos critérios ESG (Environmental, Social and Governance) está expandindo o escopo tradicional do compliance. Programas modernos estão incorporando aspectos ambientais, sociais e de governança em suas avaliações de risco e controles. Temas como mudanças climáticas, direitos humanos e diversidade e inclusão passaram a integrar as políticas de compliance de organizações comprometidas com uma atuação responsável.
Compliance como habilitador de negócios
Há uma transição da visão de compliance como função meramente preventiva para um papel de habilitador estratégico. Programas maduros não apenas protegem a empresa contra riscos, mas também geram insights valiosos para a tomada de decisões, identificam oportunidades de inovação responsável e fortalecem relacionamentos com stakeholders.
Compliance comportamental
Baseado em princípios da economia comportamental, o compliance comportamental reconhece que o ser humano não toma decisões puramente racionais. Programas avançados aplicam nudges (estímulos sutis) para induzir comportamentos éticos, considerando aspectos psicológicos e sociais que influenciam as escolhas individuais.
Compliance é investir no futuro
O compliance transformou-se significativamente ao longo dos anos, evoluindo de uma simples função de verificação para se estabelecer como um pilar estratégico da gestão empresarial moderna. As organizações mais bem-sucedidas hoje entendem que um programa de compliance robusto representa um investimento estratégico, capaz de gerar retornos substanciais em proteção contra riscos, fortalecimento da reputação e vantagem competitiva no mercado.
Para o mercado financeiro e investidores, a qualidade do programa de compliance tornou-se um diferencial decisivo na avaliação de empresas. A história recente demonstra que organizações que negligenciam a conformidade enfrentam graves consequências, desde pesadas multas até a perda irreparável de valor de mercado e credibilidade. Por outro lado, empresas que abraçam uma cultura de compliance colhem os benefícios de uma gestão mais sólida e sustentável.
No cenário atual, marcado por crescente transparência e interconectividade, o compliance estabeleceu-se como um requisito fundamental para o sucesso empresarial. Mais do que uma obrigação regulatória, tornou-se um indicador crucial de maturidade organizacional e comprometimento com a perenidade do negócio. Para investidores que buscam construir portfólios resilientes e alinhados com as demandas da sociedade moderna, a avaliação do compliance tornou-se uma dimensão indispensável em suas análises.