Por Ana Beatriz Bartolo, da Investing.com – O Brasil deve enfrentar um cenário bastante adverso em 2022.
Mesmo com a tendência de redução da inflação, o cenário macroeconômico será composto por uma taxa de juros elevada e um real desvalorizado, além das discussões sobre a situação fiscal do país.
As eleições presidenciais no fim do ano devem atuar como um agravante, trazendo mais volatilidade para o mercado.
“Para 2022, a expectativa do consumo interno não é boa. A gente espera pelo menos uma manutenção ou uma pequena queda, mas não um crescimento”, comenta Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter (SA:BIDI4).
“A gente espera um crescimento de 0,5%, mas esse dado agregado reflete pouco, porque vamos ter setores em queda e setores crescendo”.
Vitória explica que a agricultura e em algumas indústrias, como a extrativa, tendem a ter um melhor desempenho no próximo ano. Por outro lado, os setores de serviços e varejo devem ser afetados pela diminuição do poder de compra das famílias, causado pela inflação e salários mais baixos.
Além disso, a indústria de bens de consumo duráveis também deve ter um desempenho mais fraco, uma vez que a base de comparação com os últimos trimestres é mais alta. “A sensação térmica vai ser de uma recessão, porque os setores que vão crescer empregam pouco”, explica Vitória.
“É difícil a gente ter um ano bom. O fato do Brasil estar estruturalmente fraco o deixa muito mais vulnerável a choques de todos os tipos”, diz a consultora econômica Zeina Latif, que prevê uma leve recessão para 2022.
A produtividade do país está baixa, a mão de obra é pouco qualificada e a indústria nacional está defasada tecnologicamente, o que, segundo comenta a especialista, pode ser visto pelo aumento de produtos importados mesmo com a taxa de câmbio subindo.
“Nós temos uma economia muito fraca e quase estagnada. Tivemos uma volta rápida depois de 2020, [quando começou a crise do coronavírus], mas isso trouxe problemas, principalmente para a questão fiscal”, comenta Latif.
Latif explica que a recente injeção de capital na economia foi essencial para minimizar os impactos econômicos trazidos pela pandemia, mas a indústria nacional não estava preparada para atender a demanda reprimida do país.
"De uma forma geral, o Brasil gastou demais e sem um bom foco. Então parte da nossa inflação, que começou já no ano passado, foi resultado do excesso de estímulo à economia”, explica.
Além disso, o aumento dos gastos públicos sem medidas compensatórias geraram desconfianças sobre o compromisso fiscal do governo, o que por sua vez pressiona a taxa de câmbio e intensifica a inflação e a taxa de juros.
Entre os analistas consultados pela Investing.com Brasil, a previsão para 2022 é que o dólar fique na faixa de R$ 5,40 a R$ 5,50, com uma Selic entre 10,5% e 12% e um IPCA próximo aos 5% a.a., na média.
Eleições 2022
Latif explica que houve no último ano um “enfraquecimento institucional do teto de gastos” com os gastos fora do orçamento e as discussões recentes sobre a PEC dos Precatórios, que altera a âncora fiscal do país, o que terá um efeito nas eleições presidenciais: “agora o debate do mercado é qual o grau de compromisso dos candidatos competitivos com a regra do teto e a lei de responsabilidade fiscal”.
Para Latif, projetos de longo prazo ou de estrutura só começarão a andar após o resultado eleitoral ficar esclarecido.
“Há uma tendência de ganhar um candidato de centro-esquerda, porque o nível de atividade no Brasil está muito fraco e o rendimento médio das pessoas caiu bastante, seja porque o mercado de trabalho está ruim ou porque a inflação está elevada. Em uma situação como essa é muito difícil emplacar uma bandeira liberal”, explica André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.
Apesar dos nomes dos candidatos à Presidência ainda não estarem definidos, Perfeito aponta que entre as possibilidade apresentadas até então, o principal representante de centro-esquerda que poderia vencer as eleições no ano que vem é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com uma possível vitória do petista, o especialista acredita que o Banco Central não se sentiria pressionado a reduzir a Selic. A previsão da Necton é de uma taxa básica de juros de 11,5% em 2022.
Perfeito explica que, apesar dos juros terem chegado a casa dos 2% nos últimos anos, essa redução não teve um impacto significativo na economia, muito pelo contrário, trouxe “uma série de disfuncionalidades no sistema financeiro”. Além disso, o mercado de títulos e de ações estavam muito descolados.
“A taxa de juros moratória estava muito aquém do risco percebido. Quando a taxa de juros ganhar um tamanho maior, isso vai indicar que os preços dos ativos estão baixos e isso pode gerar um humor positivo no mercado em 2022, apesar do cenário indicar que o Lula ganhará as eleições”, comenta o economista-chefe da Necton.
Sem ajuda do cenário internacional
Além dos problemas internos, o cenário internacional também será de pouca ajuda para o Brasil. “O comércio mundial deve estar estagnado e com problema de inflação em 2022”, fala Latif.
“Com o Federal Reserve subindo juros e o comércio mundial com um crescimento mais modesto, é um ambiente mais difícil para países emergentes”, explica a consultora econômica.
Para o economista-chefe do Banco Fator e professor da USP, José Francisco Gonçalves, a tendência é que a política monetária dos Estados Unidos aperte as condições financeiras globais ao longo do ano que vem, o que, junto com as dúvidas sobre a demanda chinesa, deve impactar as commodities.
O cenário fica ainda mais complicado com os gargalos na economia e as dúvidas sobre a variante Ômicron de coronavírus.
"Não vem grande demanda de lá fora por exportações brasileiras, então nós teremos uma super safra na agricultura, mas sem preço. Além disso, com condições financeiras menos favoráveis no exterior, isso significa mais dificuldade para investimentos aqui, o que aumenta posições especulativas ou em renda fixa”, explica Gonçalves.