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Por Ana Carolina Siedschlag, da Investing.com – E-commerce e ESG, os dois conceitos que gerem boa parte do comportamento das gerações Z e Y, caíram no gosto do mercado nos últimos meses ao mostrarem que não há mais escapatória quando o assunto é conquistar o público-consumidor mais novo. Ainda assim, a Enjoei.com (SA:ENJU3), brechó online que une essas duas premissas tão em alta, divide a opinião de investidores e analistas na hora de colocarem o papel nas carteiras de investimento.
Com um nicho de mercado exclusivo no Brasil – a própria administração aponta que não existem concorrentes diretos no momento -, a história da companhia dialoga com o cenário no qual faz sucesso. Ana Laura McLaren e Tiê Lima começaram o negócio como um blog em 2009, no qual vendiam as próprias roupas usadas e a dos amigos, levantando também debates sobre economia circular e sustentabilidade.
O conceito, unido à experiência prévia de Lima com e-commerce na Submarino, e depois B2W (SA:BTOW3), virou loja virtual em 2012 e, em novembro de 2020, estreou na bolsa brasileira com uma oferta inicial de ações que movimentou R$ 1,1 bilhão. No primeiro trimestre de 2021, a Enjoei.com faturou R$ 172 milhões em volume de vendas geral (GMV), uma alta de 104% na base anual, com 202 mil novos compradores, avanço de 107%.
Hoje, a plataforma oferece desde roupas e acessórios de moda até itens de decoração, móveis, eletrônicos e produtos para pets, na maior parte usados, e ofertados por estoques de terceiros, em um formato exclusivamente 3P.
Com isso, os produtos comercializados dentro do site vêm de vendedores de todo o país e não chegam a passar por um centro de distribuição da Enjoei.com, até o início deste ano dependendo quase inteiramente do serviço dos Correios. Agora, um investimento massivo em parcerias logísticas fez com que essa fatia caísse consideravelmente.
Mas é esse formato que, segundo analistas, aumenta o risco de execução da companhia e o principal ponto de preocupação do mercado, que vê isso como um problema no caso da entrada de outros players mais bem estruturados no futuro. A Enjoei.com teve prejuízo líquido de R$ 31,8 milhões no primeiro trimestre, 23 vezes maior do que na comparação anual, impulsionado justamente pelas campanhas de frete grátis e de outros subsídios para reter usuários, que levaram as despesas operacionais a R$ 39 milhões.
Em resposta, em fevereiro deste ano, o serviço postal dos Correios era responsável por 78,3% dos envios dos produtos comercializados dentro da plataforma, enquanto que, no início de maio, segundo apresentação da companhia, a fatia caiu para 28,2%.
Essa semana, Tiê Lima, hoje CEO do brechó online, disse, durante evento promovido pelo BTG Pactual (SA:BPAC11), que “crescimento e lucratividade não são coisas opostas, só precisam estar alocados no tempo da melhor maneira possível”, explicando por que a empresa tem aumentado os investimentos e gerado mais despesa com isso.
Segundo ele, o foco agora são os vendedores e o aumento do inventário de produtos, com o objetivo de dobrar o número de compras anual dos clientes recorrentes.
A estratégia visa mitigar os gargalos da ponta vendedora, que levam a nota da empresa na plataforma ReclameAqui, site de reclamações contra empresas, para 5,3, de uma escala de 0 a 10, em abril. Os questionamentos vão de pagamentos estornados até pedidos não entregues, demora no atendimento e cobrança de muitas taxas.
Em comparação, as notas do Magazine Luiza (SA:MGLU3), Lojas Americanas (SA:LAME4) e Casas Bahia, da Via (SA:VVAR3), todas players que trabalham com marketplace, eram de 8,4, 8,6 e 7,4, respectivamente.
Confira as duas teses sobre a Enjoei.com defendidas pelos analistas consultados pelo Investing.com:
Bull Case: a tese de alta
Para Danniela Eiger, analista de varejo da XP Investimentos, a Enjoei.com se aproveita de três tendências principais: crescimento do mercado eletrônico no Brasil, desenvolvimento do mercado de segunda mão e das tendências ESG, sigla em inglês para meio-ambiente, sociedade e governança.
Ela aponta ainda que a Enjoei.com tem uma exposição privilegiada para a retomada do comércio de varejo, segmento fortemente prejudicado durante a pandemia por conta da maior presença das pessoas em casa e pelas restrições com gastos não-essenciais.
“A Enjoei está numa categoria de crescimento, por ser uma plataforma de e-commerce que foi beneficiada no último ano, mas também é varejo de moda, que tende a ter uma recuperação à medida que as pessoas voltarem a comprar roupas”, comenta.
A XP, que tem recomendação de Compra para o papel, prevê um crescimento anual médio entre o final de 2020 e de 2025 de 26% para o comércio eletrônico brasileiro, considerando que a penetração ainda está bem abaixo de outros países como China, com 35%, Reino Unido e Coreia do Sul, ambos com 22%.
Por aqui, diz a corretora, a fatia ficou em 6% em 2019 e 9% em 2020 – isso em um país que ocupa a terceira posição mundial em tempo de permanência em redes sociais, segundo o Global Digital Report, relatório publicado anualmente pela Hootsuite em parceria com a We Are Social.
E é justamente a interface “divertida” e quase parecida com gaming que coloca a Enjoei.com em uma boa posição para se aproveitar dessa tendência dos brasileiros de comprarem mais produtos online, diz Eiger.
“Não é um e-commerce tradicional, que é direto. É uma experiência de ‘window shopping’, como se você estivesse vendo as vitrines do shopping, só que online”.
Já para Henrique Florentino, analista da Empiricus, explica que o principal argumento para a tese de investimentos de Compra para a ação é a carona que a Enjoei pega na tendência secular de consumo mais consciente, tão demandada pelas novas gerações e que cada vez mais se torna intrínseca ao comportamento do consumidor.
Ele aponta que, à medida que as gerações mais ou menos à frente de 1980 forem subindo nos degraus de poder de compra, a mudança de abordagem na hora de comprar roupas ou acessórios ficará mais latente, impulsionando negócios que tenham as siglas ESG na estrutura básica.
“Consumir produtos que já foram utilizados e que seriam descartados, sem consumir energia ou matérias-primas, tem um apelo com essas gerações que estão vindo”, comenta.
Ele cita uma pesquisa da consultoria Ernst&Young que mostra que 49% dos consumidores querem priorizar o meio-ambiente e as mudanças climáticas tanto na maneira em eles vivem como nos produtos que consomem. Para 26%, sustentabilidade será o critério mais importante daqui para frente.
“O que faz mais sentido é que é mais uma questão de consumo consciente do que de preço. Claro que preço importa, mas o novo consumidor está igualmente interessado em causar menos impacto com o consumo”, aponta Florentino.
Bear Case: a tese de baixa
“O modelo de negócios da Enjoei.com é muito novo e, por isso, ainda precisa se provar”, diz João Daroncio, analista da Suno Research. Para ele, a falta de competidores é o que faz com que a companhia seja capaz de aplicar altas taxas em cima dos produtos vendidos na plataforma.
Segundo o guia do site, para mercadorias com valor de até R$ 100, a Enjoei.com cobra uma comissão de 18,5% sobre a venda, somada a uma tarifa fixa para produtos de acordo com o valor de cada item. Já para produtos com valor acima de R$ 101, cobram uma comissão de 20% sobre a venda, somada à mesma tarifa fixa.
Segundo eles, as taxas são cobradas por serviços como de intermediação, meios de pagamento, segurança e demais custos da plataforma, além de cupons de desconto, fretes promocionais e condições especiais de parcelamento.
No Mercado Livre (NASDAQ:MELI) (SA:MELI34), em termos de comparação, as taxas variam entre 11% e 14% dos produtos vendidos, enquanto na OLX, a taxa de 10%.
Segundo Daroncio, isso, e o fato de a Enjoei.com ter um modelo de negócios “facilmente replicável”, abrem precedentes para que futuros competidores entrem com facilidade no mercado.
“O que prende um usuário a um site e não ao outro? Nada, ele pode publicar em ambos e, no que vender mais rápido, melhor para ele. Isso faz com que a barreira de entrada seja muito baixa e o modelo seja copiável, o que me deixa inseguro em relação à companhia”.
Em novembro de 2020, a Arezzo&Co (SA:ARZZ3), controladora das marcas Arezzo, Schutz e Anacapri, fechou a compra de 75% do brechó online Troc, que opera de maneira similar à Enjoei.com. A plataforma, no entanto, cobra taxas de 30% a 60% para a revenda dos produtos.
Outro risco, dessa vez também levantado por Eiger, da XP, é o de pirataria, que poderia manchar a imagem da empresa e demandar mais gastos de marketing.