A Rumo (RAIL3) está preparando uma oferta significativa de R$ 1,2 bilhão em debêntures incentivadas, apresentando uma característica incomum que tem chamado a atenção dos investidores. Diferentemente do padrão, os compradores desses papéis não receberão uma remuneração acima do que obteriam com um título público.
A explicação para isso está no aumento do interesse por esses títulos, que são emitidos por companhias ligadas ao setor de infraestrutura e oferecem ao investidor pessoa física isenção fiscal sobre os rendimentos.
Com mais gente para comprar do que papel sendo vendido, a avaliação de bancos ouvidos pelo Valor Econômico é que haverá apetite pelas debêntures incentivadas mesmo que elas não tenham uma taxa adicional, considerando a atratividade da isenção do Imposto de Renda.
Evandro Pereira, diretor do banco de investimento do J. Safra, diz que novas operações nesse molde devem aparecer no mercado. "Não é para todas as empresas, mas companhias 'triple A', com risco de crédito bem baixo, poderão emitir papéis a B+0 [remuneração baseada na NTN-B e sem acréscimo de taxa]."
Segundo ele, os bancos já acompanham a possibilidade de empresas com as mais altas notas de crédito emitirem com taxas até inferiores às dos títulos públicos.
Quando uma companhia emite uma debênture, a remuneração parte de uma referência, que é o título público com prazo similar. A partir daí, é acrescentado um prêmio que considera, por exemplo, o risco de a empresa não honrar os pagamentos. Essa taxa também depende do momento de mercado. Pode cair se a demanda for grande. Na situação contrária, os prêmios de crédito avançam.
A oferta da Rumo será feita em duas séries, de 10 e 15 anos. Para o título mais curto, a companhia irá pagar no máximo o equivalente a NTNB-33 (título emitido pelo governo que tem taxa de rentabilidade indexada à inflação). No mais longo, o equivalente à NTNB-35, conforme o registro na Comissão de Valores Mobiliários. A emissão deve ser concluída na próxima semana. Procurada, a Rumo não se manifestou sobre a oferta.
A última vez em que títulos corporativos pagaram menos que os públicos foi em 2019, lembra Odilon Costa, estrategista de renda fixa e crédito privado do Grupo SWM. Naquele ano, o mercado também passou por um desbalanceamento de oferta e demanda em meio à queda da Selic, que chegou a 4,5%, e o aumento do apetite por crédito. "Em momentos assim, a remuneração do investidor é basicamente parte da isenção de Imposto de Renda que vai ter sobre o título e não um prêmio adicional."
Segundo ele, no entanto, o cenário em 2019 era um pouco diferente. "Naquela época, as taxas dos títulos públicos estavam muito fechadas [em queda], perto de 3,5%, e os prêmios de crédito estavam amassados. Agora, estão mais abertas, perto de 5,5%, e o prêmio de crédito bem mais fechado", diz.
Pereira, do J.Safra, afirma que a situação não deve durar para sempre. "Vai chegar uma hora em que a compressão das taxas é tão grande que o investidor vai migrar para outros títulos, como as debêntures sem isenção. Em algum momento, o mercado vai ter equilíbrio."
Marco Brito, responsável pela área de distribuição de renda fixa do Santander Brasil, lembra que nas debêntures corporativas sem isenção fiscal a redução dos prêmios se repete. "Os spreads corporativos estão em um nível que não vemos há anos, em função de uma busca muito forte pelos ativos após a entrada de mais recursos em fundos de renda fixa", diz.
O atual descompasso entre a oferta e a demanda das debêntures incentivadas é explicado por alguns eventos. O mais recente foi uma mudança nas regras para ofertas de títulos como certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA) e letras de crédito imobiliário e do agronegócio (LCI e LCA).
As alterações partiram do Conselho Monetário Nacional, que decidiu restringir as empresas que podem emitir e os lastros dos títulos, que caíram no gosto do investidor pessoa física. Com a esperada redução da oferta desses papéis, o interesse pelas debêntures incentivadas, também isentas, aumentou. A mudança na tributação dos fundos fechados exclusivos ou restritos a poucos investidores também elevou a procura por incentivados.
As informações são do Valor Econômico.