Tecnologia

ENTREVISTA: Inteligência Artificial é futuro do Day Trade, diz especialista da XP

- Divulgação
- Divulgação

Por Ana Carolina Siedschlag, da Investing.com – A enxurrada de informações recebidas todos os dias por investidores que fazem operações de Day Trade é um desafio que tem encontrado soluções criativas e inovadoras entre os maiores profissionais do mercado.

Daqui duas semanas, a Clear Corretora, marca do Grupo XP (NASDAQ:XP), lança oficialmente o novo sistema de Inteligência Artificial (IA) para day traders. Em funcionamento interno desde outubro de 2020, mais de 20 mil investidores da corretora já foram impactados pelo uso da ferramenta, que, segundo Bernardo Aflalo, especialista em Inteligência Artificial e Renda Variável da XP, tem sido bem recebida e passado por constantes refinamentos com sugestões dos clientes.

A ferramenta faz uma análise personalizada das operações de Day Trade, um tipo de investimento que explodiu com a entrada de mais Pessoas Físicas na bolsa brasileira ao longo dos últimos três anos. O desafio, explica Aflalo, é explicar que essas operações exigem muito estudo e que a tecnologia é o caminho obrigatório daqui para frente para quem precisa absorver uma quantidade gigantesca de informações para operar bem.

“O trader acorda cedo e começa a estudar. Começa a ver as notícias do outro lado do planeta e fica inundado de informações. Ele precisa de ferramentas que vão ajudá-lo a ter foco”, disse, em entrevista ao Investing.com.

Ele explica que uma das funcionalidades da nova ferramentas de IA da corretora é identificar os vieses cognitivos que levam muitos investidores a perdas significativas durante o pregão, mas que só muito recentemente têm sido difundidas e identificadas entre quem se dedica a estudar essas operações.

Aflalo, que chegou a iniciar um PhD em Machine Learning pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, mas precisou trancar no último semestre, trabalha desde meados de 2020 no projeto de AI da Clear, junto a outras dez áreas que contribuíram para o desenvolvimento da ferramenta, incluindo as de estratégia e mesa de renda variável, Gestão de Relacionamento com o Cliente, Marketing e Análise Técnica. Confira a entrevista completa a seguir:

Investing.com: Qual o nome da ferramenta?

Bernardo Aflalo: Temos chamado de Inteligência Artificial, mas o lançamento oficial acontece daqui duas semanas, com nome, logo, tudo. Ela já está há mais de cinco meses rodando, desde outubro. Desde lá, coletamos muitos dados e estamos expandindo-a.

Inv.com: Os clientes já têm acesso?

BA: Sim, mas é um processo contínuo. Se formos conversar daqui um ano, a ferramenta pode estar completamente diferente, com outras funcionalidades. É um produto que está evoluindo não só em termos de algoritmos e modelos, mas também na forma como isso é analisado. Hoje, o cliente que opera na Clear recebe por e-mail um relatório que traz, principalmente, os vários vieses cognitivos que observamos nas operações.

Inv.com: Quais são esses vieses?

BA: Lá em setembro, quando estávamos em desenvolvimento, juntamos alguns analistas do Grupo [XP] e começamos a analisar quais os principais vieses cognitivos que afetam os traders. Chegamos a identificar mais de 50, mas fomos filtrando e chegamos a alguns que implementamos para repassar aos clientes.

Começamos com um viés chamado de Viés de Disposição. Ele é muito comum, não somente no Day Trade como em vários tipos de investimento. Ele consiste em segurar mais a posição que dá perda do que a que dá lucro. O autor do livro "Rápido e Devagar", Daniel Kahneman, que explodiu nos últimos anos, ganhou um Nobel de Economia com esse estudo, falando da teoria da perspectiva: na tentativa de evitar perda, a gente aceita mais riscos do que na hora de realizar lucros, o que eventualmente leva a perdas muito maiores. E vimos nos dados que isso acontece com uma quantidade bastante considerável da nossa base de clientes.

Outro viés é o do Overconfidence, do cliente que, eventualmente, tem uma sequência de trades muito positivos e acaba se expondo mais ao risco. O bom trader é um grande gerenciador de risco. É uma pessoa que sabe perder, sabe ganhar e sabe quando parar. Queremos comunicar para o cliente que ele deve manter esse gerenciamento.

O outro é a tendência de Martingale, que foi desenvolvida depois que a ferramenta já estava no ar, por meio de um feedback de clientes.

Imagine que você compra um ação e ela cai. Em vez de você eventualmente segurar a posição ou vender, você aumenta com o objetivo de reduzir o preço-médio. Você está esperando um retorno e, quando de fato acontecer, você ganha se tiver comprado em preços menores.

O que acontece são os day traders fazendo isso e aumentando, de novo, a exposição ao risco. Numa operação de bolsa tradicional, um swing trade ou Buy and Hold, isso é menos arriscado porque há mais tempo para um ativo voltar, mas se você está numa operação de Day Trade, só tem até o final do dia para realizar toda a posição. Então esse tipo de estratégia é muito mais arriscada do que em outras situações. Não é uma estratégia ruim, só é arriscada.

Inv.com: E qual tem sido o feedback?

BA: O feedback tem sido muito positivo. Ao final da apresentação dos dados, perguntamos para o cliente o que ele achou e, além disso, o que gostaria de entender dentro das próprias operações. Eu, particularmente, como a pessoa desenvolvendo o algoritmo e a parte de modelo, leio os feedbacks e uso isso como direcionador.

Os clientes entendem que essas análises são personalizadas. É pegar o comportamento dele e entender se houve algum viés, passar para ele o que poderia ter acontecido e sugerir o que ele pode fazer em relação a isso.

É um passo importante para a XP, que nasceu lá atrás com essa pegada de educação. O que estamos fazendo agora é explanar isso, de maneira personalizada, para todos os clientes.

Inv.com: Desde outubro, o que foi refinado a partir do que eles estão sugerindo?

BA: Algumas informações que estamos colocando agora é o uso de stop, por exemplo, quantas operações foram feitas, o tempo de permanência em cada um e a média da posição. O objetivo é deixar claro qual o tamanho do risco que o investidor teve naquele momento, sempre comparando com o que ele mesmo fez nas últimas operações.

O grande recado, o motivador da iniciativa, é esse: educação hiperpersonalizada. Tanto que nem todo mundo foi impactado na base da Clear, já que não é todo mundo que comete os vieses.

Inv.com: Qual o papel da tecnologia daqui para frente nas operações de renda variável?

BA: Eu sou suspeito para falar, porque, apesar de ser da renda variável, tenho um background muito forte em tecnologia. O fato de eu ser uma pessoa com bastante experiência nessa área e estar unindo forças com especialistas de renda variável do Grupo é um grande recado de que, daqui para frente, não tem como dissociar a educação financeira da tecnologia. Estamos pegando conhecimento dos melhores profissionais, de quem mais entende do mercado financeiro, e colocando isso num set de algoritmos.

Inv.com: Até porque não tem mais como operara sozinho, certo? A tecnologia tem uma capacidade de processamento de informação infinitamente maior do que nós.

BA: Vivemos em um mundo de enxurrada de informações. O trader acorda cedo e começa a estudar, começa a ver as notícias do outro lado do planeta, e ele já está inundado de informações que vão ajudá-lo nos próximos passos. Tudo o que pudermos fazer para direcionar o foco e a atenção dele é ganho.

Inv.com: Qual a diferença de uma ferramenta como essa para quem opera majoritariamente no manual e para quem opera de maneira automatizada, com robôs?

BA: Sabe algo interessante? Já pegamos robô com viés cognitivo. No fundo, quem implementou o robô foi um ser humano. Tem um feedback que me chamou atenção que foi: "Legal, bacana, mas quem opera para mim é o robô", mas quem tem o viés é quem programou o robô, isso não é excludente.

Ferramentas dessa natureza ajudam o trader a entender os próprios padrões e operar melhor. Monitoramos quem abre o e-mail e o que as pessoas vão mudando a partir do momento em que olham os vieses, sendo a nossa principal métrica a relação profit and loss, ou P&L, por contrato operado. E isso tem sido consistentemente positivo.

Inclusive, as pessoas passam a operar menos, e é o que indicamos, já que a sugestão é não aumentar a posição de maneira desproporcional e acabar aumentando o risco.

Inv.com: Qual o maior desafio para um trader iniciante?

BA: Entender que o Day Trade é uma atividade como qualquer outra, como outras profissões que requerem preparo, estudo ou eventualmente um diploma. Como a barreira de entrada é pequena, em teoria, e qualquer pessoa pode abrir uma conta numa corretora e começar a operar, vemos muitos vendendo o sonho de ganhar dinheiro fácil. A sugestão é: não caia nessa. É uma ocupação que requer estudo e experiência.

Day Trader é o cara que mais entende o mercado, os sinais do mercado, das notícias, de análise técnica. É uma atividade bastante arriscada, então comece pequeno, não caia nesses vieses e use simuladores para não começar colocando dinheiro nas operações.

Esses vieses de achar que já entendeu o mercado é o que acaba quebrando muita gente. O uso de stop, por exemplo, é uma das principais maneiras de gerenciamento de risco, e o saber quando parar é a principal diferença entre o trader iniciante e o profissional.